Cadê você, teatro?
Responda rápido, sem piscar: quantos teatros já foram construídos no Rio de Janeiro? Não sabe? Resposta difícil? Então, vamos facilitar: quantos teatros existem hoje no Rio? Também não sabe? Ah, não fique triste não, não fique infeliz. Eu também não sei.
Para falar a verdade, acho que ninguém sabe. Nem o Prefeito, nem o Deputado Marcelo Calero, atual Secretário de Cultura. Nem mesmo o Barata, o grande mago da APTR! Ninguém faz ideia de quantos palcos fazem a cena do Rio. Ou fazem o vazio da cena…
Sim, o fato é grave – isto não significa que sejam tantos teatros, mas tantos, que até perdemos as contas. Quer dizer, antes, que não nos importamos de verdade com o teatro. Em lugar de ser uma arte universal cativa dos corações da cidade, ele se tornou um fato localizado e do umbigo não passa. Sabemos deste e daquele teatro, aqui e acolá, ali até a esquina, mas a cidade nos escapa. E o pior: tudo indica que a alienação é antiga.
Claro, houve um tempo em que a cidade cabia na palma da mão, era apenas o atual Centro. Aliás, vem daí o hábito antigo de chamar o Centro de Cidade – todo o resto era subúrbio, arrabaldes, roças e baldios, não existia nem Zona Sul, nem Zona Norte e muito menos túnel, para traçar fronteiras. Este desenho, contudo, não é do nosso tempo, talvez seja dos nossos bisavós. Ou mais, para quem é bem jovem.
Sim, naquela era remota todos os teatros existentes eram conhecidos e sabidos, não havia palco perdido ou extraviado por recantos distantes. Mais, até: o teatro era uma paixãozinha social. Evidentemente, não era nada semelhante ao desvario de paixão que incendiaria, mais tarde, a velha geral do Maracanã – convém não exagerar. Havia nas plateias teatrais um diferencial, um quê de elegância, digamos.
Sem qualquer preconceito com o gramado, vale reconhecer que os tablados supunham a posse, por parte dos seus frequentadores, de alguma distinção. A moeda necessária, no caso, era a cultura; o diletante podia ser pé rapado e bolso furado, mas precisava ter as suas fumaças de letras, mesmo quando era um pobre caixeiro inflamado de fervor por sua atriz-diva.
Como alguém negro ou pardo, filho de gente pobre, conseguia ter lugar neste mundo? Através da escola, claro. O acesso aos lugares de sociabilidade até poderia ajudar alguém desvalido a adquirir cultura – escutar a Rua do Ouvidor, capital da inteligência nacional, as confeitarias e os cafés, as livrarias… mas estes hábitos sociais, para se tornarem cotidianos e surtirem efeito, supunham certa renda. Também só podiam ser acessíveis se o candidato já dispusesse de algum dote.
Portanto, parece natural supor que a escola era o grande meio de formação cultural e de abertura de caminhos de socialização cultural para quem não era nascido nas elites. Quando existe escola de qualidade, o acesso ao mundo da cultura está assegurado. Quando a escola desaba, adeus viola.
Daí, a pergunta incômoda. O quê, afinal, mudou por aqui ao ponto de nós, cariocas, afundados na megalópole, ignorarmos completamente o número de teatros existentes na cidade? Sem dúvida, contraditoriamente, apesar da inclusão de disciplinas teatrais nos currículos escolares, o teatro anda fora da formação do cidadão carioca. Não adianta ter teatro na escola se do lado de fora impera o deserto.
O comentário é unânime: nas raras peças de grande teatro apresentadas na cidade, a plateia é um mar de cabeças brancas. Segundo raciocínio preciso do diretor Antonio Gilberto, o público teatral de hoje é a plateia estudantil que celebrava a arte da cena nos anos sessenta/setenta. O público não se renovou.
O que fazer diante deste quadro? Ele aponta para uma morte lenta, mas inexorável, da arte? Quando esta geração cabeça branca partir, haverá público para o teatro? A falta do teatro na dieta urbana explica em boa parte a atmosfera rude e pouco civilizada que grassa por aqui?
