Bia Lessa, a crise e o teatro nosso de cada dia
O país em crise, sob um estresse violento. E eu aqui, para sempre um ser fora da linha, obcecada por teatro, como se o palco persistisse, sob este vendaval de agora, com a mesma importância festeira dos dias de calmaria social. Quer dizer, vale perguntar se, na sociedade brasileira, existe a chance de atribuir uma importância festeira ao teatro, sob qualquer clima que seja. A festa nasce apenas do olhar dos que amam a cena, desconfio.
Mas, rápida, afasto a dúvida – acredito no teatro, no poder do teatro, na sua importância. Com sinceridade. Tenho a certeza cristalina, inabalável, de que o teatro importa para a vida, para a felicidade do indivíduo e para a felicidade social. Está fora de discussão, a meu ver, o imenso poder do palco para transformar o ser humano. No fim das contas, resta perguntar se a nossa sociedade conhece mesmo calmaria. Tirando aquela lá longe, na costa da África, que serviu de álibi para o Cabral, o velho, o saldo parece duvidoso.
Sim, lamento, mas é assim. Fiz o meu balanço pessoal e cheguei à conclusão de que, na minha rotina, ao longo da minha vida, a exceção foi, de verdade, toda esta época recente, desde os anos 1980, em que simulávamos singrar um mar de almirante, planar num céu de brigadeiro. Não uso uma imagem de general porque, para eles, parece que não existe esta necessária metáfora. Marchar num campo de general? Um campo de general, seria o quê? Repleto de margaridas? Alheio a minas e bombas? Desconfio que a imagem não funcione, talvez o exército esteja sempre nas agruras.
Pois bem – pode parecer estranho para alguns, mas herdamos um momento histórico tranquilo dos militares, exatamente. Depois do horror que foi a vida sob os governos militares, veio a restauração democrática e se instalou este clima de sociedade estável, que nem na minha infância, nos conturbados anos 1950, não vivenciei. Fui uma menina muito preocupada com travessuras, brincadeiras e livros, mas, ainda assim, lembro que havia uma atmosfera de sobressalto constante. Pelo menos uma vez arrumei uma trouxinha de tralhas para fugir de casa, para diversão dos adultos. Ameaça de instabilidade, por ar, terra e mar.
Portanto, tudo como antes, no quartel d’Abrantes. E se estamos condenados a existir em desassossego, que ao menos tenhamos o teatro para nortear o descaminho. Esta possibilidade de ver o rumo, por mais esgarçado que seja, em meio ao caos, já nos visitou este ano no mínimo uma vez, com a belíssima montagem de Grande Sertão, Veredas, de Bia Lessa, no Centro Cultural Banco do Brasil.
A inventividade plena da encenadora sacudiu o espaço, reinventou com olhar certeiro o texto, expôs uma forma sinuosa de atuação entre multifacetadas formas do humano e conduziu o público a um impressionante mergulho-Brasil. Um dos pontos mais curiosos, momento muito denso, foi o uso dos cobertores de feltro, aqueles usados pela população de rua, para fazer figuras humanas, evocações dos soldados chineses de terracota, numa época em que a China integra o nosso pesadelo para definir o país.
Pois bem, Bia Lessa está de volta, em São Paulo. Agora a proposta vai ainda mais longe, vai questionar os limites concretos e abstratos da vida, do ser, da representação. O espetáculo PI, Panorâmica Insana, conta com dramaturgia de Bia Lessa, Júlia Spadacini e Jô Bilac. Um mosaico, um caleidoscópio, um painel do indivíduo no nosso tempo vai inaugurar um espaço cênico em São Paulo, o Teatro Novo.
O processo de criação foi todo ele marcado pela busca da trama complexa que enreda o contemporâneo – quer dizer, em cena, estão em jogo formas plenas, amplas, uma combinação de procedimentos que justifica o recurso ao substantivo panorâmica. A própria dramaturgia foi desenhada a seis mãos a partir de textos de Júlia Spadacini, Jô Bilac e André Sant’anna, com citações de Kafka e Auster.
No elenco, os nomes de Claudia Abreu, Leandra Leal, Luiz Henrique Nogueira e Rodrigo Pandolfo atestam a excelência pretendida na representação. Representação? Aí começa o debate. A fluidez da linguagem é o cálculo primeiro – a cena pretende vagar entre o teatro, a dança e as artes plásticas. O cálculo foi pensado para alcançar um objetivo claro: olhar para a sociedade contemporânea nos seus meandros e descaminhos. Mas não está em vista a produção de um simulacro.
A partir de dados e de pessoas reais, a cena focaliza o indivíduo, a política, a riqueza, a miséria, a violência, a nação, a civilização, o desejo, o gênero. A observação da vida aqui e agora está sob o foco, mas para buscar atingir o atemporal, um tempo de humanidade em que há lugar para o reconhecimento, a dúvida e a ironia.
O espaço usado participa da ideia – o teatro, em obras, foi preparado para receber a montagem, mas está inacabado, entre a ruína e a obra concluída. Na área de representação, 8 mil peças de roupas serão usadas pelos atores em suas performances, uma insinuação de seres múltiplos e transitórios – ao final da temporada, as roupas serão doadas para instituições de caridade. E o flerte com o transitório se faz ainda na paisagem sonora, construída em camadas de música, ruídos, sons, vozes, como aconteceu em Grandes Sertões.
Portanto, há um sinal a propósito do em trânsito, da passagem, da hesitação – um pouco como se a humanidade estivesse neste hiato de tempo, necessitando de um teatro de invenção. O que se aponta, aqui, é a necessidade do novo, da ousadia, do corte e da ruptura com velhas formas, mas sem perder o molde e o fôlego.
Que cálculo é este? Se olhamos com atenção a História, vemos bem claramente que é impossível falar na existência do teatro. Nunca existiu o teatro, um teatro, a mesma e repetida arte. Cada tempo faz o seu palco, faz nascer a cena de que precisa para lidar com as mazelas de sua alma. O teatro é cria do seu tempo. Na História, o máximo que podemos encontrar é a pluralidade, os teatros dos diferentes homens no mundo.
Vivemos num tempo múltiplo, instável, contraditório, dilacerado, multifacetado. Temporalidades estilhaçadas, antagônicas, contraditórias, fragmentárias varrem a vida, coexistem e buscam arregimentar fiéis. O ser humano precisa cuidar de si e de sua independência, do seu direito pleno de ser. Haverá um teatro adequado para cada uma das forças em jogo? Ou só recorre ao teatro quem percebe os abismos da vida?
