O novo teatro: sem limites ou fronteiras
Vá, jogue-se, decida-se. Não tema. Declare-se: embarque no seu amor à liberdade, em liberdade. Agora não existem mais limites, as velhas prisões ruíram. O ar do tempo decreta: seja fiel à liberdade de ser. Seja livre. As velhas roupas estão desbotadas, são pedaços rotos do passado. A moda é sua, é invenção, é do momento. Invente-se.
Esta parece ser a cartilha atual do teatro. A partir dela, todo e qualquer caminho vale a pena, a expressão sem freios é soberana, não há um dogma da arte para seguir. Ou não? Ou vivemos uma encenação de liberdade, ancorada em subterfúgios técnicos bem sólidos, referenciais expressivos construídos a partir da vivência do vocabulário tradicional? A arte finge ser livre e esta é uma forma da arte ser?
Vale avaliar o que acontece ao redor, aqui e agora. O teatron, teatro online, traz muito material para o debate. Se considerarmos o espetáculo Cara Palavra, recém estreado, a lista de temas proposta para a reflexão é imensa. E começa já na definição desta modalidade de criação – será que o nome espetáculo funciona para este novo trabalho?
Para o estudioso Patrice Pavis, a resposta só pode ser positiva, espetáculo é tudo o que se oferece ao olhar. No caso de Cara Palavra, uma tensão estratégica acontece de saída, pois se proclama a palavra como condutora do que se oferece… ao olhar! Muito construído a partir do close, o espetáculo satura o olhar do espectador, quase sempre em confronto direto com as imagens dos atores sob enquadramento.
Portanto, há de saída uma liberdade ácida na linguagem de arte, a contraposição verbo/olhar. Assim começa uma diluição das fronteiras e dos limites, a busca do estado de liberdade. Aliás, a palavra enaltecida não é unívoca, ela surge sob múltiplos matizes. O roteiro, assinado pelo diretor Pedro Brício, costura muitos textos, desde os trabalhos pré-cena das atrizes até obras de autoras brasileiras contemporâneas.
Na verdade, apesar do título no singular, a palavra da cena é vária. Há muitos outros materiais: letras de músicas, discursos políticos, falas pessoais e até improvisos. Um liquidificador de letras. Além desta trama, de autoria múltipla, em geral presa ao tema da condição feminina, estão na tela atrizes impactantes, de sólida formação artística, cada uma com uma temperatura expressiva peculiar. A direção trata de sublinhar estas presenças, capazes de percorrer uma larga pauta de temas: amor, cotidiano, arte, poesia, solidão, pandemia. Os percursos acontecem sob impecável rigor técnico.
Bianca Comparato alia o vigor físico à nota entre ingênua e maliciosa, sapeca, enquanto alarga a cena para as terras da América do Norte. Débora Falabella irradia uma energia interior cortante, como se trouxesse alguma certeza a respeito da liberdade incerta de ser mulher, e fecha o foco para o interior do Teatro Porto Seguro.
Andréia Horta insinua a possibilidade do show, da performance plástica e musical, investe na sugestão de uma mulher camaleão que apenas deseja ser. Mariana Ximenes impõe a imagem da audácia e da coragem, sublinha a possibilidade de enfrentar e conseguir, romper o cotidiano, desafiar o comando.
Para a equipe, trata-se de um sarau poético performático e ao tom feminino acrescenta-se a intervenção dos músicos Chuck Hipolitho e Thiago Guerra. Na verdade, o conjunto de artistas oferece um caleidoscópio de arte, uma girandola de ideias, sensações e visões a respeito das formas de existir no nosso tempo. A cena garante a sua amplitude por meios absolutamente contemporâneos: é presencial, virtual e digital.
A impressão de superfície, aqui, é de liberdade, mas a pulsação de fundo é a prisão. Diante da pandemia, cenário social responsável pela geração do espetáculo, despontam seres inquietos, repletos de carga estética, órfãos da tradição, que se debatem na trama do tempo, incapazes de saber o que fazer – perplexos, eles buscam o abrigo da palavra. Ou da arte. E se estilhaçam. Indicam que ela, a arte, é a única liberdade que agora temos.
E afinal o debate precisa ser este mesmo – quem é o artista de nosso tempo, o que faz ou forma o ator capaz de tocar a sensibilidade do hoje, do atual? Dois encontros da semana podem ajudar a enfrentar tais perguntas e nos dois casos fronteiras e limites também estão, por vários motivos, detonados.
