Festa na cama?
Muita gente sonha com uma benção: desejam que o mundo seja apenas uma cama. Passar a vida em berço esplêndido, contemplando o nada, seria, então, o bem supremo. Derrubada na cama pelo coronavírus, não pude escapar deste raciocínio, estive obrigada à cama. Uma chatice sem tamanho, mas incontornável: a tosse, a dor de garganta, alguma febre, a dor de cabeça, a ameaça de sinusite, a exaustão, a moleza… enfim, o conjunto da obra não deixa opção. É cama, cama e cama.
Ontem e hoje, escapei serelepe, de fininho, para testar o retorno dos ossos à vertical. Descobri que o negócio será um pouco lento: a tal praga desenvolve um apego ao corpo que a hospeda difícil de ser eliminado. Isto quer dizer que não consegui decretar a minha alta, exercitarei ainda por algum tempo um amor inoportuno à cama, com entrega física mais ou menos intensa. Assim, vida difícil. Só consegui dar um alô para o palco e para o mundo numa rápida coluna.
Mas afinal, dadas as dimensões da tormenta, o que foi que me empurrou para fora da cama? Primeiro, a beleza de mais um prêmio APTR – ainda é uma edição anfíbia, meio pandêmica, com espetáculos candidatos analisados na telinha. Mas, graças à participação no júri, posso assegurar que o processo foi inebriante. Adorei – adoro ver teatro online.
Por mais que se tenha resistência ao teatron, por mais que muitos assegurem que teatro só é teatro ao vivo, muitas conquistas foram alcançadas para a prática do teatro, no mundo virtual. Existem, na modalidade, produtos teatrais fortes o bastante para assegurar a importância destes procedimentos técnicos. Pode parecer um truísmo – mas teatro bom é teatro bom sob qualquer disfarce.
Além disso, o teatro online apresenta a grande vantagem da conexão além aldeia. Há um sabor peculiar no ato de conhecer a cena do conjunto do país e entender (ou tentar entender…) a existência de um fluxo de energia que pode transcender o local. De repente, no mesmo momento histórico, uma dor coletiva ou uma alegria pública ou um tema rascante… ressoam pelos ares e nos abraçam em diferentes lugares. A humanidade transcende.
Outro ponto importante é a força expressiva do teatro brasileiro – por todo o país, em cada lugar, existe uma voz pronta para falar da grandeza da vida. Há carpintaria, existe talento cênico, existe pesquisa e estudo. Quando permanecemos contidos no nosso cantinho, nem sempre percebemos claramente este vigor “nacional”.
Os finalistas do Prêmio APTR registram com impacto estas grandezas e demonstram claramente a extrema variedade da arte teatral brasileira hoje. Curiosamente, a partir desta amostra, nos revelamos como um país sem vínculos densos com o passado ou com as tradições. Quando o passado desponta, ele se projeta como reinvenção, revisão, criatividade. Um dado para pensar – fazemos um teatro de emergência do presente? Nos encantamos por cenas sem raízes?…
Ao mesmo tempo, a multiplicidade das “personalidades criadoras” é digna de nota – ao lado de obras autorais, proliferam as poéticas coletivas ou em colaboração, nas quais as assinaturas surgem esfumadas, inúmeros são os temas tratados, a forma dramática é bem variada, os gêneros com frequência se diluem. Isto só pode ter surgido a partir da prática histórica, claro, muito embora ela não apareça de frente e nomeada; a história do teatro aqui persiste como subtexto.
Agora, vale mergulhar na torcida para ver quem se consagra campeão em cada categoria. A noite solene dos vencedores será no dia 6 de junho, a partir das 20h, no Teatro Claro Rio. Uma certeza cristalina, contudo, nasce da lista de finalistas – o grande vencedor do prêmio, num conjunto de tanta qualidade gerado sob tantas condições adversas, muitas plenamente negativas mesmo, é o teatro brasileiro.