Agora, então, no Brasil, é preciso serenar a mente e os afetos para tentar entender verdadeiramente o que acontece, fora dos interesses cristalizados espalhados por toda a parte, desde Cabral – o velho. Para cada inquietação, seria importante ter uma cena. E cenas arrebatadoras, vertiginosas, universais, aptas para falar a todos, libertas de qualquer calmaria.
Um belo exemplo? Talvez Bia Lessa trafegue por este caminho. Não sei: vou a São Paulo ver. E vai ser divertido reconhecer justamente em São Paulo uma bela panaceia, concebida por uma carioca de quatro costados, para o dolorido momento nacional. O país está em profunda crise – mas talvez nenhum ponto do vasto território esteja tão dilacerado como o meu velho Rio, que afunda em mar revolto: esperemos contar com o abrigo de um afável porto, a estabilidade de preciosa âncora, nenhum Cabral aventureiro de novo por aqui. Ou ao menos um bom teatro forte, para amortecer, na queda, nossos delicados corações.
Pi
Panorâmica insana
Teatro Novo (320 lugares)
Rua Domingos de Moraes, 348 – Vila Mariana
Informações: (11) 3542-4680
Bilheteria: terça a quinta, das 14h às 19h; sexta a domingo a partir das 14h. Acessibilidade para cadeirantes. Estacionamento conveniado(em frente ao teatro).
Vendas: www.ingressorapido.com.br
Sexta e Sábado às 21h | Domingo às 18h
Ingressos: Sexta R$ 50 | Sábado e Domingo R$ 70
Duração: 90 minutos
Recomendação: 16 anos
Gênero: Drama
Estreia dia 01 de Junho de 2018
Temporada: até 29 de Julho
Tagged: Bia Lessa, crise e teatro, Grande Sertão: Veredas, História e teatro, PI Panorâmica Insana, São Paulo, Teatro Novo
Crítica: A Palavra Progresso na Boca da Minha Mãe Soava Terrivelmente Falsa
Tania Brandão
Posted on 28 de maio de 2018
A estupidez absurda da guerra, a beleza absoluta do teatro
Talvez nada, entre nós, humanos, seja mais estúpido do que a guerra, ato puro de desamor à vida. A tristeza maior é a necessidade de reconhecer o óbvio: as formas da guerra são várias, não são simples, não são apenas aquelas tradicionais, em que a relação diplomática é abolida a favor de bombas e canhões. Esta dolorosa constatação está em cena só até hoje, no Espaço Cultural Sergio Porto, corra para ver. É imperdível.
A obra – A Palavra Progresso na Boca da Minha Mãe Soava Terrivelmente Falsa, de Mátei Visniec – é assinada por um grupo teatral surpreendente, o Multifoco Companhia de Teatro, fundado em 2010. Apesar de muito jovem, o coletivo revela em cena uma força poética espantosa, comovente mesmo, aquele tipo de turbilhão criativo típico de quem tem o que dizer e veio para ficar.
Assim, uma maturidade teatral comovente rege a performance da equipe. Há uma expressão coletiva orgânica, consciente de sua força, devotada ao trabalho de arte como instrumento de transformação humana sensível. O grupo apresenta uma assinatura, uma identidade artística nítida, se projeta como um autêntico coletivo de arte, algo que não é comum no meio cultural brasileiro.
O texto do autor romeno radicado em Paris foi criado sob encomenda do Teatro Nacional de Craiova, Romênia, dentro de um projeto intitulado Teatro da Europa, espelho das populações deslocadas. A estrutura é fragmentada, picotada como as saraivadas da fuzilaria, mas conta com uma espinha dorsal, uma ação dramática básica, o próprio sentido mais profundo do viver.
O original revela a sofrida tentativa de uma família para retomar a vida na sua velha casa após a guerra. No retorno, a casa está arruinada e a terra povoada por mortos. Os mortos compõem a paisagem histórica do lugar. A companhia fez ligeiras adaptações do original, em especial para incluir no entrecho a nossa guerra brasileira particular, não declarada, mas vivenciada a pleno vapor no cotidiano, nos corações e mentes desde sempre.
Sob a direção de Ricardo Rocha, um diretor dotado de aguda percepção plástica, a cena se torna uma criação visual de intensa sedução. Iluminador, ele domina os códigos de movimentação e de composição geométrica do espaço em sintonia orgânica com a potencialidade da luz. Artesão da palavra, ele instaura sob uma concepção poética muito precisa a comunhão entre o texto e a cena.
Desta forma, surgem quadros cênicos vibrantes, de extrema beleza visual, dotados de uma pulsação notável, com uma alquimia surpreendente de cores em que predomina a cor da terra e do incêndio, do sangue pisado e da guerra, o claro-escuro, aliada aos gestos, a musicalidades e intensidades corporais. A cena é com frequência arrebatadora. Importa observar em particular a forma de uso do foco e dos planos visuais – hábeis percepções do indivíduo, do coletivo e do abstrato. É lindo.
A articulação com a cenografia, de Nivea Faso e do diretor, e com os figurinos, de Nivea Faso, se dá como fluxo contínuo de criatividade cênica, concepção límpida, sem hesitação. A direção de movimento e as coreografias, de Palu Felipe, são marcadas pela inteligência e por uma aguda percepção do jogo cênico, situação também dominante na direção musical de Vinicius Mousinho.
A este conceito vivo de cena deve ser agregada a extrema disponibilidade física do elenco, devotado a uma linguagem teatral em que o corpo se impõe, em que há absoluta presença e performatividade dos atores. Predomina no palco o desejo bem sucedido de criar uma nova forma física emocionada, intensa e sinuosa, construída graças à incorporação da dança, da acrobacia, da imediatidade circense.
O resultado atingido tem um grande impacto – ainda que algumas partes interpretativas decisivas, de forte solução interior, por vezes soem superficiais ou mecânicas, por causa da demanda física. O limite é comum quando o efeito estético solicita ação física extrema, simultânea ao mergulho na interioridade. Há também uma extensão perigosa da ação, um namoro prolongado do grupo consigo próprio. Mesmo com estas ressalvas, não há como ficar indiferente ao jogo proposto pelo elenco. É arrebatador de verdade.E é histórico: nasce aqui um excelente diretor e um grupo original.
Luan Vieira, como Vibko e Travesti, impressiona ao apresentar uma organicidade de interpretação rara de encontrar – é físico e alma em pleno jogo poético, traz a potência de um grande ator. Bárbara Abi-Rihan arrebata a plateia em especial por sua excelente performance plástica, além de conseguir expor tons humanos patéticos verdadeiramente impressionantes.
Erick Tuller é uma escultura humana vívida,límpida; ele se divide com maestria em múltiplos papéis, explora notas densas impressionantes no Pralic e revela com aguda sutileza o cinismo desconcertante do Novo Vizinho. Fábio Lacerda demonstra profundo domínio do desenho das ações físicas, tem um fôlego emocional notável, mas hesita um tanto diante das necessidades do mergulho interior mais profundo.
