A voz do corpo: Alvaro Assad, carioca de Alegrete (RS), 46 anos.

Se decidíssemos destacar apenas um encanto em particular da montagem de Mistero Buffo – tarefa ousada – teríamos que escolher o requintado trabalho corporal da equipe. E o encanto tem nome e sobrenome: Alvaro Assad. Importa conhecer um pouco da identidade deste criador tão especial.


 
TB: A sua formação envolveu estudos em teatro, corpo, mímica, circo?
 

Alvaro Assad: Teatro e Mímica. Tenho formação mímica (pantomima clássica) com Luis de Lima, influência de mímica latina (forte influência de onomatopeias e gestualidade burlesca) através de Jiddu Saldanha, discípulo de um mestre peruano (Jorge Acuña), e formação técnica de ator na CAL (Casa das Artes de Laranjeiras). E, então, pesquisa continuada de uma linguagem própria, de 1993 aos dias de hoje, na companhia carioca de que faço parte, “Centro Teatral e Etc e Tal”.

 
TB: Quais os seus mestres?
 

AA: No início da década de 90, meus estudos se iniciaram com o saudoso mestre português Luís de Lima, precursor da mímica no Brasil, partner de Marceau, dentre inúmeras funções. Ele montou um espetáculo (O Pierrô que vem de longe/1991) onde pude atuar, aprender, e já incumbido de ser assistente de direção. Paralelamente, cursava a CAL e, entre a análise ativa de Stanislaviski e a segmentação de Decroux, fui apresentado à “prática artesã de um espetáculo”, na qual o olhar de requinte se tornou um primeiro e fundamental passo de aprendizado. Figurinos da Rosa Magalhães, luz do Aurélio de Simoni, música originalmente composta em rolo por Joaquim de Paula e o toque pantomímico e o olhar afiado de Luis de Lima ofereceram embasamento. Dois anos depois, no percurso da CAL, o professor e diretor inglês David Herman me causou profunda influência e, mesmo atuando, já sabendo de meu mergulho e atuação mímica, ele me convidou para realizar uma “direção mímica” em “Bonitinha, mas Ordinária”. Ali vislumbrei que palavra e gesto pantomímico poderiam e deveriam comungar. E, sim, o também saudoso e com passagem prematura, Marcio Vianna, diretor de nosso espetáculo de formatura A Alma quando sonha é teatro, em 1994. Dali em diante, fiz parte de sua companhia “Muito Prazer” até 1996, quando ele faleceu. Com ele conheci o olhar de ousadia e de poesia na cena.

 
TB: Como você pensa o corpo do ator?
 

AA: Como elemento fundamental de comunicação cênica. Seja no todo, em conjuntura vocal ou mesmo fracionado. Essa é uma característica que muito me agrada no trabalho cênico de utilização mímica. Fracionamento, o que possibilita ao ator contracenar com ele. É importante antes de tudo estudar cada ator, saber conduzir sua movimentação, dentro de suas características. Formatar, ata. É possível um gesto preciso com liberdade.

 
TB: Como você pensa a estrutura da expressão do ator – corpo, ideia, sentimento têm a mesma importância?
 

AA: Ser um ator com olhar de diretor e um diretor com sensação atoral é a característica latente do que me move pra cena. Cada ator tem uma característica e complexidade física e com isso uma significativa gama de possibilidades. A fala do mestre italiano Dario Fo em seu Manual Mínimo do Ator em que ele indica que a Mímica para os italianos é o todo: Teatro, dança, canto, …. Sim, aí me identifico. E pelo caminho, de que é como arte de comunicação e não como “forma superficial, forma vazia”. A estrutura da expressão do ator através da mímica é completa. Corpo, ideia, sentimento conjugam e devem conjugar.

 
TB: Você tem um método de trabalho?
 

AA: Meu trabalho sempre é com a tríade da criação de roteiro gestual, preparação mímica e direção. São três vertentes que se mesclam em uma só.
O método de trabalho surgiu, foi consequência do trabalho em grupo. A partir daí, a busca por diferentes opções cênicas levam a um aprofundamento na pesquisa e treinamento físico. Dentro do ETC E TAL, esse trabalho é “respirado cotidianamente” há 22 anos e com espetáculos em repertório diferenciados, mas sempre com o mesmo trio de atores. Ao me lançar pela primeira vez em 2007/2008 para dirigir/roteirizar/preparar mimicamente uma outra companhia e em consequência outros corpos, o método trabalhado no ETC E TAL foi levado ao LaMínima através do espetáculo A Noite dos Palhaços Mudos. Ali eram palhaços com linguagem de comicidade e “gestualidade bruta”(perdão pela expressão, os palhaços me entendem, risos), além de serem, também trapezistas. Ressaltando que, como circenses, o ganho na disciplina é impressionante. O trabalho de precisão e escolha pantomimica é fundamental para a comunicação na cena, sem perder cerne do humor. A busca é pela precisão sem ficar preso a ela. Por exemplo, Fernando Sampaio (LaMínima) tem características mais expansivas e conduzir sua movimentação, estando sempre atento a esse entendimento, é o ganho para que na cena ele seja assistido sem amarras, mas com resultado fino. Meu trabalho é fornecer aos atores ferramentas gestuais para que possam realizar e mesclar com ou sem as palavras o jogo de cena. Não levo os atores a um movimento diferente do que o corpo deles poderia fazer, mas sim, através de sua partitura física, observo e potencializo os gestos. Então, é possível conduzir a pantomima para um caminho confortável de entendimento. Em A Noite dos Palhaços Mudos foram 5 meses de trabalho, criação e preparação. Além, claro, de um acompanhamento da trajetória do espetáculo, desde então. Sempre é necessário o acompanhamento. Em 2010, surgiu o convite para um trabalho diferente para mim, que seria pela primeira vez dialogar minha direção mímica com outra direção, a direção de Neyde Veneziano em Mistero Buffo. Naquele momento, Fernando Sampaio e Domingos Montagner já eram “corpos de vocabulário mimo teatral”. Foi intenso. E de criação da gestualidade que cerca e mescla o espetáculo. Mas tínhamos já mais de 2 anos de trabalho em conjunto na linguagem e na relação com o “método de trabalho”. Então, a direção mímica no Mistero Buffo fluiu, foi a criação da partitura gestual e o lapidar final.

