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Para onde a Terra segue

De repente, a Terra está tremendo. Salve-se quem puder. Tudo está saindo do lugar. Nada será como antes. E testamos, então, a notável capacidade da espécie de se adaptar ao novo e superar desafios.

Tudo se define ou redefine: quem é liderança, quem é desastroso, quem consegue pensar no vácuo, quem não consegue sair do quadrado, quem nasceu e viveu para ser robô. Quem não consegue pensar, quem não consegue sentir, quem  jamais vai entender…

A arte é desafiada de forma frontal – e o teatro segue robusto nesta gaveta. O melhor de tudo é que sequer há tempo para entender o que se passa. Os fatos se atropelam vertiginosamente. Resta apenas um impulso: reagir.

Pois não fique triste, não olhe para trás: há um mundo de excelência ao seu dispor, apesar de tudo. A Terra seguirá adiante, sobreviverá. O novo teatron, por exemplo, teatro on line, merece a sua atenção, procure conhecer, saber o que é, conferir.

Ontem mesmo passei pelo imenso prazer de curtir o novo espetáculo da Companhia Atores de Laura. Recomendo vivamente, não perca. Simplesmente é um trabalho de arte rascante, para ver com a mente e o coração. Fronteiras Invisíveis em processo lida com a instabilidade do novo agora com uma inteligência aguda e instala o novo na sua alma.

Por isto, além de brincar com a, digamos, técnica da distância, o elenco de ótimos atores assume a distância e esbanja bom humor. Experientes, eles conseguem contracenar de longe, cada um no seu quadrado. As histórias contadas, fragmentadas e picotadas, tecem um panorama surpreendente da nossa sensibilidade hoje.

São fragmentadas, pois são várias, ao redor de várias pessoas, em função de diversos conflitos, encontros e desencontros. A continuidade surge tão oscilante quanto a vida agora, na qual cada ser se tornou um capítulo. E são picotadas, pois lidam com todas as variáveis desta nova tecnologia que nos cerca. Ou nos assola. Além, claro, do picotado típico da vida moderna…

Os atores, uma turma escolada que reúne integrantes da cia e atrizes convidadas, atuam de suas casas. Isto significa não só emprestar o lar como cenário, mas comandar a própria performance em todos os sentidos, pois eles filmam, iluminam, fazem o papel de contrarregras, resolvem e incorporam eventuais imprevistos.

Quer dizer, se movem integralmente nas fronteiras da arte, enquanto dramatizam, exatamente, o conceito de fronteiras. A peça estava em fase de pré-produção quando a equipe foi surpreendida pela pandemia. O pensamento a respeito da pandemia ampliou o trato com a definição de fronteira.

Assim, a adaptação para a exibição online trouxe um desejo novo, de pesquisar, exatamente, as fronteiras desta nova possibilidade para fazer arte. Conseguiram cenas poéticas, cenas de impacto, cenas divertidas, cenas patéticas, cenas inacreditáveis – enfim um pouco a tradução da perplexidade geral diante de um mundo inesperado. O que nós somos, diante disto tudo? Dá para ter um governo de si, dá para ter um saber do outro? Dá para saber algo do que acontece?

A inventividade também recaiu sobre um outro projeto de teatro real, concreto, cuja temporada foi interrompida pela Covid-19. Neste caso, o trabalho atingido foi a celebração do centenário de Clarice Lispector, planejada para acontecer com a montagem de Ao redor da mesa, com Clarice Lispector, cartaz do Sesc Copacabana.

Mas a suspensão das apresentações não derrubou a equipe, que não se deixou abater – a partir do próximo dia 1o. de outubro, a cena ganhará nova vida, com transmissão do trabalho através do YouTube e do Facebook. Também aqui o destaque é para a originalidade e a ousadia, a decisão de desposar o novo.

A ação começará com um bate-papo reunindo a dramaturga e pesquisadora Clarisse Fukelman e a analista de Cultura do Sesc Copacabana, Carolina Salim. O evento marcará a entrada no ar de uma playlist com o contéudo: será uma websérie.

Para focalizar a grandeza de Clarice, o formato escolhido foi o encontro da autora consigo mesma, em dois momentos de sua vida. As duas Clarices, em diferentes situações, falam de temas variados – amor, família, desigualdade social, criação.

O roteiro incorpora recortes da obra da escritora, vídeos gravados por celulares, criações atuais. Há, portanto, uma alquimia de linguagens bastante ousada: literatura, história, teatro, música e novas mídias fazem a cena.