Viviane Pereira tinge de desvario e de dor a mãe, com algum perigo de melodrama nas passagens mais delicadas. Camila Zampier colabora com muitos quadros pictóricos da cena e tem na figura de A Patroa o seu momento mais intenso.
Por mais um pouco, a cena poderia figurar uma procissão cênica de desvalidos, caricaturas tristes – mas a mão do diretor soube contornar todos os perigos. Na cena desenhada com rigor de estilete, além de alguns poucos apetrechos indicados pelo autor, há uma proposta teatral autêntica, entre o simbólico e o retrato realista das situações. Destaque-se, para este resultado, os grandes achados da cenografia – submetida a uma densa composição visual, ela materializa de forma direta, econômica, uma atmosfera alucinada de vida massacrada, dolorida, sobra de guerra, lixo urbano, restos de humanidade.
Seres destroçados pela guerra, pelo consumismo, pelo desamor, pela impossibilidade de valorizar a vida humana e de respeitar o próximo, desfilam pungentes na cena, demonstram a fragilidade do ser humano e a necessidade de novas percepções a respeito da vida no mundo. Um canto teatral lancinante paira no ar e advoga o triste mérito de criar no palco a atmosfera paralisante do nosso tempo.
Migalhas humanas, os atores se lançam ao nosso olhar surpreso e comovido como corpos poéticos líricos, acionam a palavra para expor os corpos da guerra, querem ser inteiros e são fragmentos, estilhaços humanos. À plateia, impregnada pelo mais aterrador sentido do humano, resta um convite sublime: a consciência profunda a respeito da estranheza deste nosso mundo, a percepção de que é urgente usar a vida para se dedicar à paz. A dúvida sacode a civilização: e a palavra progresso soa terrivelmente falsa, como desejou mostrar o autor.
Autor: Matéi Visniec
Direção e Iluminação: Ricardo Rocha
Elenco: Bárbara Abi-Rihan, Camila Zampier, Erick Tuller, Fábio Lacerda, Luan Vieira e Viviane Pereira
Direção de Movimento e Coreografias: Palu Felipe
Direção Musical e Preparação Vocal: Vinícius Mousinho
Cenografia: Nívea Faso e Ricardo Rocha
Figurino: Nívea Faso
Cenotécnico: Moisés
Imagens e Edições: Daniel Debortoli e Viviane Dias
Fotografia: Diogo Nunes
Realização: Multifoco Companhia de Teatro
Espetáculo: A palavra progresso na boca da minha mãe soava terrivelmente falsa
Ocupação Multifoco Companhia de Teatro
Duração: 100 minutos
Classificação: 18 anos
Temporada: 05 a 28 de maio
Local: Espaço Cultural Sérgio Porto
Endereço: Rua Humaitá, 163 – Humaitá
Telefone: (21) 2535-3846
Gênero: drama
Temporada: 19 a 28 de Maio.
Dia\horário: sábado a segunda, às 20h30
Ingresso: R$30\R$15
Bilheteria: de quinta a domingo das 17h às 21h
Tagged: A Palavra Progresso na Boca da Minha Mãe Soava Terrivelmente Falsa, árbara Abi-Rihan, Camila Zampier, Companhia Multifoco de Teatro, Erick Tuller, Espaço Cultural Sergio Porto, Fábio Lacerda, Luan Vieira, Matéi Visniec, Ricardo Rocha, Viviane Pereira
A Praça Mauá é Nossa
Querem acabar com a Praça Mauá – quer dizer, querem acabar com a Praça Mauá que reina na alma da muy leal e histórica cidade de São Sebastião que habitamos. Cidade-poesia, cidade-sonho, cidade maravilhosa, o Rio de Janeiro lírico reconhece na velha praça, agora em transe para o futuro, um lugar mítico, berço histórico da cidade-lenda.
Muito desta atmosfera de inefável carioquice nasceu do porto, sem dúvida. Mas, reconheçamos, o Edifício A Noite, abrigo célebre da Rádio Nacional, assina a autoria de boa parte da trama de sedução que enredou a cidade, encantou o país e provocou o ciúme mais doentio de São Paulo, a capital febril fabril. Eles correram para fabricar algo mais alto! Mas o Rio era o Rio.
O teatro, o dinossauro e os seus cupins
Os cupins – tão pequenos – conseguiram derrubar um dinossauro: esta foi uma das notícias surpreendentes da semana. É certo que eles são vorazes e obstinados, digamos. Ou objetivos. E também é certo que o dinossauro, no caso, era um pobre simulacro, restos de ossos armados em poderosa estrutura de madeira. Ela foi eleita pelos devoradores, que puseram o monumento abaixo. Aconteceu no Museu da Quinta.
Talvez o Museu da Quinta, a antiga residência de D. João e dos imperadores brasileiros, possua uma secreta identidade com o teatro brasileiro. Por isto a notícia me arrebatou, além, claro, do fato de eu ser apaixonada pelo Museu da Quinta desde a infância.
Paixões de lado, dá para afirmar que muitas analogias podem ser traçadas entre o antigo lar dos imperadores e o antigo altar da alma nacional, o teatro. A mais evidente das analogias é retumbante como a pátria – depois da glória como centros do poder no século XIX, os dois estão caindo aos pedaços.
E – dói reconhecer a evidência cruel – a ruína é resultado direto da nossa ação, da ação humana, quer dizer, desinteresse, baixa mobilização, egoísmo, falta de visão do bem comum. Talvez tenhamos um jeito republicano torto, um tanto maligno, que nos impeça de abraçar metas favoráveis à saúde nacional. Tanto saúde física, como cidadã ou simbólica.
Não, não vou discutir aqui o que o teatro e o museu nacional significam para a saúde nacional. O foco é outro. Penso que é trabalhoso, mas é fácil banir (e erradicar!) os cupins. Segundo as minhas vivências, é essencial matar a rainha. Quer dizer, banir o núcleo gerador do problema. Então, no caso do museu, como não frequento a casa, vou abdicar de formular sugestões objetivas.
Sim, já decidi, estou fora da Quinta da Boa Vista. Só volto por lá quando estiver bem espanada, pois a última vez em que lá estive, a múmia, a preciosa múmia estimada do imperador, uma peça ilustre de preço estratosférico, estava passando pela gloriosa experiência tropical de tomar banho de chuva! Fiquei com medo de deparar com a cena dantesca, de tanta intimidade, a cena de ver uma múmia egípcia arquimilionária tomando banho, e abdiquei, larguei a Quinta, como se inspirada por D. Pedro I fosse.