Como será a próxima ediçãoo do prêmio? Ainda não sabemos. Este ano, com as vacinas e a queda da incidência da covid, o teatro presencial voltou. Talvez alguma coisa persista online, pois a tecnologia é uma vitória. Mas a pergunta mais cortante que precisa ser feita é bem direta: como o teatro cômico, aquele teatro de diversão responsável pela base estrutural do mercado, pode sobreviver online? O riso teatral, para ser forte, não é obrigatoriamente presencial?
Gosto de lembrar da empresária Elza Ayer, do antigo Teatro Mesbla, durante décadas uma casa especializada em teatro cômico. Ela era uma empresária requintada; numa entrevista, ela declarou que fazia questão da qualidade da cena. Se era para quebrar uma taça de cristal por noite, dizia, bancava os cristais. E o seu maior prazer era, da coxia, ver a “onda de riso” do público, a gargalhada coletiva que sacudia os corpos palpitantes de alegria num mesmo movimento. Este prazer, gerado pelo teatro cômico, o teatro mais tradicional do Rio, não pode acontecer online.
Uma estreia desta semana no Teatro das Artes, um espetáculo de sucesso em São Paulo há nove anos, pretende sintonizar com a grande tradição carioca e provocar belas ondas de riso: Homens no Divã, de Miriam Palma, direção de Darson Ribeiro. A produção garante que a revelação em cena de sérios dilemas masculinos, expostos para, quem sabe, se obtenha a redenção pela terapia, vai provocar a interatividade com a plateia e muitas risadas.
São três homens em cena, representados pelos atores Guilherme Chelucci, Ken Kadow e Darson Ribeiro, e a voz da terapeuta – a exemplar Marília Gabriela. O conjunto permitirá a abordagem de múltiplas situações de conflito e de crise atuais, tensões cotidianas que justificam a ida dos rapazes ao divã.
Vale conferir – o protagonismo de Darson Ribeiro, um inquieto homem de teatro, faz com que a proposta apareça com relevância para os debates acerca da cena brasileira hoje. Oriundo do Paraná, o múltiplo artista se destaca como artista de teatro de intensa capacidade criativa, pois atua como ator, diretor, cenógrafo e produtor. Em São Paulo, administra desde 2019 um teatro próprio, o Teatro–D.
Este caso teatral, aliás, chama a atenção para um outro grande evento da semana, o início das comemorações do Centenário de Nascimento da Atriz Bibi Ferreira. Gênio absoluto do teatro brasileiro com notável projeção internacional, a atriz gigante no palco será celebrada com o lançamento de uma biografia afetiva, escrita pela atriz e jornalista Jaluza Barcellos, Bibi Ferreira: a saga de uma diva, publicação da Editora Batel.
A tessitura da obra transcende o vínculo amoroso da autora com a estrela – elas trabalharam juntas em cena, construíram uma amizade sólida, porém o texto vai muito além. A pesquisa de dados, rigorosa e muito bem estruturada, permitiu a redação de um volume importante para os estudos de História do Teatro e para o reconhecimento da grandeza da atriz. Em resumo, Jaluza Barcellos assina uma obra obrigatória para todos os que amam o teatro nacional.
Com patrocínio da edição pela Fundação Cesgranrio, o lançamento vai acontecer numa grande festa, no dia 1 de junho, no Teatro Cesgranrio. A homenagem marcará o início do Ano Bibi, será uma abertura de ouro para celebrar o imenso talento da atriz, ou melhor, da mulher de teatro.
Pois Bibi Ferreira foi diretora, tradutora, professora, líder e referência absoluta para a categoria. Sabia tudo de cena. Foi apresentadora de programas de sucesso na TV. Possuía um temperamento dramático raro, extenso, que fazia com que alcançasse profundos tons trágicos no drama, além de ser excepcional comediante, dotada de excelente voz, instrumento que utilizava sem truques de emissão.
