Saudades do Rio

 
Triste, na solidão, você vive a dor da paixão de perder o velho Rio. Acredita que a Cidade Maravilhosa evaporou-se, sumiu, como um barquinho indefeso nas ondas de uma modernidade estranha. Uma saudade carioca devora o seu coração.

 

Pois, amigo sonhador, fique alerta – chega de saudade. Ande rápido, pegue um avião e pouse no Teatro Clara Nunes, nos braços do delicioso espetáculo Bossa Nova em Concerto, de Sergio Módena, uma delicadeza de rememoração da história do gênero e do charme da cidade. Não duvide, é imperdível, não tem contraindicação, vai encantar quem gosta e quem não gosta de samba, quem é bom ou é ruim da cabeça, doente ou saudável do pé. Em resumo: vale para os nativos, para os turistas, para todos os seres dotados de coração e leveza de alma.

 

Trata-se de um musical temático – uma peça de teatro construída a partir da música, com a finalidade de apresentar um tema. No caso, a Bossa Nova – sua história, seus destaques, seus efeitos e sua impressionante tessitura musical. Do samba até a mpb, revela-se o caminho da bossa, o tempo passa e a plateia nem sente, a cena se esvai como se fosse uma canção. A graça assim passageira nasce do roteiro esperto, de Rodrigo Faour e Sergio Módena: é como o verão, quente o coração.

 

Se você for especialista, vai se divertir com uma misturinha carioquíssima, uma combinação esperta. O coquetel aposta na abordagem séria, valoriza anedotas folclóricas, envereda por invenções famosas e piadas históricas. Se você for apenas um amante da boa música, vai namorar feliz o roteiro divertido, balanceado, na cadência de um espetáculo feitinho para amar.

 

E como não amar em paz a inteligência da cortina faiscante, um fundo de cena simples, mas bem bolado, hábil evocação dos brilhos da noite boêmia e do mar cintilante ao sol? E os figurinos elegantes, despojadas roupas de gala, adequados para lembrar o jeitinho de ser da cidade-festa?

 

Mas, se a cenografia e os figurinos, assinados pelo diretor, com parceria de Elma Lucia nas roupas, traduzem bem no espaço a forma encantadora da cidade, o que dizer da aparência etérea da cena? Ela nasce da luz, de Tomás Ribas, estonteante, discreto instrumento para desenhar com maestria atmosferas sutis de canções e contracenas, propor insinuações sentimentais. É uma evocação linda da luz da cidade. A aura do Rio acontece por lá.

 

E isto sem falar nos músicos – uma gente maneira, competente no acompanhamento e nos solos, um quarteto capaz de mexer com a pulsação do corpo da plateia. A direção musical de Délia Fischer concilia técnica e emoção na medida exata, a execução encantadora é garantida por Herbert Souza (piano), Rafael Maia (bateria, percussão, trompete e flugel), Matias Correa (baixo e voz) e Marcos Amorim (guitarra e violão). Para a homenagem à Bossa Nova ficar perfeita, a banda tem até um número próprio, para chamar de seu, lembrança dos conjuntos que fizeram época no gênero.

 

Bom, tem mais, claro. Todo o Rio está presente. E não poderia ser de outra forma, com um galã cantor requintado, abraçado ao seu violão, bem humorado, malemolente, capaz de traduzir as múltiplas formas de ser do homem-carioca-bossa-nova: sedutor, galanteador, elegante, carinhoso, moleque, arteiro, inspirado e gentil. Ele é quase um dicionário de belos adjetivos masculinos.

 

Sim, vá conferir, Cláudio Lins se mostra um completo ator de musical – canta, toca, dança, traduz no corpo gingados da alma e do coração, narra e representa com desenvoltura as situações propostas, apaixona e se apaixona. O texto acontece na voz e no corpo, sem hesitação qualquer.