Portanto, a boa espanada por lá não seria coisa leve, tipo tirar pó de múmia, até porque a nossa múmia não tem pó, ela toma banho. A coisa seria pesada, tipo suspender o dinossauro. Ou indo mais longe: arranjar una escada eficiente para consertar o telhado… O espanador começaria bem lá em cima, portanto, para ir até o subsolo. Abdico. De folga, vou para o teatro. Abaixo os cupins, viva a cena.
E o que fazer com os cupins do teatro? Em primeiro lugar, reformar, limpar, consertar os teatros da cidade. Depois, construir uns cinco teatros de grande porte, para abrigar grandes espetáculos, inclusive grandes musicais, e permitir uma política sólida de interação entre educação e teatro. Sim, levar as escolas ao teatro, aos magotes.
Além dos grandes teatros, legítimos altares da cidade, faria os “teatros de bairro” – pequenos oratórios comunitários para peças mais delicadas, pontuais, onde haveria agenda para programações locais significativas. Também abriria uma linha de crédito para que cada escola pública construísse ou reformasse o seu teatro, um teatro para chamar de seu, onde os alunos fariam apresentações e receberiam visitas teatrais de peças profissionais adequadas aos seus estudos.
Todo artista interessado em descascar abacaxi e provido de uma faca afiada o bastante para tal fim teria direito a um financiamento amigável, liquidável, para construir o seu próprio teatro. Nenhum shopping seria autorizado a funcionar sem teatro. Uma rede de galpões espalhada pela cidade ofereceria apoio para depósito de materiais cênicos, de uso privado ou comum.
Mas teatro se faz com gente. Assim, todo ano haveria a escolha municipal do artista do ano – um dramaturgo (vivo ou morto), um ator, uma figura relevante do palco, algum ser teatral com dimensão histórica. Uma agenda de eventos celebratórios convocaria a coletividade para louvar, analisar, pensar, debater a figura. Uma grande montagem em sua honra seria o centro do ritual.
Algumas outras iniciativas seriam estratégicas para assegurar a barreira de contenção ao redor da arte, capaz de libertá-la de nova infestação de cupins. A primeira seria uma política permanente e consequente de edições teatrais – peças, programas, almanaques, revistas, livros de pesquisa e de estudos, dissertações e teses. A estante teatral largaria a anemia e ficaria bem robusta.
A segunda, coisa do espírito, implicaria na organização de seminários, simpósios e oficinas de formação, atualização ou reciclagem profissional, eventos para encontro e debates, trocas de ideias. Aconteceriam também concursos, prêmios e uma política séria permanente de bolsas para aperfeiçoamento de jovens talentos, com intercâmbio internacional.
Parte da formação escolar e cívica, o teatro contaria com um incentivo oficial direto do governo para a encenação de peças estruturadas no interior de projetos culturais. Em consequência, o ingresso seria subsidiado, poderia ter um preço mais barato do que o custo bruto da produção determinaria. Quem não desejasse este formato, poderia sim explorar todos os meandros do teatro comercial.
Penso que esta ciranda de ideias e de projetos culturais imunizaria o teatro, do subsolo ao urdimento. E esta é apenas uma singela sugestão pessoal. A sua divulgação social acarretará, se ocorrer, a multiplicação da espanada em infinitas fórmulas, o fim dos cupins. A atitude é urgente, estamos em ano eleitoral. O dinheiro público para esta virada só vai existir se o patamar de roubo e de corrupção for zerado… Portanto, liberte os seus sonhos, ponha para fora os seus desejos, cobre soluções. Venha para o espanador você também! O tempo pede.
Sim, o terreno é muito propício para ações de saneamento bem radicais. Veja-se, por exemplo, a linda escolha jovem que estreia esta semana no Teatro Serrador – um dos textos mais impressionantes de Ibsen, Um Inimigo do Povo, direção de Bruce Gomlevsky. A montagem marcará a formatura de uma turma do primeiro semestre de 2018,da CAL, do curso profissionalizante de ator. E denuncia uma vontade de mudar vigorosa.
O debate proposto pelo texto é um nó atravessado na alma carioca desde o Império – a salubridade das águas urbanas. Inferno dos trópicos, o Rio teve um longo tempo de fama de pestilência, em especial em algumas regiões ao redor da Baia de Guanabara, sem que se chegasse a debater francamente o assunto.
Outras montagens aptas para sacudir a madeira dos palcos e ajudar o movimento espanta-cupim podem encantar o público, com um banho de carioquice, como a esperada homenagem a Martinho da Vila. E podem ser teatro em estado puro e alta voltagem, caso de Contracapa, texto original de Suzana Nascimento, direção de Priscila Vidca. A peça propõe uma discussão coerente com a necessidade humana geral de faxina: aborda as relações familiares, avaliadas através de escolhas feitas no passado, e de suas consequências. No elenco, José Karini, Roberto Frota, Rocio Durán (idealizadora do espetáculo) e Saulo Rodrigues.
A rigor, a empreitada de sacudir tudo, arejar, espanar e espantar cupins tem uma utilidade complementar importante: impede que os seus promotores, os protagonistas, imóveis, inativos, virem múmias, situação perigosa no Brasil, pois a chance de uma múmia ser condenada a banho de chuva é enorme. Dizem alguns que o teatro brasileiro não sofre este risco: mesmo infestado de cupins, ameaçando cair, ele persiste jovem e de bom humor. Pode cair e sobreviver. É atlético. Mas o ideal, de verdade, é que fosse uma realidade cultural fervilhante e que o fervilhar não fosse a ação destrutiva dos cupins.
“Contracapa”
Temporada: de 18/5 a 10/6 – sexta e sábado, às 20h; domingo, às 19h.
Local: Casa de Cultura Laura Alvim. Av. Vieira Souto 176. Tel.: 2232-2015
Quanto: R$ 40 (inteira) e R$ 20 (meia).
Lista amiga: contracapaapeca@gmail.com
Capacidade: 190 lugares. Duração: 70 min. Classificação etária: 14 anos.
Tagged: Bruce Gomlevisky, MÚmia egípcia, Museu da Quinta da Boa Vista, Priscila Vidca, saúde do Teatro Brasileiro
Ora, para quê afinal servem os atores?
Atores são descartáveis. São perecíveis. O teatro acontece, o prédio e a peça ficam, o resto vai embora. Às vezes, nem o prédio nem peça sobrevivem. Mas, de imediato, o resto morto sempre é o ator e o seu baú de truques e disfarces. Portanto, para quê servem os atores, este exagero vadio de humanidade? Para esquecer? Servem apenas para sumir nas voltas do tempo? Quem se interessa por essas pequenas partículas de sentimento e escassa razão?
