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Nossa vida é o teatro.

Não pense que é demagogia. Ou lenda urbana. Também não é historinha para inglês ver. O teatro é uma família, no sentido de que existe uma espécie de pertencimento ligando tudo a todos ao redor do palco.

Talvez a união tenha nascido da discriminação – pode ser. Afinal, quem escolhia fazer teatro, até bem pouco tempo, ficava longe de um conceito social recomendável. Reza a lenda – e aqui o motivo foi mais a vida dura do que a má fama – que João Caetano apostou todas as fichas para as filhas seguirem outro destino. 

Um exemplo melhor é o nome artístico. O nome em arte pode ter sido ditado em vários casos para fazer marketing – mas a verdadeira origem foi mesmo esconder. Quer dizer, preservar a família de sangue de semelhante constrangimento.

E o pesadelo não passou. Até hoje, em segmentos sociais mais conservadores, ser artista significa resvalar na chance de ter prestígio.  Basta olhar nos dicionários de português – um dos sentidos da palavra artista é… “indivíduo finório, enganador, que nada leva a sério”… Os dicionários não inventam, apenas recolhem o que anda nas bocas. E nas almas.

Quer dizer, um bocado da velha aura persiste, apesar da televisão, que às vezes projeta celebridades instantâneas de maneira fulminante.  A pequena tela, por sinal, trouxe algumas distorções perigosas para a profissão. 

Ela colaborou para a difusão de um mito de riqueza – ou de enriquecimento súbito – bem enganoso. Esta crença favorece a ideia de que a carreira é fácil, rápida e simples.  Na realidade, a fortuna existe, mas contempla segmentos muito localizados, não é nada democrática. Nem se submete aos relógios aflitos sentimentais.

Justamente a dureza da batalha pela cena inspirou João Caetano a desejar para os descendentes uma vida mais tranquila. Basta ler os jornais da época da maturidade do ator, quando ele se tornara consagrado, para perceber como era difícil a sua batalha diária. E ele se transformara num astro!

Hoje, o quadro da vida teatral não se tornou mais estável ou confortável. É espantoso constatar como a sociedade brasileira sobrevive distante da cultura, como, aqui, se consolidou a ideia de que cultura, saber, conhecimento, arte, enfim, são atributos individuais e não instituições e práticas sociais.

Quer dizer – o milionário brasileiro não se sente inclinado a usar a sua fortuna para ampliar a cena cultural. O mecenato não integra a cartilha existencial dos muito ricos. É mais fácil um rico brasileiro doar para a reconstrução da Notre Dame de Paris do que para erguer um Palácio de Cultura para a UFRJ nas ruínas do Canecão.

A burguesia nacional nunca se incomodou com o estado deplorável de miséria do Museu Nacional; sim, aquele que foi totalmente destruído pelo fogo. Como não se importa também com as agruras da Biblioteca Nacional, um templo do saber que abriga preciosidades absolutas da história humana. 

E, no entanto, seria bem  normal que um grande construtor quisesse doar um palácio para a cultura ou que um fabricante de papel apostasse muito do seu bolso na casa que abriga os velhos livros del rei. Talvez esta prática levasse ao nascimento de um compromisso de Estado também. Pois o Estado brasileiro e a cultura se estranham profundamente desde sempre: quando o Estado aqui faz algo, sempre há um cálculo político imediato.

Mas, convenhamos, se a burguesia não se sente afetada com a precariedade destes monumentos absolutos da nacionalidade, qual a chance de que se importe com o teatro? Nenhuma. 

Ela só vai se mexer (e isto já acontece, um progresso na história do país) se houver retorno certo de marketing ou de isenção fiscal. Para a burguesia, não há valor algum na oportunidade de ter, na sociedade, uma grandeza de valores urbanos burilados pela cena. Ela supõe que, nos seus automóveis blindados ou nos seus aviões de luxo, paira acima das asperezas sociais de uma comunidade rústica.

A falência teatral – e cultural – da sociedade brasileira, portanto, tem uma origem certa: a venalidade e a torpeza da elite nacional. Uma elite indiferente à precariedade de valores da sociedade que lidera, não só é torpe, mas é venal, é gente que se confunde com o capital, como se fosse, ela própria, cédulas de dinheiro. 

Pois é direto assim. Por muito tempo considerei a trama de Rei da Vela, de Oswald, um entrecho cômico, exagero caricato. Hoje vejo que não – aqueles seres podres são reais, está ali muito da tragédia nacional. Um país coroado com uma elite de quinta está condenado a uma luta insana para ter dignidade humana.

Resta, então, à classe e aos artistas a tarefa desafiadora de erguer a cultura nacional, manter de pé o teatro do país. Sozinhos. Eles são a única esperança, podem articular a sua força criativa, o seu poder de invenção e a sua potencia para materializar a arte no espaço social. Família é para isto.

Uma frente notável foi erguida no Rio sob a liderança da atriz Ana Beatriz Nogueira, com o Teatro Com Bolso. Ela criou um palco na sua casa, equipado para transmissão online de peças, shows, encontros de arte. A programação é variada, de alta qualidade, garante notáveis momentos de pura poesia.

A edição em cartaz, De 5 a 10, reúne apresentações teatrais e musicais, cada uma com a duração de 5 a 10 minutos, exibidas em sequência. A lista de nomes reúne muito da fina flor da família teatral – Analu Prestes, Andrea Beltrão, Claudia Netto e Luis Filipe de Lima, Eduardo Moscovis, Gabriel Contente, Guida Vianna, Jackson Antunes, Julia Lemmertz, Louise Cardoso, Marcia Rubin, Maria Eduarda de Carvalho, Vanessa Giacomo, Zélia Duncan.