 
TB: Assim como o músico, que precisa de exercício diário, você acredita que o ator deve manter uma rotina permanente de “afinação”?
 

AA: Somos e sou conduzido a essa forma de exercício diário, pois no meu grupo, o ETC E TAL, temos espetáculos de repertório para públicos diferenciados. Assim como o LaMínima tem espetáculos para público adulto e para todas as idades, nós também. A existência do repertório faz com que estejamos em atividades permanentes de treinamento e execução dos espetáculos. Com isso o corpo precisa estar afinado. O ator, mesmo não fazendo parte de uma companhia de repertório, não tem outra opção, senão se manter em constante rotina de treinamento de atividade física e mental. É necessário. É fundamento.

 
TB: Como funciona o seu grupo?
 

AA: ETC E TAL é uma companhia formada em 1993 e composta por 3(três) atores e gestores (Melissa Teles-Lôbo, Marcio Moura e eu, Alvaro Assad que assino a direção e preparação mímica de todos). Temos desde 2007 uma sede própria na Cinelândia no Edifício de mesmo nome. São 02 (duas) salas que comportam produção e arquivamento e outra com acervo de figurinos e cenário e área de ensaio e criação. Em nosso repertório ativo temos 08(oito) espetáculos e com eles circulamos nacional e internacionalmente. O grupo é também empresa composta e com isso a mistura acontece com administração/produção próprias e com criação artística. Vale ressaltar que nossos espetáculos mesclam palavras e roteiros sem palavras. E em todos a tríade Teatro Mímica Humor está presente. Temos uma agenda constante de trabalho que alterna com treinamento cênico, para manter latentes os espetáculos, e o trabalho de gestão, que nos possibilita participar de mostras e circulações teatrais como FILO-Festival Internacional de Londrina, FIT Rio Preto, CAIXA Cultural, Mostras SESI SP, SESI RJ, SESC SP, SESC RJ, SESC Nacional, dentre mercado cultural e demandas nacionais e internacionais garimpadas(Alemanha, Dinamarca, Portugal, França, Argentina, Paraguai). Em nosso repertório ativo temos os espetáculos adultos No Buraco, Fulano & Sicrano, Onomatopeia do Sonho. Para todas as idades: O Maior Menor Espetáculo da Terra, Victor James, ¿Branca de Neve?, Draguinho, O Macaco e a Boneca de Piche. Em 2015 estamos em circulação nacional pela CAIXA Cultural Fortaleza, Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília e Curitiba. Além do circuito SESI Rio e com o Prêmio Fomento a Cultura Carioca 2014, com mostra de 3 de nossos espetáculos de repertório. E estudando o próximo espetáculo para 2016.

 
TB: Antes do Mistério Buffo, quais os trabalhos realizados que marcaram a sua carreira?
 

AA: Com ETC E TAL os espetáculos No Buraco, Fulano&Sicrano, Victor James e O Maior Menor Espetáculo da Terra são marcas de linguagem e comicidade do grupo, com eles fomos agraciados com prêmios e circulações nacionais e internacionais. Citar metade do repertório é injusto, já que todos os espetáculos do ETC E TAL estão em repertório ativo e em constante circulação. E com eles, em 2014 fomos agraciados com o Prêmio Zilka Salaberry de Teatro pelos 20 anos de trabalho e pesquisa mímica. Com LaMínima, o espetáculo A Noite dos Palhaços Mudos/20088 foi um passo fundamental de encontro com outra companhia e o ato de mesclar linguagens. Impor um estilo de linguagem diferenciado e próprio a outro estilo de companhia cômica. Com esse espetáculo fui indicado ao Prêmio Shell SP pela Direção e pela primeira vez o prêmio dividiu/multiplicou para 2 atores o prêmio de Melhor Ator, pois acreditavam que o jogo entre ambos era único (Branco e o Augusto). Foram agraciados. Fomos laureados, também com “Melhor Espetáculo” pelo Prêmio Cooperativa de Teatro e indicados pela “criação” no Prêmio Bravo Prime em 2009.

 
Entrevista concedida por email.