Resumo com as minhas palavras delirantes a queixa de um aluno ator diante de uma velha crítica teatral, documento amarelado inscrito com rigor colegial num papel velho, fonte para o estudo de uma peça esquecida. O tempo arrastou todos para um porão mofado em ruínas – a peça, os atores, a intervenção crítica, por sinal muito malvada, cujo objetivo era este mesmo, apagar a obra.
Nas críticas, me dizia triste uma jovem amiga ainda outro dia, existe um formato congelado, velho. O ator fica dependurado lá no fim, em palavras rápidas, às vezes só citação, às vezes engolido na constatação lacônica de que o elenco estava bem, mal, péssimo.
E, no entanto, quem faz a força, a beleza e a magia do teatro brasileiro é o ator. Nas nossas críticas, não devíamos copiar o velho modelo francês, consagrado no século XIX, de origem acadêmica explícita. A fonte desta crítica-modelo era o résume, a apresentação condensada da intriga da peça. Ao redor deste coração, razão de ser do texto, orbitava a qualificação do autor, a fortuna de sua obra e do seu perfil. O espetáculo existia só para que as letras adquirissem vida.
A academia, olimpo das letras poderoso, paraíso desejado pelos jornalistas enredados nas miudezas da imprensa, devia ser vista como um padrão de qualidade normativo para os textos críticos. O jogo do mercado, o gosto do público, a capacidade artística específica de cada ator, nada disto podia contar para a análise da peça.
Ou melhor – contavam sim, contavam para que se apontasse como estes sensacionalismos esfumavam ou não a obra, quando ela possuía méritos acadêmicos de monta. Se a obra fosse um produto de ocasião, moldado para as correntes do mercado, para o perfil de um artista ou de um elenco, ou – a pior de todas as perfídias contra a arte – fosse um arranjo para cortejar o gosto do público, a saraivada do crítico era para derrubar o equívoco, o conjunto.
Não existe, assim, na tradição franco-lusitana que seguimos na crítica desde o século XIX, qualquer chance de valorização do trabalho do ator ou de destaque do jogo de cena. O que governa o olhar crítico neste filão acomodado é o fluxo ditado pelas letras, pelo texto. E se a cena rompe o texto, o defeito é da cena, ela está errada – a via é de mão única.
O mais notável na História do Teatro Brasileiro é a persistência deste modelo mesmo depois do advento do “teatro moderno”. Esta revolução teatral tão especial, consagradora da encenação como pedra de toque da arte do palco, obra do diretor capaz de moldar o trabalho de um elenco, não foi capaz de mover a chave de leitura crítica, do texto para a cena.
O paradoxo se torna ainda maior se atentarmos para um fato bastante prosaico: o teatro brasileiro tem ator, aliás foi iniciado, no século XIX, por um grande ator, João Caetano (1808-1863), mas não tem autor. O dramaturgo não existe no Brasil. Não é respeitado, não é reconhecido.
Bem, na verdade, é bem pior do que isto. A literatura dramática não existe no Brasil. Na escola, os brasileiros não estudam literatura dramática. Se os alunos chegam a saber da existência de José de Alencar ou Machado de Assis, por exemplo, eles não sabem que eles foram dramaturgos. Os professores de Português se formam sem ter aulas de Literatura Dramática. Aqui, Gil Vicente é um ilustre anônimo.
Portanto, é hilário pensar que a densidade do palco brasileiro é medida, nas críticas teatrais, através da aferição da voltagem literária da cena. O que isto significa? Significa ignorar a identidade da cena nacional, de saída. E significa também desconhecer a grande força produtiva, a extrema energia criativa que sustenta de pé o teatro do país – a força do ator.
Hoje, na cena brasileira, existe uma variedade impressionante de estilos, vertentes de trabalho, orientações profissionais, no que se refere à presença dos atores. Há uma força histórica original vibrante, minoritária, quase extinta, que ecoa em grandes atores como Ary Fontoura. Ou em Ana Lúcia Torres.
O texto é rápido, não permite grandes detalhamentos, ficará na observação geral. Sem considerar a grandeza histórica do ator nacional, é impossível pensar a força cênica deste ator no palco – temas como presença, percepção espaço-afetiva, expansão da aura são estratégicos e remontam à grande tradição.
Vale percorrer os tijolinhos de anúncio das peças e garimpar os valores expressivos correntes na cena brasileira hoje. Se os cartazes da temporada são considerados, o ponto de partida para pensar o ator pode ser estruturado ao redor de três vertentes independentes, além daquela acima, que se poderia definir como tradicional ou universal, por sua grande extensão estético-artística.Ela reune os atores absolutos, dedicados à abolição de si em cena, mas sintonizados com a imensidão histórica. Seria a vertente de Ary Fontoura, já citado, de monstros sagrados absolutos, como Antonio Fagundes.
As três vertentes que descrevo aqui são simples: o histrionismo imediato, a dimensão plástica e o ator sem corpo. É possível encontrar seres híbridos, cujos trabalhos mesclam as diferentes linhas. Mas sempre um tom define ou predomina em cada personalidade.
Há uma graduação técnica de uma para a outra vertente, mas tal não significa inferioridade ou superioridade, apenas diferença de procedimento. De certa forma, na primeira definição, o histrionismo imediato, devem ser situados atores de orientação racionalista, brechtianos, portanto, performers e “narratores”, contadores de histórias. São atores que se fazem conduzir pela palavra e por seus efeitos automáticos, ou por suas habilidades pessoais expressivas primárias: charme, bem dizer, empatia, simpatia.
Nesta primeira vertente estão situados também os atores mais jovens, menos experientes, e os profissionais que não conseguem, mesmo aclamados, sair de si, de sua forma pessoal, seu jeito de ser. São atores declamadores, ventríloquos, ainda que nem sempre senhores do texto apresentado. São sinceros e entregues, esforçados, mas contidos por sua incapacidade para vencer a sua própria forma pessoal, limite gerado por escolha, por vaidade ou por limitação de seu ímpeto interior. Isto não significa a apresentação de trabalhos ruins, mal teatro, mas um feitio específico de ocupar a cena. Em geral, os cômicos são filhos desta categoria.
Na segunda categoria, a dimensão plástica, concentram-se os atores de filiação moderna e pós-moderna, intérpretes dotados de aguda percepção do quadro da cena, senhores zelosos dos efeitos que podem acionar com o seu corpo. São atores de forte carisma, preocupados com a plasticidade física, atentos à sua integração ao conjunto da obra teatral.