 O nome por trás da invenção é Clarisse Fukelman. Criadora da obra original, ela agora assina a adaptação do roteiro para a estrutura seriada e a direção. Concebeu capítulos curtos, com duração média de 13 minutos, na busca de um efeito específico para a realidade online – o espectador entra na casa de cada intérprete, desfruta da intimidade oferecida pelo close e dos diversos recursos disponíveis no audiovisual.

Não se trata de uma produção voltada apenas para especialistas ou conhecedores da obra de Clarice: o desejo é o de travar um diálogo amplo. A websérie reúne os atores Ana Barroso, Ester Jablonski, Gisela de Castro e Joelson Medeiros com o firme propósito de aliar a força do teatro à força da internet e à força da autora.

Pois o tremor de terra passa exatamente por aí – qual o desenho do palco resultante deste momento novo? Se a obra dedicada a Clarice nasceu de uma experiente produtora independente, a discussão a respeito das fronteiras aparece dentro da dinâmica de uma companhia de teatro decididamente aclimatada ao palco.

A Companhia Atores de Laura foi fundada em 1992 e se afirmou como um coletivo engajado de verdade no investimento teatral. Fizeram, inclusive, um trabalho notável no NorteShopping, durante longos anos. Conseguiram a dificílima proeza de manter casa própria numa sede suburbana – um feito de extrema importância cultural, não igualado por qualquer outro grupo carioca.

Sob a direção de Daniel Herz, a nota definidora por excelência do grupo é a ótica do ator – quer dizer, a visão do intérprete como força motriz do jogo cênico, ao redor da qual tudo o mais se constrói. Isto quer dizer que a cena – direção, cenografia, figurino e iluminação – giram ao redor do ator. Um pouco como se víssemos a Terra como algo decorrente do humano. Um pouco como se a Terra girasse ao redor do humano.

Talvez tenhamos aí um caminho, uma indicação, nesta hora em que o chão cede. Talvez este seja o gesto eterno do teatro. Pode ser, portanto, que ao lado da vacina para imunizar os corpos, a sociedade humana precise de uma vacina para as almas, um outro nome para o teatro.

Com certeza a sabedoria sensível do palco pode oferecer bússolas, para guiar o caminho humano, mais humano, numa hora estranha destas, em que a terra, sob os pés, escorrega e treme. Isto quer dizer que você não está sozinho diante da imensa confusão que a História resolveu instalar ao redor. Então, não perca tempo, confira – está dentro de sua casa, basta abrir os olhos e ver.

Fronteiras Invisíveis em processo 

Serviço:

Dias: 20 e 27 de setembro / 04 e 11 de outubro 

Horário: 20h 

Valores: R$ 10,00 / R$ 20,00 / R$ 50,00 / R$ 100,00

Vendas na Sympla: https://bit.ly/35zPKbo 

Ficha Técnica:

Elenco (Cia Atores de Laura)

Charles Fricks

Leandro Castilho

Marcio Fonseca

Paulo Hamilton

Verônica Reis

Atrizes convidadas

Carol Santaroni

Clarissa Pinheiro

Gloria Dinniz

Direção: Daniel Herz e Luis Felipe Sá

Direção Geral: Daniel Herz

Assistente de direção: Carol Santaroni

Direção Musical: Leandro Castilho

Figurino e programação visual: Ana Paula Secco

Vídeos: Pedro Murad

Assessoria de imprensa: Julie Duarte e André Rayol

Gerenciamento de redes: Julie Duarte

Direção de produção: Elaine Moreira

Um projeto da Cia Atores de Laura

 Estreia da websérie  Ao redor da tela, com Clarice Lispector

Serviço

Projeto Arte em Cena Sesc RJ

Dia 1º/10/2020 (quinta-feira) – 19h

Transmissão

YouTube (@portalsescrio) e Facebook (@SescRJ)

Após a live, episódios serão disponibilizados em uma playlist no YouTube do Sesc RJ

Ficha técnica

Dramaturgia, pesquisa e direção: Clarisse Fukelman

Elenco:  Ana Barroso, Ester Jablonski, Gisela de Castro e Joelson Medeiros

Direção musical: Liliane Secco

Designer: Mariana Grojsgold

Gravação e edição: Tainá Cavalieri

Assistente de produção: James Simão

Projeto e Realização: Veredas Promoções Culturais

Assessoria de Imprensa: Clóvis Corrêa – CICLO Comunicação

Apoios:  Editora Rocco, Eliezer Max e Instituto Moreira Salles

Agradecimentos: Analu Prestes, Bruno Gottlieb , Claudio Mendes, Paulo Valente e Vera Novello

CICLO Comunicação – Clóvis Corrêa

 Relações com a Imprensa Wando Soares