Não desperdice o seu domingo: corra para o Teatro João Caetano e tente ver O Rei do Rock – O Musical, criação primorosa de Beto Sargentelli. Hoje é o último dia da temporada popular. Se a sorte não estiver do seu lado e você não conseguir ingresso, não se desespere. Entre na Igreja da Lampadosa, ali pertinho, e reze. Peça para as entidades maiores, aquelas dedicadas à cura das fraquezas humanas, iluminarem os senhores donos dos teatros cariocas para que eles façam a temporada continuar. A peça precisa abraçar esta sofrida cidade: é um sopro de amor à vida de dimensão cósmica. É Elvis.
Falar da fraqueza humana, neste caso, é quesito obrigatório. Graças à visão de Beto Sargentelli, Elvis Presley (1935-1977) aparece no texto da peça como um labirinto humano surpreendente. A um só tempo, ele é o garotão inseguro, do interior, atormentado por dramas pessoais secretos e profundos, e é também a turbina de sensibilidade explosiva, inacreditável, que conseguiu fazer boa parte da vida do século girar ao seu redor. Sim, Elvis mudou o mundo, mas sem conseguir transformar o essencial, o seu imenso abismo interior.
Portanto, não há no palco uma simples biografia, enumeração singela da trajetória do grande astro. Há, antes, uma generosa apresentação deste grande enigma, um convite para fãs e cidadãos em geral do século XXI pensarem um pouco a respeito. Como explicar a profunda mistura de grandeza e fragilidade que estruturou a pessoa Elvis Presley? Por que um ser criador tão absoluto permaneceu refém de tantas sombras? O quê, afinal, Elvis pode dizer dos seres modernos que somos?
Mas a viagem-cabeça não é obrigatória, muito pelo contrário. O convite também arrebata o público descompromissado. Dá para mergulhar no espetáculo apenas para se divertir, cantar e se emocionar. A beleza da peça é de tal ordem que ela fala múltiplos idiomas – contempla todas as formas possíveis de relação entre o palco e a plateia.
O acerto nasce da grandeza artística de Beto Sargentelli, com certeza, um ator e um homem de teatro de uma envergadura extraordinária. Basta examinar a ficha técnica para perceber que, preocupado em escrever e encenar um espetáculo irrepreensível, ele reuniu no palco nomes fortes o bastante para fazer tremer o eixo do mundo. Aliás, exatamente aquilo que alguns antigos, conservadores, diziam a respeito dos efeitos, na Terra, do rock and roll e de Elvis Presley: aquela coisa toda fazia tremer o eixo do mundo.
Pois se prepare para testemunhar um acontecimento de arte que faz justiça à revolução assinada por Elvis. Sob a direção de João Fonseca, a montagem se estrutura como se o fundo da cena fosse um show de rock e este fundo envolve tudo. A ideia já serviu como solução para diferentes musicais. Mas, neste caso, há uma nota maior complementar: além do desenho geral da cena, o ritmo e o andamento do espetáculo também são tributários da ideia de show de rock. Assim, a vida de Elvis é exposta sob a atmosfera do rock.
No papel protagonista, Beto Sargentelli é um Elvis Presley em estado de graça. Não há no seu desempenho imitação, maneirismos de empréstimo ou esforço de cópia. Ele simplesmente trabalha com um Elvis interior, intenso, profundo, capaz de trazer a performance vocal e gestual num tempo certo. É difícil destacar um número musical arrebatador; todos são inebriantes. A energia do seu trabalho é de arrepiar – a intensidade da sua presença cênica deve estar tirando o sono de João Caetano, o ator mais intenso de todos os que brilharam no palco da Praça Tiradentes.
Ao seu lado, atores de sólida carreira no musical sustentam o tom de emoção maior. Stella Maria Rodrigues enternece, diverte e dispara o ritmo dos corações, no papel de Gladys Presley, a mãe do ídolo. A sua interpretação de Bridge over troubled water, de Simon e Garfunkel, se impõe como um dos momentos mais arrebatadores da noite. Leve um lenço para cuidar da lágrima discreta, ela virá.
Já a bela voz de Tati Christine, no papel de Sister Rosetta Tharpe, sustenta o reconhecimento da sua força como pioneira do rock. Danilo Moura se destaca na tradução do brilho de B.B. King, astro na música e na amizade. A ingenuidade e a devoção de Priscilla Presley se projetam na presença cênica e no canto delicado de Bel Moreira.