O primeiro encontro será nesta terça-feira – a entrevista/aula com o encenador, iluminador e produtor Caetano Vilela, na Plataforma ZOOM, atividade de extensão do Projeto Relatos e Experiências, da Escola de Teatro da UFBA, sob a coordenação da professora Deolinda Vilhena. Caetano Vilela, de São Paulo, tem se destacado por sua carreira inclinada a diluir fronteiras nos mais diferentes níveis.
De saída, o artista combina a formação em teatro com um belo conhecimento de música pop e um interesse radical por ópera e pelo universo dos clássicos. A transversalidade, explorada também na sua concepção de iluminação da cena, faz com que o hibridismo desponte como uma marca poética forte nos seus projetos.
Para ampliar a demonstração desta capacidade notável de ser múltiplo, acrescente-se ao perfil do artista a sua longa experiência de trabalho em Manaus e Belém, como iluminador dos festivais de ópera das duas cidades, e os trabalhos assinados em Paris e Bogotá. Ter o olhar voltado para o mundo e aproximar teatro, ópera, rock e pop aparecem como notas fortes para definir um artista profundamente comprometido com o presente.
Mas a semana vai oferecer também uma outra linha inventiva responsável por uma renovação forte da cena teatral: a entrevista com a diretora norte-americana Anne Bogart. O seu nome hoje é bastante familiar para quem atua no teatro brasileiro, integra o cotidiano de diferentes grupos e de aulas de formação teatral.
Anne Bogart se tornou conhecida internacionalmente através do seu trabalho na SITI Company (Saratoga International Theater Institute), fundada em 1992, e pelo uso da técnica dos Viewpoints nos processos criativos. Apesar de vários artistas brasileiros terem passado por suas aulas, esta será a sua primeira entrevista pública no país.
A condução do evento estará a cargo de seu idealizador, o diretor teatral Fabiano Lodi. O formato escolhido será uma gravação, em inglês, com transmissão pela plataforma Zoom e legendas em português. Para acompanhar a atividade, será preciso fazer inscrição com antecedência, grátis, e as vagas serão ocupadas por ordem de inscrição.
O encontro acontecerá como atividade oferecida pela Oficina Cultural Oswald de Andrade e integra o programa #CulturaEmCasa, realização do Governo do Estado de São Paulo, através da Secretaria de Cultura e Economia Criativa e da Organização Social Cultural Poiesis, com idealização e produção da Leneus Produtora de Arte.
A iniciativa dá sequência a uma série de lives dedicadas ao tema da formação, com foco nos Viewpoints e no Método Suziki – proposto pelo diretor japonês Tadashi Suzuki, co-fundador da SITI. Há, no caso, bem intensa, a questão das fronteiras – a técnica dos Viewpoints surgiu nos anos 1970, sob a denominação Six Viewpoints, criada pela coreógrafa Mary Overlie.
Transposta para o teatro, a partir da notável atmosfera de transformação do trabalho de corpo, no palco, iniciada nos anos 1970, a técnica se notabilizou por conduzir o trabalho de criação sob a égide da forma colaborativa. Mesclam-se no seu alfabeto referências diversas, em particular do teatro e da dança.
Naturalmente, este procedimento concede ao ator mais autoralidade, digamos, enquanto dilui o lugar tradicional do diretor. Para a cena brasileira, notável por ser um espaço histórico de poder cristalizado do ator, a lição soa forte: convida para uma reinvenção curiosa do passado.
Para quem desejar o máximo de aproveitamento do encontro, dá para mergulhar no tema com antecedência. Anne Bogart, professora do curso de graduação em direção teatral da Universidade de Columbia, publicou quatro livros, dois traduzidos aqui – A Preparação do Diretor (2011) e O Livro dos Viewpoints (2017).
Vale conferir. Neste caso, o desejo de liberdade conduz o candidato ao flerte com as fronteiras internacionais atuais discutidas para a arte. Embebido de internacionalismo, dá para voar direto para o passado, revisitar João Caetano ou Vasques, para chegar a uma cena curiosa, na qual as fronteiras e os limites vencidos podem falar de uma pessoa humana renovada. Quem sabe um tipo de ser livre, de todos o mais livre, o artista, adequado para enfrentar os limites estreitos destes tempos de agora.
