Madureira sorriu de alegria: na Glória, festa da APTR
“Quem não conheceu o subúrbio do Rio, passou pela vida e não viveu. Não, não falo do subúrbio de agora, mera trama periférica sofrida, poluída, abandonada por todos os governantes, um desafio para quem se aventurar por lá, ainda que recompensado com belezas raras, grandezas humanas surpreendentes, o autêntico tesouro suburbano. Falo de um subúrbio-subúrbio mesmo, bucólico, arredio, tingido de clima rural, com ruas de barro aqui e ali, tufos de capim, terrenos baldios, carroças de burro, cerâmicas vermelhas ou caquinho, varandas e jardins, santinhos nas fachadas, um lugar ainda alheio ao reinado do cimento e do asfalto.
O trânsito era gentil e resfolegante, os ladrões escassos, valia ir a pé a vários lugares, as compras sentiam a limitação do pequeno comércio, os mascates faziam festa com os carnês de prestações. Havia um tempo longo ao redor de tudo, a televisão da vizinha era a janela ou a gelosia para vigiar a vida alheia, em especial dos jovens, o rádio ainda era o grande soberano e as pipas, as bolas de gude e as correrias na rua disputavam as folgas escolares.
Sim, o lugar nevrálgico da cidade era o Centro. Ou a Cidade – com letra maiúscula. O resto era uma espécie de descampado ou deserdado urbano, ainda que romântico. Lá no Centro se resolvia tudo, do bom e do melhor, tanto fosse o documento oficial, a repartição importante, quanto o médico generalista ou o especialista, ou o comércio de verdade. Ir ao Centro era um evento de gala, com boas roupas e alguma pose.
A viagem longa dava motivo para um lanche numa leiteria, garçons engomados servindo café com leite, chá, chocolate. Para sublinhar o encanto da tarde, memoráveis sanduíches de pão francês estalando com queijo minas ou amarelo ou presunto… Mingau, não, nunca, nem coalhada – eram coisa de mãe, para comer em casa.
Não existia fast-food nem lanchonete. Mas o primeiro cachorro-quente também apareceu por lá, novidade das Lojas Americanas, versão popular da Mesbla. Aliás, a primeira escada rolante escandalizou a vida na Sears, monumental edifício na Praia de Botafogo, grandeza que ombreava a requintada Sloper, no Centro. Até os verbos de trânsito tinham imponência – descia-se para ir ao Centro, voltar para casa era subir, uma coreografia associada à proximidade do mar.
O mar, aliás, se impunha com autoridade bem mais nítida. Havia muito mais praia e mar por toda a cidade. Dava para banhar-se e ter prazer passeando em todos os meandros da Baía de Guanabara. A praia não era sinônimo de Zona Sul: os cariocas iam à praia, fossem suburbanos ou sulistas. Exemplos? Ah, prepare-se para ouvir.
O balneário suburbano de eleição para as férias era Sepetiba. Ia-se de carro, com todas as tralhas amadas pelos farofeiros, mas o grande barato mesmo era ir de trem, até Santa Cruz, e de lá pegar um lotação ou ônibus. Sepetiba era adorada pelos velhos, tinha fama de praia medicinal por causa da – argh – lama. E era um programa de longo curso, para alugar casa ou sítio e ficar por lá, longe da escola, com os adultos podendo ir e vir para a cidade.
No redemoinho da cidade mesmo, havia um paraíso chamado Ilha do Governador, secundado por outro um pouco mais longe, a Ilha de Paquetá. Acredite: eram balneáveis e agradabilíssimas. Na Ilha, a praia mais queridinha era a do Galeão, fato inacreditável para quem a vê hoje, quase um valão lixento.
E nem vou estender a lista para enumerar todas as praias do fundo da baia, hoje lugares para lá de deprimidos, sufocados de pobreza, miséria, baixa política, banditismo, poluição… Não, caro leitor, não peguei a praia de Santa Luzia, nem a do Caju – não sou tão velha assim – mas veja que houve uma história do mar que se perdeu. Perdemos praias. Confesso que ouvi falar alguma coisa a respeito de muitas delas, ainda que nada muito abonador, pois foram suprimidas quando já estavam decadentes. Somos tão selvagens que extinguimos praias, garroteando-as antes do golpe final.