A reversão deste quadro parece coisa fácil: depende apenas de vontade política. Um prefeito que se diz amante inveterado do Rio – caso declarado de Eduardo Paes – deveria agir nesta direção. A primeira medida deveria ser a realização de um censo sumário, objetivo, para revelar o número de palcos existentes na cidade. Entram na conta, obviamente, os palcos e anfiteatros escolares.
O mapa teatral do Rio resultante do censo deveria ser uma bula para tratamento cênico da vida urbana. Por quê não se propõe um edital simples, de apoio objetivo, mesmo modesto, para a apresentação de peças em tais espaços, existentes por toda a cidade? Nas escolas, a cena poderia ser ocupada por montagens de alunos, mas se poderia muito bem receber “estrangeiros”, profissionais ou amadores, para sanar a capacidade ociosa. E instilar teatro por toda a parte.
Há ainda mais para fazer, com despesa curta. Um bom exemplo? Cada bairro deveria ter um teatro para chamar de seu – público, entregue ao coletivo teatral existente no bairro, pois eles existem. Ou poderia haver estímulo para a abertura ao público de espaços de entidades locais, tais como igrejas, clubes, escolas de samba, com algum apoio da prefeitura. Não dá para entender a ausência de um Teatro Zaquia Jorge em Madureira, por exemplo.
Um outro ponto precisa ser destacado. Seria importante ter uma política de louvação da prata da casa: editais periódicos apoiariam montagens de autores cariocas (na certidão ou no espírito), dramaturgos definidos como essenciais para o brilho da alma da cidade. Um convênio com o Estado promoveria festivais Armando Gonzaga, Artur Azevedo e Gláucio Gil nas casas que eles nomeiam, locais onde eles não aparecem!
Convenhamos: é inconcebível e inaceitável que gerações e gerações de nativos desconheçam a obra de gente cheia de graça como Martins Pena, Araújo Porto Alegre, Joaquim Manuel de Macedo, França jr, Artur Azevedo, Coelho Neto, Raimundo Magalhães Jr, Silveira Sampaio, Armando Gonzaga, Gláucio Gil, Millôr Fernandes – para ficarmos numa lista bem resumida. E sem citar Machado de Assis.
O leitor mais atento há de perguntar enfático: mas, peloamordedioniso, de onde veio este acesso de loucura teatral? Uma homenagem extemporânea ao Policarpo Quaresma? Uma noite mal dormida depois de uma peça ruim? Não, nada disto. É fato certo ter tido saudades por estes dias do velho Lima, por isto passeei os olhos por seu ácido romance, sem me contagiar. Também acontece, quando vemos muitas peças ruins, resultantes naturais de um teatro fraco, sofrer de sono agitado e fígado amargo. No entanto, tal não se deu, tenho tido sorte recentemente.
O que aconteceu foi a leitura dos jornais. Vi que o Prefeito e o Secretário de Cultura irão reformar todos os teatros municipais. Bela notícia, pois estavam em frangalhos – diziam que até chuvas de gambás atormentaram algumas plateias, situação lamentável. Mas… enquanto os pedreiros atacam, ficaremos com uma oferta ainda menor de teatro, numa cidade que está mais do que carente desta potente vitamina cultural. Portanto, abrir teatros extraviados soa como urgência.
Em paralelo, recebi a notícia da estreia no Rio, no Teatro Vannucci, de uma peça curiosa, uma encenação que promete ser um tônico renovador de ânimo para quem for vê-la. Trata-se de um sucesso nacional itinerante, finalmente aportando aqui no balneário maravilha, O Homem mais inteligente da história, de Augusto Cury.
O autor, médico psiquiatra, é um sucesso estrondoso de vendas no Brasil e no mundo, um dos maiores nomes da autoajuda, reconhecido por um diferencial, a capacidade de conciliar ciência e comunicação. A expectativa natural parece clara – a montagem deverá fazer sucesso. Gente que nunca foi ao teatro poderá ser atraída para a arte.
Há uma polêmica antiga a respeito do poder deste tipo de trabalho, de espírito turista, para favorecer a expansão do teatro, a partir da cooptação de plateias novas. Os puristas torcem o nariz e consideram a proposta uma afronta à pureza da cena. Como não temos pesquisas sistemáticas a respeito do público, nada ultrapassa o campo da conjetura – o popular achismo.