 

Ele lidera um elenco feminino – e que elenco impressionante – situação de escalação muito coerente com as artimanhas da época da Bossa Nova, ocasião em que as moças eram musas e, em sociedade, um tanto mudas. Não se trata, no entanto, de um elenco de uma nota só – as atrizes cantoras são vozes e talentos dramáticos de primeira grandeza, capazes de revelar a beleza de todas as notas e de cada cena. Os corpos não hesitam para aparecer sinuosos, como sugerem as canções, em coreografias singelas.

 

Cantrizes notáveis, não é possível, no entanto, destacar um ou outro desempenho, classificar as atuações, seria injustiça. Há uma concepção consequente de elenco, há unidade e homogeneidade. Mas, ainda assim, cada uma, por graça de seus talentos particulares, consegue um tom especial aqui e ali.

 

A delicadeza ingênua de Tatih Köhler imprime um encanto novo ao Barquinho, de Menescal e Bôscoli, dia de luz, festa no mar. Stephanie Serrat, entre a malícia e o encanto, se apossa dos corações da plateia com Chega de saudade, de Tom e Vinicius. Eduarda Fadini honra o melhor estilo brincalhão carioca na humorada apresentação de Rapaz de Bem, de Johnny Alf.

 

Há, porém, uma grande revelação na noite, a linda voz e o forte jogo de cena de Kesia Estacio, atriz até agora presente na cena musical em segundo plano. A sua versão para Dindi, de Tom Jobim e Aloysio de Oliveira, é de arrepiar a alma.

 

Mas, por favor, não se iludam: a montagem não acontece para aclamar tal ou qual talento, tal ou qual cena, esta ou aquela música. O pretexto é a Bossa Nova, verdade. Entretanto, quem está sob o foco, louvado pelo espetáculo, é o Rio. Melhor, o amor ao Rio. De certa forma, a montagem nos diz – queira amar, não sinta medo. Sim, o medo pode matar o seu coração – segundo a bela música de Tom e Vinicius, infelizmente não incluída na montagem.

 

É isto. Com certeza você vai sair do teatro assim – gostei, mas ah, e aquela música? E aquela história? E fulano de tal? E… o Rio de Janeiro, que era tão lindo? Ora, acalme-se. Não fique triste. Pelo jeito, logo, logo vai aparecer o Bossa Nova II.

 

Por enquanto, lembre-se: o sonhador tem que acordar. Ninguém pode viver de ilusão, mas aproveite esta montagem, corra para ver enquanto ainda é possível encontrar ingressos, eles vão sumir como o Rio de outrora. Afinal, o velho Rio lindo está lá, cantando, esperando por você. E lá, a sua alma, sensível, não vai ficar na solidão.

 

Ficha Técnica
 
Texto: Rodrigo Faour e Sergio Módena
Direção: Sergio Módena
Direção Musical: Delia Fischer
Coreografia: Roberta Serrado
Figurino: Sergio Módena e Elma Lucia
Cenário: Sergio Módena
Desenho de Luz: Tomás Ribas
Elenco:
Claudio Lins
Eduarda Fadini
Kesia Estacio
Stephanie Serrat
Tatih Köhler
Músicos:
Herbert Souza (piano)
Rafael Maia (bateria, percussão, trompete e flugel)
Matias Correa (baixo)
Marcos Amorim (guitarra e violão)
Assessoria de Imprensa: MNiemeyer Assessoria de Comunicação
Produção: Aventura Entretenimento
Serviço
Bossa Nova em Concerto
Estreia: 07 de janeiro
Local: Teatro Clara Nunes
Endereço: Rua Marquês de São Vicente, 52/3° andar, Gávea – Rio de Janeiro
Dias e horários: Sábados – 19h, Domingos – 18h e Segundas – 21h
Duração: 75 min
Vendas:
Na bilheteria: Seg a Sáb, das 13h às 21h; Dom, das 13h às 20h
Pelo site: www.ingresso.com
Preços: R$ 70,00 inteira / R$ 35,00 meia
Classificação etária: Livre
Até 20 de fevereiro