Mas, prossigamos – para coroar o prazer praieiro, havia um grande areal selvagem verdadeiramente deslumbrante, alcançado por um caminho sinuoso de dar dó, a ensolarada Barra da Tijuca. Era fundamental ir de automóvel e com todo o farnel da farofa – nos primeiros tempos, não tinha nada por lá mesmo e, crianças, brincávamos que apareceriam índios. Um dia pelo caminho surgiu o histórico Rancho das Fantas, com um inacreditável pastel de siri, companhia perfeita para um guaraná gelado.
Não era só isto – com certeza encantava a todos mergulhar nas praias da Zona Sul. Naqueles tempos, as areias eleitas eram Copacabana, em especial o posto 6, e a sempre amada Urca, com a Praia Vermelha e a Praia da Urca. Sim, sempre houve o Flamengo, mas nunca estive nas águas de lá. E desconfio que Botafogo já vivia deserdado, talvez por causa do óleo dos barcos e iates. Ipanema e Leblon eram passeios muito raros, mais para a lenda urbana do que roteiro de vida: quem estava na zona sul não aceitava ir até o meio do nada, no mato, e deixar para trás o feitiço das praias urbanas civilizadas, em particular as pérolas de Copacabana.
O subúrbio, contudo, tinha vida própria pulsante, não funcionava como dormitório urbano ou roça fora do tempo. Alguns bairros se notabilizavam como pontos de efervescência citadina: Madureira e Méier em particular, já que a Tijuca se achava importante demais, acreditava ser um ponto errante da zona sul perdido no espaço florestal.
Apesar do poder mágico do Méier, confesso o meu fascínio por Madureira: o bairro conseguia unir uma variedade estonteante de referências humanas. Tinha um forte comércio, muito variado, cinemas, um mercadão para qualquer criança se perder, time de futebol, teatro, escola normal, maternidade…
E Madureira tinha muita macumba, candomblé, ciganos, protestantes, católicos, judeus, uma babel de almas borbulhantes em harmonia. Dizem que o acaso do destino fez com que o bairro nascesse num cruzamento de caminhos – ali, onde todos os caminhantes se esbarravam para descansar, só podia nascer um ponto de encontro forte.
Tão forte que não falta comemoração: este mês o bairro completou 406 anos e uma festança de levantar poeira se espalhou por vários dos seus recantos. Madureira tem brio e reage forte contra o astral de suburbanicídio que impera no Rio. Afinal, a Zona Norte é o celeiro mágico da sensibilidade carioca: enquanto a Zona Sul faz pose e boceja, a Zona Norte cria e se mexe.
Assim, vale destacar a alentada programação especial, com teatro, dança, música, artes visuais, literatura, esporte, cursos e oficinas, concebida pelo Sesc Madureira, que prosseguirá até o dia 31. Na realidade, como Madureira é sinônimo de festa, algumas atividades ficarão em cartaz até o fim do ano, pois o madureirense de fibra não comemora pouco.
Por falar em festa, vale destacar que o mês está bem no calendário, o ânimo comemorativo não vive só em Madureira. Não vai faltar festa para fechar o mês – amanhã, terça, será a noite de premiação da APTR, com a aclamação dos melhores do teatro em 2018. Basta examinar a lista e torcer.
Mais do que isto, na verdade. Vale lutar para que a festa, no recém inaugurado Teatro Prudential, uma casa de fina extração para sensibilidades requintadas, marque uma virada a favor do teatro. Quem sabe se, assim, a velha arte, tão maltratada, escape da síndrome recente, esta atmosfera sombria propícia a torná-la uma gata borralheira.
Pois, aqui entre nós, como diria uma velha fofoqueira suburbana, vamos combinar: o teatro anda mal. Anda combalido, sorumbático, caidaço mesmo, como se fosse uma espécie atual de ente suburbano, um deserdado do mundo das artes, ainda que, por ironia, a sua existência persista, hoje, confinada à Zona Sul… Brindemos, então, à sua saúde, na esperança de que o clima do teatro chique respingue grandeza na alma desanimada.Ou, então, que o teatro olhe para a garra de Madureira: pare de reclamar, levante, sacuda a poeira e dê a volta por cima.