Estes atores plásticos surpreendem graças à percepção aguda de sua aura: cuidam de sua dimensão, percebem o seu alcance e tecem um diálogo vigoroso entre o espaço, o conjunto da obra e o próprio corpo. Eles expandem a aura. Há pouco, um exemplo notável desta linha esteve em cena no CCBB, com a Cia dos Atores e o intrigante Insetos, trabalho em que a dimensão da construção física chegava a alcançar um impacto perturbador.
Finalmente, sobre a terceira vertente, a do ator sem corpo, se poderia observar que se trata de uma visão artaudiana e, portanto, de resto, inexistente. Não é verdade: ela está aí, mesmo que surja com frequência em fiapos, ocasião em que só pode ser denominada ator sem corpo por uma opção paradoxal. Pois o ator sem corpo é justamente aquele que consegue tornar o seu corpo metafísico, imaterial, apagado a favor da arte. É um corpo pungente e sublime, doado para transportar a plateia para um outro lugar que não o aqui-agora.
Não, não há malabarismo, acrobacia, contorcionismo – o ator constrói um fluxo de emoções em si, não apenas nas palavras e nos gestos, mas na totalidade da sua pessoa. Magnetiza, contamina a cena, um pouco como Rubens Corrêa conseguia fazer, José Wilker quando liberto de certos maneirismos. Ary Fontoura parte da grande tradição para chegar neste lugar em que o corpo é só instrumento, abolição de si. A palavra é um gatilho, usada para desencadear uma construção imaginária envolvente, induzir um estado de suspensão.
Muito do trabalho das jovens companhias – como o Armazém, com Patricia Selonk e Elisa Eiras – transita por esta busca. Diversas montagens da Cia dos Atores propuseram este lugar. Caio Blat, na montagem de Grandes Sertões – Veredas, direção de Bia Lessa, se afirmou com potencia absoluta no lugar do ator sem corpo, subsunção requintada do fluxo interior da literatura no espaço.
Um espetáculo em cartaz, singelo no seu despojamento, virulento na sua espiral de arte, exemplifica com rigor o debate – A vida ao lado, de Cristina Fagundes. Vale conferir – e rir muito. A montagem exige mais do que este comentário apressado, mas precisa ser citada por tudo o que representa em função do assunto da coluna. É para conferir como o corpo dos atores se torna trama, espaço, afeto e tempo.
A julgar por depoimentos, críticas, reportagens, Itália Fausta (1878?-1951) foi precisamente uma atriz sem corpo. Nunca vi um trabalho seu; até onde pesquisei, ela nunca foi filmada, e ela morreu antes do meu nascimento.
Alguns contemporâneos gostavam de falar do seu potente vozeirão, que estremecia as paredes dos velhos teatros ou se projetava ao redor do Campo de Santana no teatro ao ar livre. Nas fotos, mesmo quando ela está num conjunto, sua pose solene sempre catalisa a atenção, atrai o olhar; a dimensão dos gestos insinua conter em si a percepção do tamanho do palco.
E, no entanto, é difícil encontrar, mesmo na classe teatral, quem saiba quem foi Itália Fausta, a grande trágica brasileira, a dama absoluta da cena que sacudiu a República Velha. A conclusão é cristalina, como os brilhantes valiosos doados às grandes atrizes, no tempo em que elas eram rainhas fugazes: o ator é opaco para a posteridade, ele só é revelado ao mundo por terceiros, pelos seus contemporâneos.
Falar em brilhantes é falar em prêmios e hoje, no nosso jogo teatral, buscamos compensar a falta de projeção dos atores no tempo com as premiações. Vem aí nesta quarta a entrega dos Prêmios APTR de teatro 2017, no Teatro NET Rio, e o centro da festa será, como sempre, a celebração dos atores, estes mesmos que, embora laureados, vão morrer para a História. Assim como são transparentes nos textos críticos, pois devem deixar ver outra coisa que não eles próprios ou o seu trabalho.
Ao passar ao largo do trabalho do ator, ao não lançar um foco mais intenso sobre o seu trabalho, a crítica teatral presta um grande desserviço ao país – deixa de reconhecer os méritos, para o bem e para o mal, dos artistas responsáveis pela existência do teatro aqui. A maioria dos projetos encenados nos palcos do país é obra de atores.
Portanto, perguntar sobre a utilidade dos atores, perguntar para quê servem estes seres tão dependentes do outro, é perguntar francamente sobre a nossa ignorância. Está na tela algo simples, mas muito doloroso, o nosso fracasso para reconhecer os seres raros que trabalham para a nossa maior grandeza, a percepção do outro. quem não reconhece o outro, é indigente histórico: somos carentes de civilização.
A VIDA AO LADO – (COMÉDIA)
Duração: 1h30min
Temporada: 03 a 26 de maio de 2018
Local: Teatro Municipal Serrador
Endereço: Rua Senador Dantas – 13 / Centro
Telefone: (21) 2220-5033
Dias: Quintas / Sextas e Sábados, às 19h30min
Ingressos: R$40 (inteira) / R$ 20,00 (meia entrada)
Classificação: 14 anos.