A rigor, o elenco responde ao desafio proposto pelo musical com total dedicação. Romis Ferreira materializa com maestria as nuanças do pai. Na dupla função de primeiro empresário e, depois, de compor Frank Sinatra, Rafael Pucca é uma grata revelação. Há ainda a maravilhosa agilidade de Nathalia Serra na esfuziante Ann Margret e a correção de Luiz Pacini, Gui Giannetto, Aquiles, Léo Romano, Carol Olly e Neusa Romano. No papel do Coronel Tom Parker, papel essencialmente dramático, Stepan Nercessian imprime um colorido levemente humorado que faz a plateia vibrar. É um contraponto requintado que sustenta o enigma a respeito da figura do polêmico empresário.
Vale destacar a qualidade da cenografia, de Giorgia Massetani, que, ao lado da estrutura fixa, de show, do fundo, acontece como jogo de peças móveis, sugestão de quebra-cabeças. A impressão é a de que a vida de Elvis vai sendo exposta a partir de pedaços soltos, cujo sentido final caberá à plateia definir.
Para garantir que este cálculo ressoe, há um rol de intervenções criativas perfeitamente articuladas. Estão presentes os figurinos, atentos às exigências da época e do tema, assinados por Fabio Namatame, a direção musical sintonizada com o momento absoluto representado por Elvis, de Tiago Gimenes, e as coreografias-símbolo que fizeram furor, de Keila Bueno.
Há uma trama sofisticada de criação de volume, profundidade e temperaturas emocionais rigorosamente desenhada na luz de Paulo Cesar Medeiros. As cores das luzes da cena traduzem o significado dos momentos vividos, participam, portanto, de forma direta da condução da emoção do público.
Sim, Elvis Presley, na garra de Beto Sargentelli, encontra o seu público, abraça a plateia e arrebata as almas. O número de plateia, fortíssimo, sugere bastante o encontro humano que cercou a vida do astro. Afinal, a felicidade do espetáculo reside na tradução, fiel e intensa, da revolução histórica protagonizada pelo cantor. Se a canção popular já iniciara uma curiosa movimentação dos corpos e dos sentimentos desde o início do século XX, com certeza Elvis Presley foi o responsável pelo início deste turbilhão impressionante, a conquista definitiva pela música dos corpos, das almas e das ruas. Talvez não seja fácil entendê-lo, saber quem foi exatamente Elvis Presly. Mas, seja como for, fazemos parte deste mundo, somos filhos de Elvis – é o que prova este espetáculo que, claro, todos precisam ver.
Ficha Técnica | O Rei do Rock – O Musical
Idealização, Texto e Dramaturgia: Beto Sargentelli
Direção: João Fonseca
Direção Musical: Thiago Gimenes
Elenco: Beto Sargentelli, Stepan Narcessian, Stela Maria Rodrigues, Tati Christine, Bel Moreira, Danilo Moura, Romis Ferreira, Rafael Pucca, Nathalia Serra, Luiz Pacini, Gui Giannetto, Aquiles, Léo Romanno, Carol Olly e Neusa Romano.
Direção de Movimento e Coreografias: Keila Bueno
Assistente de Coreografias: Tiago Weber
Direção Musical Residente: Leonardo Córdoba
Figurinista: Fábio Namatame
Cenografia: Giorgia Massetani
Designer de Luz: Paulo Cesar Medeiros
Designer de Som: Tocko Michelazzo
Visagismo: Marcos Padilha
Assessoria de Imprensa: GPress Comunicação por Grazy Pisacane
Direção Criativa: Eline Porto
Fotos: Stephan Solon
Comunicação Visual: Estúdio Órbita
Gestão de Marketing: Palma Comunicação
Produtores Associados: Beto Sargentelli e Gustavo Nunes
Coordenação de Produção: Gustavo Nunes
Produção e Coordenação Artística: Beto Sargentelli
Direção de Produção: Alina Lyra
Produção Executiva: Tâmara Vasconcelos
Produção: Pedro Guida
Assistente de Produção: Aricya Félix
Production Stage Manager: Caio Bichaff
Produção Administrativa: Andrea Sargentelli
Idealização e Produção: H Produções Culturais
Supervisão de Produção: Turbilhão de Ideias
Realização: Andarilho Filmes
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SERVIÇO:
Local: Teatro João Caetano
Prç. Tiradentes, s/n – Centro, Rio de Janeiro – RJ, 20060-070
Temporada: 15 de novembro a 08 de dezembro de 2024
Sessões: Sexta, sábado e domingo às 19h00
Valores: R$5,00 (inteira) e R$2,50 (meia-entrada)
Vendas: https://funarj.eleventickets.com/#!/evento/a2be06bf2547fac07cf207be3636f48c67442f23 ou Bilheteria Local do Teatro
Duração: 160 minutos
Classificação: 12 anos