Com ingressos gratuitos ou colaborativos, o evento inicia uma série de encontros concebidos para contemplar um artista que esteja num momento delicado, um pouco na linha dos antigos benefícios teatrais. Quer dizer, atitude de família, com certeza.

Aliás, a família teatral aparece também ali nas imediações da Lapa. Mais exatamente, no Teatro Riachuelo. Neste caso, duas correntes sanguíneas se misturam – uma biológica, a outra cênica.

Na corrente biológica, temos a notável atriz Arlete Salles, prestes a comemorar 65 anos de carreira, em cena no espetáculo Ninguém dirá que é Tarde Demais, texto do seu neto, Pedro Medina, também presente no elenco. Ainda no palco, estão também o filho de Arlete, Alexandre Barbalho, e um amigo veterano do coração da atriz, Edwin Luisi, nome precioso da família teatral brasileira.

Como se não bastasse, um celebrado patriarca da cena assina a direção, Amir Haddad. Ao seu lado, as lembranças da grandeza da família teatral adquirem intenso realce, com a presença de José Dias, no cenário, Aurélio de Simoni, na luz, e Carol Lobato, nos figurinos.

A trama da peça sugere o culto a sentimentos simples, mas fundamentais – a esperança, a crença na positividade da vida. São dois vizinhos idosos, presos em suas casas pela pandemia, que acabam por perceber a possibilidade do encontro e da felicidade, apesar da covid, do isolamento e dos revezes da vida.

A proposta é encantadora exatamente por abrir campo para uma prática teatral tradicional do palco brasileiro, relegada por bastante tempo ao porão das almas: o teatro de encontro com o cidadão comum, disposto a dialogar os caminhos diários da vida. Sim, o velho e amoroso teatrão.

A rigor, um belo programa para uma família teatral disposta a fazer a força do palco soar na vida em sociedade. Para sacudir a poeira do isolamento, levantar os ânimos, parece que não poderia haver nada melhor do que o desenho de um romance na terceira idade. 

Pois, afinal, a cena carioca moderna está justamente na terceira idade. Já era tempo de recuperar o amor que unia, outrora, o palco às tramas deliciosas da vida que passa. No fundo, estamos diante não apenas do teatrão: contemplamos o retorno da graça do velho e sábio teatro de sala de visitas.

Este prazer simples, inclinado ao diálogo com o cidadão, quem sabe consegue levar o público de volta ao teatro. Era uma sabedoria bem estruturada, das velhas famílias de teatro, que enfrentavam tudo e todos para contar histórias de encontros, desencontros e sentimentos – enfim, falar de um espaço afetivo com o qual a plateia adorava conviver. 

FOTO: Guga Melgar


 FICHA TECNICA E SERVIÇO:
“DE 5 A 10”
ESTREIA: 16 de outubro de 2021- apresentações online pré-filmadas –
Trabalhos filmados no palco do Teatro Com Bolso.
Nesta edição, o contemplado é o ator paulistano Luciano Chirolli.

Idealização: Ana Beatriz Nogueira 

 Elenco: Analu Prestes, Andrea Beltrão, Claudia Netto e Luis Filipe de Lima, Eduardo Moscovis, Gabriel Contente, Guida Vianna, Jackson Antunes, Julia Lemmertz, Louise Cardoso, Marcia Rubin, Maria Eduarda de Carvalho, Vanessa Giacomo, Zélia Duncan 

 Iluminação: Rodrigo Lopes 

 Operação de Luz e Som: Rodrigo Lopes / Ambientação Cênica: Ana Beatriz Nogueira 

 Operação de Câmera e Edição de Vídeo: Eduardo Kozlowski  

Fotos: Eduardo Kozlowski 

 Programação Visual: Teatro Com Bolso 

Mídias Sociais: Victor Pontes 

Idealização e Produção Teatro Com Bolso: Ana Beatriz Nogueira 

 Assessoria de Imprensa Teatro Com Bolso: JSPontes Comunicação  

Ingressos:

www.sympla.com.br/teatrocombolso

FICHA TÉCNICA 

NINGUÉM DIRÁ QUE É TARDE DEMAIS

Texto: Pedro Medina

Diretor Artístico: Amir Haddad

Diretor Musical: Lúcio Mauro Filho e Máximo Cutrim

Elenco: Arlete Salles, Edwin Luisi, Alexandre Barbalho e Pedro Medina

Cenógrafo: José Dias

Figurinista: Carol Lobato

Iluminador: Aurélio De Simoni

Cinematografia: Chamon Audiovisual

Produtores Associados e Idealização: Rose Dalney, Túlio Rivadávia e Marcio Sam

Designer: Gustavo Daldegan

Fotografa: Larissa Marques

Assistente De Marketing: Cristiano Lopes

Produção Executiva: Sarah Alonso

Financeiro: Mariana Teixeira

Assistente De Produção: Máximo Cutrim

Realização: Rivadavia Comunicação, Miniatura 9 Produções e Religar Comunicações

Assessoria de imprensa:BARATA PRODUÇÕES

SERVIÇO

Local: Teatro Riachuelo Rio

Endereço:Rua do Passeio, 40, Centro, Rio de Janeiro/RJ

Dia:07 a 31 de outubro, de quinta a domingo.

Horário: quinta a sábado às 20h | domingo às 19h.

Ingressos:a partir de R$ 25 | Sympla(www.sympla.com.br)  

Classificação:14 anos

Duração:100 minutos.

Temporada online

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youtube.com/c/bradescoseguros/

Até 31 de outubro.