Os otimistas, categoria à qual pertenço, acreditam que qualquer forma de amor vale a pena e que estes espectadores noviços, incautos, serão mordidos pela mosca do teatro, principalmente se peças comunicativas e de bom padrão comercial forem oferecidas em sequência. Para quem não demoniza o mercado, nada a temer, esta faixa ajuda a manter o viço da arte, graças ao mágico poder do… capital!
Na trama da peça, o foco incide sobre um cientista, Marco Polo, ateu, especializado no estudo da mente. Ele recebe um convite da ONU para pesquisar a inteligência de Jesus, ou seja, é envolvido num belo desafio. Para o autor, Jesus deve ser visto como o maior especialista no campo da emoção humana: “… mestre da sensibilidade”. E mais – além de demonstrar doçura, ele “enxergava nitidamente além das profundezas da nossa condição humana”.
O texto do livro foi adaptado para o palco pelo próprio autor, em colaboração com a atriz Francis Helena Cozta. Vários temas debatidos no calor dos dias de agora estarão em cena: gestão da emoção, autocontrole, criatividade, solidariedade, felicidade, amor, depressão, violência contra a mulher. Portanto, a cena estará propondo um diálogo fervilhante com o cidadão do presente, algo que o teatro ama, ainda que busque muito mais fazer perguntas do que sugerir respostas.
A moral da história é simples. Vale ir conferir, para dimensionar o trânsito de emoções teatrais efetivas acionado pelo projeto. Se o desenho da proposta nasceu de um outro continente, um lugar de estímulo e de escuta do humano de imenso sucesso na sociedade atual, quem sabe alguma coisa possa ser aprendida a partir desta outra relação de intimidade? Talvez a partir daí algo se insinue nas mentes teatrais, para explicar o apagamento da arte, o sfumato dos teatros e a terrível redução do público… Se prestarmos atenção nos caminhos, quem sabe em breve poderemos saber quantos teatros efetivamente temos.
O homem mais inteligente da história
Serviço:
Gênero: romance.
Sinopse: Quando o renomado psiquiatra Marco Polo vai a Jerusalém participar de uma reunião na ONU, ele é desafiado a estudar a mente do homem mais famoso da história: Jesus. Marco Polo, um dos maiores ateus da atualidade, recusa-se, alegando não discutir religião, mas é instigado por uma plateia de intelectuais a realizar essa empreitada. Depois de muita resistência, ele aceita o desafio. É, então, montada uma mesa-redonda para analisar a mente de Jesus sob os ângulos da ciência e, não, da religião. A partir disso, o personagem começa uma jornada épica para saber se Jesus era um mestre em ter autocontrole, gerir sua emoção, trabalhar perdas e frustrações, libertar sua criatividade e formar pensadores.
Estreia dia 3 de junho
Teatro Vannucci – Rua Marquês de São Vicente 52, Shopping da Gávea.
Sáb, às 21h. Dom, às 20h30m
Entrada: R$ 100 (sáb) e R$ 90 (Dom)
Classificação: 10 anos
Duração: 75 min
Temporada até o dia 2 de julho
Link para venda ingressos: https://bileto.sympla.com.br/event/82214
FICHA TÉCNICA:
Adaptação: Augusto Cury e Francis Helena Cozta
Direção: Ivan Parente
Elenco: Daniel Satti, Francis Helena Cozta, Renan Rezende, Murilo Inforsato, Priscila Dieminger e Pietro Alonso
Direção Geral de Produção: Luciano Cardoso
Gestão de Projetos: Milena Brey
Coordenação de Produção: Tay Lopes
Produtor Executivo: Gabriel de Souza
Tour Manager: Renan Rezende, Murilo Inforsato e Pietro Alonso
Cenário e criação de luz: Pitty Santana
Trilha sonora: Wagner Passos
Figurinos: Débora Munhys
Técnico de som e luz: Julia Maria
Stand ins: Júlia Orlando e Victor Garbossa
Assistente de Produção: Rafael Sandoli
Social Media: TwoM
Assistente de comunicação: Vanessa Bertotti
Design Gráfico: Lucas Peixoto
Gestão Tráfego Digital: Allysson Domingues
Copywriter: Debora Venuta
Assessoria de Imprensa Rio de Janeiro: Valéria Souza
Assessoria Jurídica: SVM Advocacia
Assessoria Registro de Marcas: Ranzolin – Propriedade Intelectual
Promoção: Dreamsellers
Realização: Applaus