Foi também uma genial atriz de musical, capaz de cantar e dançar com maestria. Culta e inteligente, para muitos deve ser reconhecida como a maior atriz brasileira de todos os tempos – uma discussão sempre propensa a gerar efervescências, mas sem dúvida vestígio eloquente de sua grandeza.
O que mais se pode dizer? De minha parte, gostaria muito de estar em forma e longe da cama para saudar – com água cristalina, claro – o aniversário de Bibi e o lançamento do livro escrito por Jaluza Barcellos. Sei bem, no entanto, que não ficaria feliz se contagiasse os meus contemporâneos com algo além da esfuziante alegria essencial para celebrar a ocasião. Assim sendo, talvez o meu brinde seja feito com uma colher de xarope: um passaporte eficaz para, quem sabe quando, fugir da cama que, por uma ordem implacável do SARS-CoV-2, me aprisiona…
FOTO: BIBI FERREIRA, vedete de teatro de revista, Escândalos.
16º PRÊMIO APTR DE TEATRO ANUNCIA OS INDICADOS DE 2021 LISTA DE INDICADOS PELO JÚRI
Autor:
Consuelo De Castro – Medeia Por Consuelo De Castro
Guilherme Gonzalez – Rainha
Júlia Spadaccini e Marcia Brasil – Angustia-Me
Luiz Marfuz – A Filha Da Monga
Pedro Bertoldi – A Última Negra
Direção:
Fernando Philbert – Cuidado Com As Velhinhas Carentes E Solitárias
Gabriel Fernandes E Bete Coelho – Medeia Por Consuelo De Castro
Marcos Damaceno – Árvores Abatidas Ou Para Luis Melo
Miwa Yanagizawa – Em Nome Da Mãe
Vinicius Arneiro – Aquilo De Que Não Se Pode Falar
Cenografia:
Analu Prestes – Sonhos Para Vestir
Desirée Bastos – Em Nome Da Mãe
Luciano Wieser – A Última Invenção
Natalia Lana – Cuidado Com As Velhinhas Carentes E Solitárias
Sara Antunes – Dora
Figurino:
Desirée Bastos – Em Nome Da Mãe
Kabila Aruanda – Sonhos Para Vestir
Marieta Spada – Cuidado Com As Velhinhas Carentes E Solitárias
Simone Mina E Carol Bertier – Gaivota
Quitéria Kelly – A Frasqueira De Jacy
Iluminação:
Elisa Mendes – Em Nome Da Mãe
Waldo León – Árvores Abatidas Ou Para Luis Melo
Renato Machado – Vozes Do Silêncio
Vilmar Olos – Cuidado Com As Velhinhas Carentes E Solitárias
Wagner Antônio – Dora
Música:
Barulhista – Ficções Sônicas 02
Federico Puppi – Em Nome Da Mãe
Felipe Storino – Aquilo De Que Não Se Pode Falar
Luciano Salvador Bahia – A Filha Da Monga
Marcelo Alonso Neves – Cuidado Com As Velhinhas Carentes E Solitárias
Ator em papel Coadjuvante:
Alexandre Mitre – Conectados
Eduardo Ramos – Psicose 4h48
Joelson Medeiros – Cuidado Com As Velhinhas Carentes E Solitárias
Osvaldo Mil – Pão E Circo
Thadeu Matos – Conectados
Atriz em papel Coadjuvante:
Luiza Curvo – Gaivota
Márcia Do Vale – Luíza Mahin – Eu Ainda Continuo Aqui
Maria Esmeralda Forte – Meu Filho Só Anda Um Pouco Mais Lento
Ator em papel Protagonista:
Claudio Mendes – Lições Dramáticas Por João Caetano
Filipe Codeço – Aquilo De Que Não Se Pode Falar
Henrique Fontes – A Frasqueira De Jacy