Indicados ao Prêmio APTR -2017
ESPETÁCULO
ADEUS, PALHAÇOS MORTOS
HAMLET
LOVE, LOVE, LOVE
SUASSUNA – O AUTO DO REINO DO SOL
TOM NA FAZENDA
ATOR EM PAPEL PROTAGONISTA
ADRÉN ALVES – Suassuna – O Auto do Reino do Sol
ARMANDO BABAIOFF – Tom na Fazenda
ARY FONTOURA – Num Lago Dourado
GUSTAVO VAZ – Tom na Fazenda
RICARDO KOSOVSKI – Tripas
ATRIZ EM PAPEL PROTAGONISTA
ALINE DELUNA – Josephine Baker, A Vênus Negra
DÉBORA FALABELLA – Love, Love, Love
GUIDA VIANNA – Agosto
MONICA MARTELLI – Minha Vida em Marte
PATRÍCIA SELONK – Hamlet
YARA DE NOVAES – Love, Love, Love
ATOR EM PAPEL COADJUVANTE
CLAUDIO MENDES – Agosto
FÁBIO ENRIQUEZ – Suassuna – O Auto do Reino do Sol
MÁRIO BORGES – Doce Pássaro da Juventude
RENATO LUCIANO – Suassuna – O Auto do Reino do Sol
RODRIGO POCIDÔNIO – Adeus, Palhaços Mortos
ATRIZ EM PAPEL COADJUVANTE
CLAUDIA VENTURA – Agosto
HELOÍSA JORGE – O Jornal
KELZY ECARD – Tom na Fazenda
LETÍCIA ISNARD – Agosto
LISA EIRAS – Hamlet
AUTOR
BRÁULIO TAVARES – Suassuna – O Auto do Reino do Sol
GUSTAVO GASPARANI – Zeca Pagodinho – Uma História de Amor ao Samba
LUÍS ALBERTO DE ABREU – Pagliacci
MONICA MARTELLI – Minha Vida em Marte
PEDRO KOSOVSKI – Tripas
DIREÇÃO
ERIC LENATE – Love, Love, Love
JOSÉ ROBERTO JARDIM – Adeus, Palhaços Mortos
LUIZ CARLOS VASCONCELOS – Suassuna – O Auto do Reino do Sol
PAULO DE MORAES – Hamlet
RODRIGO PORTELLA – Tom na Fazenda
CENOGRAFIA
AURORA DOS CAMPOS – Tom na Fazenda
BIJARI – Adeus, Palhaços Mortos
CARLA BERRI E PAULO DE MORAES – Hamlet
MARCOS ANDRÉ NUNES E MARCELO MARQUES – Guanabara Canibal
SÉRGIO MARIMBA – Monólogo Público
FIGURINO
ANTÔNIO GUEDES – Ubu Rei
JOÃO MARCELINO E CAROL LOBATO – Hamlet
KIKA LOPES E HELOISA STOCKLER – Suassuna – O Auto do Reino do Sol
MARCELO OLINTO – Zeca Pagodinho – Uma História de Amor ao Samba
ILUMINAÇÃO
ADRIANA ORTIZ – Monólogo Público
MANECO QUINDERÉ – Hamlet
PAULO CÉSAR MEDEIROS – O Jornal
RENATO MACHADO – Guanabara Canibal
TOMÁS RIBAS – Tom na Fazenda
MÚSICA
ALFREDO DEL PENHO, BETO LEMOS E CHICO CÉSAR – Suassuna – O Auto do Reino do Sol
FELIPE STORINO – Guanabara Canibal
JOÃO CALLADO – Zeca Pagodinho – Uma História de Amor ao Samba
MARCELO ALONSO NEVES – Dançando no Escuro
CATEGORIA ESPECIAL
ANIELA JORDAN – pela gestão e programação do Centro Cultural João Nogueira – Imperator
IVAN SUGAHARA – pela curadoria da Sede das Cias
RENATO VIEIRA – direção de movimento e coreografias de “Zeca Pagodinho – Uma História de Amor ao Samba”
SERGIO SABOYA – pelo Festival Cena Brasil Internacional
VERÍSSIMO JÚNIOR – pelo trabalho no Teatro da Laje
PRODUÇÃO
AGOSTO
SUASSUNA – O AUTO DO REINO DO SOL
TOM NA FAZENDA
UBU REI
UM BONDE CHAMADO DESEJO
VAMP, O MUSICAL
HOMENAGEM
Amir Haddad
Comissão julgadora do Prêmio APTR:
Bia Radunsky, Daniel Schenker, Lionel Fischer, Luiz Felipe Reis, Macksen Luiz, Maria Siman, Rafael Teixeira, Rodrigo Fonseca, Tania Brandão e Wagner Correa de Araújo.
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A dúvida e o musical
Duvido, logo existo – eis um lema preciso para definir o homem do nosso tempo. Ele se instalou graças a dois vetores, o acesso universal à instrução e a longa tradição histórica de traição humana, a antiga prática do homem-lobo-do-homem, quer dizer, aquele velho conselho da mamãe: desconfie sempre, não confie em ninguém.
A capacidade de pensar e a habilidade para desconfiar resultaram na dúvida ambulante que somos. A expansão da habilidade fez surgir uma iconoclastia feroz, avessa às grandes ilusões e aos mitos dourados: a mania de parodiar e rir dos tradicionais contos infantis. O gosto demolidor é o eixo ao redor do qual se move A vida não é um musical – o musical, de Leandro Muniz, cartaz em fim de temporada no Teatro de Arena do Sesc Copacabana. Vale correr para ver, é muito divertido.
O amigo fiel do pobre herege
Todo mundo sabe que o teatro tem um notável arqui-inimigo.Um monstro horrendo, hediondo. Quer dizer, as caravanas passam e o teatro tem sempre alguém odioso, aquele ser que consegue levar o povo atrás da caravana, para bem longe caixa do teatro. É o inimigo exemplar. Na verdade, o inimigo da vez. Ele é mutante.
Sim, o inimigo muda de figurino, de cargo, de natureza, de vontade e de alma. Às vezes é a chuva, ou o calor, ou a violência, ou o preço, ou o prefeito, ou as eleições, ou o carnaval, ou as festas religiosas – sempre há um inimigo forte para detonar o teatro. Ou para levar a culpa pelo desastre.Um teatro que acontece num mercado fraco precisa ser vítima de alguém o tempo todo para camuflar, de si e dos outros, a sua fraqueza.
Mas, contudo, em especial aqui no Brasil, o teatro tem um amigo dileto, de coração e alma, uma espécie de irmão por afinidade. Aquele alguém que cuida, colabora, se preocupa e até financia. O amigo ama o teatro, pensa que o palco é necessário, uma forma de oxigênio social estratégico para a saúde da vida em comum. Por causa deste amor, ele vela pela arte desde o século XIX. Ou até mesmo, numa certa liberdade histórica, desde o século XVIII. Sabe dizer quem é?
Não precisa fazer muito esforço. O grande amigo social do teatro, no Brasil, é o comércio. Há uma história rica por ser escrita envolvendo as duas atividades. Se o comércio esteve perto de alguns dos primeiros atores semiprofissionais do século XVIII, ele foi a origem de Martins Pena, Artur Azevedo, Jayme Costa… para ficar em alguns grandes nomes.
Talvez a necessidade vital de sociabilidade que rege a prática do comércio explique a sua aproximação e a sua identidade com o teatro. A exigência da relação intensa e imediata com o outro solicita um apuro da humanidade, do estar em conexão, para que a ação comercial aconteça e seja bem sucedida. O teatro seria quase uma escola de aperfeiçoamento para o comércio.
Esta relação profunda, autêntica sintonia de alma, explica alguns fatos importantes da rotina teatral brasileira. E o fato mais importante a considerar é o decidido apoio do SESC ao teatro no Brasil. Na verdade, o SESC é a única instituição nacional que apresenta esta visão a favor da arte e que, consequentemente, dialoga em profundidade com o palco. São várias iniciativas, desde a manutenção de uma rede de casas de espetáculos, até a formação de plateia, a formação e o aprimoramento de artistas, passando pelo apoio à produção e por projetos voltados para a política de estruturação da arte.
Nesta conjuntura, não é de espantar o sucesso e a força de um projeto de alcance revolucionário para o teatro nacional – o Palco Giratório. Trata-se de um projeto político, devotado em profundidade à estruturação da arte, mas em larga extensão também formador de artistas e de plateia.