SERVIÇO
Aniversário de Madureira – Rio de Madureira
Organização: Sesc Madureira
Programação: de 11 a 31 de maio/2019, lista completa no site http://www.sescrio.org.br.
Artes Cênicas: 31 de maio, às 19h, “O mar serenou: um conto de Clara”.
Poesia: 31 de maio, às 18h, segunda edição do Sarau “Coletivo Poesia de Esquina”, com repertório especialmente dedicado ao aniversário do bairro de Madureira.
Quintas-feiras até dezembro, das 17h às 19h: curso de circo, para maiores de 13 anos.
Sábados, até 14 de dezembro, das 14:30h às 16:30h, aulas de dança Charme.
28 de maio, das 14h às 18h, Feira de economia criativa, com empreendedores manuais de diversos segmentos, exposição e venda de produtos do universo “retrô”.
Foto Marcelo Reis – Madureira: O mar serenou
O mar serenou: um conto de Clara
Ficha Técnica:
Texto – Cazé Neto
Direção – Cazé Neto e Milton Filho
Direção de Movimento – Raphael Rodrigues
Direção e Supervisão Musical – Marcio Eduardo Mello
Elenco – Renata Tavares, Fernanda Sabot, Fernanda Misailidis, Dilene Prado, Zéza, Tyago Caetano, Robson Soares e Pablo Dutra
Músicos – Luizinho Croset – Di Lutgardes – China Show – Wallace
Cenário (Concepção) – Welington Leite
Iluminação – Jorge Raibott
Desenho e Operação de Som – André Cavalcanti
Figurino – Teresa Abreu
Aderecista – Bruna Santos
Costureira – Márcia Jackson
Fotografia – Luiz Paulo Silva
Produção Executiva – Mônica Lucas
13° Prêmio APTR
Homenagem: atriz Marieta Severo,
terça, 28 de maio, às 20h (abertura)
Teatro Prudential (antigo teatro Manchete)
Apresentadores: Drica Moraes e Marco Nanini.
Indicados:
MÚSICA
EGBERTO GISMONTI (MÚSICA) E DANY ROLAND (TRILHA SONORA): Grande Sertão: Veredas
FELIPE STORINO E FÁBIO STORINO: A Última Aventura é a Morte
FABIANO KRIEGER E GUSTAVO SALGADO (DIREÇÃO MUSICAL) E FABIANO KRIEGER E LEANDRO MUNIZ (MÚSICAS ORIGINAIS): A Vida não é um Musical – O Musical
PEDRO LUÍS, LARISSA LUZ E ANTÔNIA ADNET: Elza
THEREZA TINOCO (MÚSICA ORIGINAL) e TONY LUCCHESI (ARRANJOS e DIREÇÃO MUSICAL): Bibi, Uma Vida em Musical
ILUMINAÇÃO
BINHO SCHAEFER E BIA LESSA: Grande Sertão: Veredas
FELICIO MAFRA: Memórias do Esquecimento
MARCELO LAZZARATTO: Ilhada em Mim – Sylvia Plath
MONIQUE GARDENBERG E ADRIANA ORTIZ: Romeu e Julieta
RENATO MACHADO: Elza
FIGURINO
CLAUDIO TOVAR: O Homem de la Mancha
JOÃO PIMENTA: Dogville
JOÃO PIMENTA: Romeu e Julieta
MARIA DUARTE e MÁRCIA PITANGA: Um Tartufo
NEY MADEIRA E DANI VIDAL: Bibi, Uma Vida em Musical
CENOGRAFIA
BELI ARAÚJO E CESAR AUGUSTO: Insetos
CAMILA TOLEDO COM COLABORAÇÃO DE PAULO MENDES DA ROCHA: Grande Sertão: Veredas
DANIELA THOMAS: Romeu e Julieta
DÓRIS ROLEMBERG: A Última Aventura é a Morte
MATHIEU DUVIGNAUD: A Invenção do Nordeste
ATOR EM PAPEL COADJUVANTE
CLAUDIO GALVAN: Romeu e Julieta
MATEUS CARDOSO: A Invenção do Nordeste
NILTON BICUDO: Molière, Uma Comédia Musical de Sabina Berman
ROBSON MEDEIROS: A Invenção do Nordeste
VITOR THIRÉ: Vou Deixar de Ser Feliz por Medo de Ficar Triste?