Luis Lobianco – Macbeth 2020
Sérgio Rufino – Rainha
Atriz em papel Protagonista:
Bete Coelho – Medeia Por Consuelo De Castro
Carolina Virgüez – Vozes Do Silêncio
Rosana Stavis – Psicose 4h48 / Árvores Abatidas Ou Para Luis Melo
Sara Antunes – Dora / Sonhos Para Vestir
Suzana Nascimento – Em Nome Da Mãe
Vilma Melo – Mãe De Santo
Espetáculo:
Aquilo De Que Não Se Pode Falar
Dora
Em Nome Da Mãe
Ficções Sônicas 02
Medeia Por Consuelo De Castro
Vozes Do Silêncio
Jovem Talento – Troféu Manoela Pinto Guimarães:
Elenco – Invencíveis
Elenco – Revolução Na América Do Sul
Felipe Frazão – Meu Filho Só Anda Um Pouco Mais Lento
Lucas Andrade – Ficções Sônicas 02
Yumo Apurinã – Por Detrás De O Balcão
LISTA DE INDICADOS POR MEMBROS DA COMISSÃO DO PRÊMIO
Espetáculo Infanto-Juvenil:
A Menina Akili E Seu Tambor Falante, O Musical – Autor: Verônica Bonfim| Direção: Rodrigo França
Ah, Se La Fontaine Estivesse Por Aqui… – Autor: Denise Crispun| Direção: Marta Paret
Cabelos Arrepiados – Autor: Karen Acioly| Direção: Tércio Silva
Na Borda Do Mundo – Autor: Cecília Ripoll Direção: Bando De Palhaços Com Supervisão Cênica De Luiz Carlos Vasconcelos
Papelê – Uma Aventura De Papel – Autor: Dramaturgia De Max Reinert A Partir De Processo Colaborativo De Criação| Direção: Max Reinert
Quase De Verdade – Autor: Clarice Lispector| Direção Coletiva: Carol Badra, Débora Duboc, Gpeteanh, Marco Lima E Petrônio Gontijo
Categoria Especial:
Ana Beatriz Nogueira – Pelo Projeto “Teatro Sem Bolso”.
Produção:
Zaquim, O Musical – Aventura Teatros Ltda
Pinóquio – Cia Pequod – Teatro De Animação
O Dragão – Companhia Ensaio Aberto
Coração De Campanha – Niska Produções Culturais Ltda.
Homens no Divã Ficha técnica Texto: Miriam Palma (título original Desesperados) Direção geral: Darson Ribeiro Elenco: Guilherme Chelucci, Ken Kadow e Darson Ribeiro Voz da psicanalista: Marília Gabriela Voz da secretária: Cecilia Arienti Cenografia, trilha, luz e figurino: Darson Ribeiro Camarim e Assistência Geral: Bianca Arcanjo Plotagem: Raio X Empresarial Montagem e operação de Luz e de Som: Marcelo Andrade Assessoria de Imprensa: Daniella Cavalcanti REALIZAÇÃO DR DARSON RIBEIRO PRODUÇÕES LTDA Serviço Local: Teatro das Artes Shopping da Gávea – Shopping da Gávea (Rua Marquês de São Vicente, 52 – 2º. Piso) Informações: 21 2540-6004 Temporada: 03 de junho a 10 de julho de 2022 Dias e horários: sextas e sábados, às 20h00 domingos, às 19h00 Ingresso: R$ 80,00 INTEIRA e R$ 40,00 MEIA www.divertix.com.br Duração: 90 minutos Bilheteria: de quinta a domingo, das 15h até o início dos espetáculos Indicação etária: 12 anos Gênero: comédia Capacidade: 418 lugares |
LANÇAMENTO DE LIVRO:
1 de Junho 2022.
Bibi Ferreira: a saga de uma diva, de Jalusa Barcellos, Editora Batel
TEATRO CESGRANRIO. Fundação Cesgranrio.
Rua Santa Alexandrina, 1011 – Rio Comprido, Rio de Janeiro – RJ.