CARA PALAVRA
Ficha Técnica
Com: Andréia Horta, Bianca Comparato, Débora Falabella e Mariana Ximenes
DRAMATURGIA E DIREÇÃO: Pedro Brício
INTERLOCUÇÃO ARTISTICA: Christiane Jatahy
PRODUÇÃO DE IMAGEM: Gianluca Misiti e Gustavo Giglio
DIREÇÃO DE FOTOGRAFIA: Azul Serra
DIREÇÃO DE PALCO: Jimmy Wong
PRODUÇÃO DE LIVE, VÍDEO E SONOPLASTIA: Rodrigo Gava
TÉCNICO
DE SOM E SONOPLASTIA: Danilo Cruvinel
TRILHA SONORA ORIGINAL: Chuck Hipolitho e Thiago Guerra
PESQUISA E CO-CRIAÇÃO DE VÍDEOS: Luli (Fru) Carvalho
DIREÇÃO DE ARTE: André Cortez e Stéphanie Fretin
COLABORAÇÃO EM DIREÇÃO DE ARTE: Luli (Fru) Carvalho
COMUNICAÇÃO E DESIGN: Gustavo Giglio
PRODUÇÃO: Corpo Rastreado
CRIAÇÃO DO ESPETÁCULO: Andreia Horta, Bianca Comparato, Débora Falabella,
Mariana Ximenes e Pedro Brício
IDEALIZAÇÃO DO PROJETO ORIGINAL: Andreia Horta, Bianca Comparato, Débora
Falabella, Mariana Ximenes, Chuck Hipolitho, Gianluca Misiti, Gustavo Giglio e
Thiago Guerra
Serviço:
De 24 outubro a 15 novembro – Sábados às 20h. Domingo às 20h.
Ingressos: A partir de R$20.
Classificação: 16 anos.
Duração: 60 minutos.
TEATRO PORTO SEGURO
Vendas exclusivamente on-line no site: http://www.tudus.com.br
Dúvidas: contato@teatroportoseguro.com.br
Atendimento pelo telefone (11) 3226.7300 de sexta a domingo das 14h às 20h.
Cliente Porto Seguro: Na compra de um ingresso antecipado (até um dia antes) receberá um link extra de acesso para convidar alguém.
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Assessoria de Imprensa Douglas Picchetti Pombo Correio
Serviço:
Entrevista/aula: CAETANO VILELA
Projeto de Extensão da Escola de Teatro da UFBA: Relatos e Experiências
terça-feira dia 27 de outubro, às 16h30 na Plataforma ZOOM.
Seminário A Cadeia produtiva do espetáculo teatral contada e cantada por quem o faz, acontece sempre às terças-feiras das 16h30 às 19h, até o dia 15 de dezembro.
Coordenação: Deolinda Vilhena
Serviço:
Live internacional: Anne Bogart
Foto: divulgação
Coordenação: Fabiano Lodi
Data: 29 de Outubro – quinta, às 19h
Público: interessados em geral
Local: atividade on-line (plataforma Zoom)
Inscrições até 28 de outubro – 100 vagas (seleção por ordem de inscrição):
Sobre a Oficina Cultural Oswald de Andrade – A Oficina Cultural Oswald de Andrade realiza atividades na formação e difusão cultural em diferentes linguagens artísticas. As atividades são gratuitas e no formato de oficinas, workshops, núcleos de estudos, seminários, residências artísticas, intercâmbios, apresentações cênicas, exposições, entre outros. Em seus 30 anos de existência, passaram pela Oficina grandes nomes como Quentin Taratino, Klauss Vianna, Nuno Ramos, além de importantes companhias nacionais e internacionais como Théâtre du Soleil, The Workcenter of Jerzy Grotowski, e Thomas Richards e Teatro da Vertigem.
Sobre s Poiesis – A Poiesis – Organização Social de Cultura é uma organização social que desenvolve e gere programas e projetos, além de pesquisas e espaços culturais, museológicos e educacionais, voltados para a formação complementar de estudantes e do público em geral. A instituição trabalha com o propósito de propiciar espaços de acesso democrático ao conhecimento, de estímulo à criação artística e intelectual e de difusão da língua e da literatura.
Verbena Assessoria – Eliane Verbena / João Pedro
Poiesis – Coordenação de Comunicação
Assessoria de imprensa Poiesis – Jariza Rugiano – Luiza Lorenzetti
Assessoria de imprensa – Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado – Davi Franzon