ATRIZ EM PAPEL COADJUVANTE
ELENCO COADJUVANTE: (KÉSIA ESTÁCIO, JANAMÔ, KHRYSTAL, LAÍS LACORTE, VERÔNICA BONFIM, JÚLIA TIZUMBA) Elza
GEORGETTE FADEL: Molière, Uma Comédia Musical de Sabina Berman
LUISA ARRAES: Grande Sertão: Veredas
STELLA MARIA RODRIGUES: Romeu e Julieta
STELLA MIRANDA: Frenético Dancin Days
DIREÇÃO
BIA LESSA: Grande Sertão: Veredas
BRUCE GOMLEVSKY: Um Tartufo
DUDA MAIA: Elza
GUILHERME LEME GARCIA: Romeu e Julieta
QUITÉRIA KELLY: A Invenção do Nordeste
TADEU AGUIAR: Bibi, Uma Vida em Musical
AUTOR
LEANDRO MUNIZ : A Vida Não é um Musical – O Musical
LEONARDO NETTO: A Ordem Natural das Coisas
MARIANA LIMA: Cérebrocoração
PABLO CAPISTRANO E HENRIQUE FONTES: A Invenção do Nordeste
PEDRO BRÍCIO: O Condomínio
ATOR EM PAPEL PROTAGONISTA
BRUCE GOMLEVSKY: Memórias do Esquecimento
CAIO BLAT: Grande Sertão: Veredas
DANIEL DANTAS: O Inoportuno
JOÃO VELHO: A Ordem Natural das Coisas
MATHEUS NACHTERGAELE: Molière, Uma Comédia Musical de Sabina Berman
ATRIZ EM PAPEL PROTAGONISTA
AMANDA ACOSTA: Bibi, Uma Vida em Musical
AMANDA LYRA: Quarto 19
GISELE FRÓES: O Imortal
LARISSA LUZ: Elza
MARIANA LIMA: Cérebrocoração
ESPECIAL
CIA DOS COMUNS pelos 18 anos de trabalho continuado, estimulando e valorizando o teatro negro brasileiro.
FIL- FESTIVAL INTERNACIONAL INTERCÂMBIO DE LINGUAGENS pela sua excelência e realização continuada ao longo de 16 anos
NICETTE BRUNO por sua participação em Pippim e trajetória artística no teatro.
REABERTURA DO TEATRO ADOLPHO BLOCH
ULYSSES RABELO pelo Visagismo de Bibi, uma vida em musical e seus 30 anos de carreira.
ESPETÁCULO
BIBI, UMA VIDA EM MUSICAL
ELZA
GRANDE SERTÃO: VEREDAS
A INVENÇÃO DO NORDESTE
A ÚLTIMA AVENTURA É A MORTE
PRODUÇÃO
AVENTURA ENTRETENIMENTO – Romeu e Julieta
NEGRI E TINOCO PRODUÇÕES ARTÍSTICAS – Bibi – Uma Vida em Musical
BRAIN + E QUARTA DIMENSÃO – 70? Doc. Musical Década do Divino Maravilhoso
2+3 PRODUÇÕES ARTÍSTICAS LTDA – Grande Sertão: Veredas
SARAU AGÊNCIA DE CULTURA BRASILEIRA – Elza
TEMA EVENTOS CULTURAIS – Elizeth, a Divina
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A Glória do Teatro, da Marquesa e da Baronesa
“No rádio do carro, Gil proclama: o Rio de Janeiro continua lindo. Eu desvio de um, dois, três buracos e cantarolo junto. Que beleza, cidade maravilhosa! Logo chego num belo engarrafamento e posso olhar ao redor. Uma grande notícia salta dos morros para me encantar – vejo encostas reflorestadas, libertas do capim colonião. Ninguém notou, ninguém falou nada, mas tivemos um verão sem os terríveis incêndios espontâneos nos morros.