O Palco Giratório promove a circulação de peças, em especial as montagens de grupos densos em seu artesanato da arte, pelo vasto território do país. Este movimento trabalha a favor de um desenho futuro, a possibilidade a longo prazo de constituição de um mercado nacional da arte, articulado em circuitos, algo adiante da velha estrutura mambembe, do litoral e do sertão, em atividade desde, no mínimo, os tempos de Artur Azevedo.
É verdade que não se constrói o mercado a partir de ações executivas ou de atos de vontade. O mercado é uma dinâmica econômica histórica, resultado da ação das forças produtivas. Para o mercado de arte, a instrução e a difusão da cultura são fatores primordiais.Sem escola e sem estímulos ao consumo cultural, não há chance do mercado se estruturar.
Com certeza é necessário ter poder econômico, pois, sem renda, não existe público. Mas, a rigor, se a demanda simbólica existir, é possível ajustar o preço do produto – a plateia estudantil e intelectual é, em todo o mundo, uma plateia pobre, precisa de ingressos baratos. As plateias operárias e de baixa renda podem constituir parte expressiva do mercado. De toda a forma, o centro do mercado é formado pelos ricos – se eles não forem ignorantes. Com frequência, alguns segmentos da classe teatral desancam com a burguesia, xingam o público do sábado – esquecem que são eles os que pagam os seus salários.
A situação é bastante irônica. Não é elegante falar mal do patrão: foi a expansão burguesa que emancipou os artistas e jogou a arte, livre, no mercado. O comércio e o SESC, portanto, são fatos importantes do mercado. De certa forma, são pais da produção teatral por aqui. Assim, falar mal da classe média, da burguesia e dos endinheirados pode ser algo bem próximo de pirraça de filho malcriado.
Muito da fragilidade do mercado brasileiro nasce desta tensão, com freqüência desviada para a agressão, cujo resultado mais forte e lamentável é o desinteresse do público. Um problema comum, uma atitude curiosa encontrada em quem faz teatro, é a postura messiânica: o artista acha que tem a luz, sabe o caminho, é iluminado, vai salvar o mundo e as pessoas. A arrogância cega o artista e faz com que ele se torne autoritário. O teatro se transforma num pregador herege prepotente, pobre de maré de si.
No esforço salvacionista, contudo, o artista só vai salvar algumas pessoas, as que têm dinheiro e já perceberam a grandeza divina do guru. Os outros, sem dinheiro e/ou insensíveis ao salvador, vão para o inferno, a vida corrente da sociedade de consumo. Na verdade, vão curtir outras formas de arte, pois na sociedade contemporânea ninguém vive sem arte e as formas doutrinárias encontram um espaço reduzido, pois as igrejas e seitas cumprem melhor este papel de salvar almas.
Na equação proposta pelo SESC e pelo Palco Giratório esta tensão se dilui. O amor ao teatro é tamanho que ele se tornou, neste campo, algo orgânico. Não sei se o SESC sabe claramente o perfil do seu público, mas, em todo o material que divulga, aparece clara a intenção de formação, estratégia prioritária hoje para a crise do teatro do país. A preocupação com a multiplicidade de linguagens também é forte, muito embora a tradição tenha menos força do que a inovação.
O resultado? Importa acompanhar de perto, avaliar, saber o que acontece no Palco Giratório. Dimensionar as atividades, situar as peças e as propostas de arte. O mapa de atividades precisa ser divulgado, examinado, debatido. Pois, além de trazer a marca de um amigo histórico, ele tem a força decisiva das ações que contam para o bem da sociedade em geral.
Ainda no interior destas ações, a semana teatral vem abençoada por uma iniciativa áurea muito festiva – a reinauguração do Teatro Adolpho Bloch, uma casa de qualidade notável, um palco que estava fazendo falta. A reinauguração não poderia ser mais significativa para a história do Rio, pois o espetáculo de abertura é o interessantíssimo O Musical da Bossa Nova, direção de Sergio Módena, que volta ao cartaz reformulado.
O musical celebra uma parte nobre da arte carioca, a Bossa Nova, assim como o teatro, fechado há dezoito anos, projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer, celebra a grandeza do Rio. Depois de várias tentativas para promover a reabertura da casa, o sucesso foi conquistado graças à iniciativa da Aventura Empreendimentos, em parceria com a BR Properties, atual proprietária do imóvel em que foi erguido o teatro tombado.
Portanto, alvíssaras: para todos os que andam sofridos com a situação do Rio e com a instabilidade que envolve o país, dá para dissipar a atmosfera sufocante com uma ida ao teatro. A montagem oferece um mergulho numa época em que o Rio era puro charme, criatividade, elegância e arte de bem viver. E o Brasil era uma promessa para o futuro, com um potencial arrebatador, associado a uma terra capaz de fazer o mundo cantar e dançar. Sobra emoção e conforto sentimental! Além do mais, o teatro está lindo, confortável, radiante.
Quer dizer, podem ser várias idas ao teatro. A primeira tem a importância de conhecer ou rever o Teatro Adolpho Bloch, a oportunidade de contar com 90 minutos da melhor música brasileira, apresentada por atores cantores brilhantes, senhores da cena, envoltos numa visão inteligente da história recente da cidade e da música. Ao redor, espalhado pela cidade em múltiplas atividades, o Palco Giratório do SESC traz o Brasil teatral, uma iniciativa para tentar estimular a transformação do teatro em paixão nacional. Quem sabe, um dia, se torne realidade, o desejo eloquente do amigo?
O Musical da Bossa Nova
Direção de Sérgio Módena,
Pesquisa: Rodrigo Faour
Elenco: Claudio Lins, Marcelo Varzea, Nicola Lama, Jullie, Stephanie Serrat, Andrea Marquee, Ariane Souza, Ariane Souza, Eduarda Fadini, Juliana Marins e Tadeu Freitas
Duração 90 minutos
Estreia para o público: 04/05/2018, com sessões às sextas, sábados e domingos.
Teatro Adolpho Bloch
Rua do Russel, 804 – Glória, Rio de Janeiro – RJ, 22210-010
+55 21 2558-3862
SERVIÇO: PROGRAMAÇÃO – Festival Palco Giratório (programação completa no arquivo anexo)
Atrações gratuitas (25 espetáculos, com dança, circo, teatro e música, sete oficinas teatrais e ações de intercâmbio com companhias do Rio de Janeiro e de outros estados)
Data: 2 a 30 de maio
Local: Espaço Cultural Escola Sesc
Endereço: Avenida Ayrton Senna, 5677 – Jacarepaguá
Informações: (21) 3214-7404 / espacocultural.escolasesc.com.br
Estacionamento gratuito sujeito à lotação