Em compensação… muitas encostas desceram sobre a cidade com as chuvas. O que liga as duas pontas da paisagem? A qualidade da adesão cidadã. Muita gente aderiu e apoiou as campanhas de reflorestamento das célebres montanhas cariocas. O resultado verdejante está à disposição dos olhares. No entanto, vale observar que sim, não temos mais, faz tempo, a liberdade de enveredar pelos morros e trilhas para conferir a obra, mas ao menos ficamos livres dos fogaréus. Contamos com o simples encanto de ter paisagem para contemplar.
O Rio e a síndrome Antonio Maria
“Hoje, olhos atentos nos textos do jornal, uma surpresa e uma imensa sensação de cansaço: desabou na minha cabeça aquela síndrome Antonio Maria típica do Rio de Janeiro atual. A cidade, ainda que bela e sestrosa, não faz outra coisa a não ser cantar “ninguém me ama, ninguém me quer, ninguém me chama de meu amor…” Eu só conseguia pensar – quando foi que nós resolvemos desamar o Rio, largar a cidade de lado, estraçalhada por vendilhões do tempo, sujeitos avessos à beleza desta capital do amor, sujeitos ignorantes da história da muy leal e gloriosa aldeia de São Sebastião?
O fato estarrecedor foi simples. Pois lá no caderno de leilões do jornal O Globo estava o anúncio cheio de letras – o Terezão vai passar no martelo no dia 21. Fiquei congelada, como se não pudesse acreditar no anúncio, seco, direto, objetivo. Lembrei do fechamento do Teatro de Arena, no mesmo prédio, uma casa de história notável para a cidade, até mesmo para a MPB, suprimida de forma sumária da vida carioca.
O que mantém o Antunes vivo
“Antunes Filho morreu. Talvez se possa erigir uma placa em sua homenagem, com as datas 1929-2019. No entanto, a atitude será mera formalidade oca. Pois a figura de Antunes Filho persistirá, eco flamejante em cena, enquanto por aqui houver teatro. Ou será uma coluna românica seca, de pura pedra talhada imponente. Seja qual for a imagem atribuída ao diretor teatral, ninguém duvida deste raciocínio, ao que parece, mas… Será que será mesmo assim? Será que dispomos dos meios para imortalizá-lo? A pergunta incide sobre dois planos, a identidade do diretor e a nossa capacidade para reconhecê-lo, torná-lo imortal.
Em primeiro lugar, vale indagar a respeito do eleito. Quais são as razões para afirmar tal ruptura com o destino comum dos homens, afirmar a imortalidade de um mero diretor de teatro, profissão distante para boa parte da sociedade? Por acaso Antunes seria deus ou imortal? Qual a incandescência capaz de fazer com que ele queime rotinas habituais da vida para persistir entre os vivos, ser vagante em estado de eternidade?
O Teatro no poder
“Um fato inegável merece o nosso reconhecimento – o Brasil é uma usina louca, permanente, de sentimentos inesperados. Surpreendentes, de verdade. Quando a criatura pensa que já sentiu tudo, lá vem o Brasil e derrama um tonel de sensações indescritíveis na alma do incauto. Haja ectoplasma, como diria o meu velho tio Raul, espírita mesa branca confesso, daqueles de não perder missa ou sessão de atabaque ou pregação de pastor. Todo verbo serve ao espírito, talvez ele dissesse, se obrigado a se explicar.
Mas não – o próprio deste inferno sentimental tropical é não ter explicação. A vida vai, arrasta o coração, se possível desenha um vale de lágrimas. Esta situação indefesa, desprotegida, típica de maiores abandonados, fala da solidão coletiva de uma terra em que não se resolveu a bravata colonial. Estamos ainda à mercê de donatários, devastando tudo o que aparece ao redor, às voltas com nativos incompreensíveis – é razoável que nesta altura da História ainda não tenhamos uma compreensão humana profunda sobre os nossos indígenas? Isto para não falarmos da causa negra. Nem das mulheres e dos gays. Somos senhores ferozes de uma solidão humana pobre, brutal. Cada um é menos um, pois não se reconhece em nenhum outro.