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Teatro, escola, educação: uma bela encruzilhada

O tema ecoa sempre no ar – para quê serve o teatro? Vale manter a pergunta em pauta? Ou é urgente oferecer alguma resposta, uma resposta evasiva, capaz de deixar a arte fugir, revelar sua impotência? Ou o caso exige uma resposta hábil o bastante para provar a necessidade de que se tenha teatro em escala ampla, geral e irrestrita? Será que o teatro serve apenas ao nada? É tão delicado que não importa?

 

Parece bem o momento de voltar ao assunto – alguns fatos solicitam a reflexão. Na verdade, a situação atual pede bem mais: pede alguma ação. Eu não tenho dúvida de que o teatro torna as pessoas melhores, ainda que elas não o percebam. Sim, ele é inefável – assim, neste caso, talvez sintonize com o nada. Acredito que ele faz parte das receitas ocidentais de cidadão e de ser humano, descritas lá em Aristóteles. Precisa, portanto, estar na escola desde as primeiras séries.

 

Nesta segunda-feira, no Teatro Ipanema, às 14h, aconteceu um encontro dedicado à reflexão a respeito de um tema estratégico, o Festival da Rede Municipal de Educação do Rio de Janeiro, um circuito de apresentações que vai acontecer em novembro. A iniciativa acontece sob a liderança do Professor Veríssimo Júnior, do Teatro da Laje e da equipe da Secretaria de Educação do Município do Rio.

 

Trata-se de uma festa de teatro – ou melhor, um festival de teatro dos alunos da Rede. O projeto nasceu inspirado numa experiência bem sucedida, o FESTA, festival de teatro dos alunos promovido pela 2a. Coordenadoria Regional de Educação em 2017, atividade idealizada e executada pelo professor Marco de Aquino, no Teatro Ziembinski e na Sala Baden Powell. Ampliado para toda a rede municipal, o evento se tornou a FESTA da Rede.

 

O fato sinaliza uma situação objetiva: o teatro virou uma prática corrente no município, com força até para apresentações. Porém, a conversa baliza uma área tensa – quase explosiva. Qual a fórmula da dinamite? É simples. Apesar de termos uma presença das artes (e do teatro!) digna de notícia na formação escolar atual, iniciativa recente, instável e oscilante, esta iniciativa ainda não apresenta maturidade enquanto conceito. Parece complicado? Mas é tudo muito simples!

 

De saída, uma observação geral, de pano de fundo – não existe, em nenhuma hipótese, a possibilidade de se discutir a importância da participação das artes na formação escolar. Além de ser um fato, esta presença é uma vitória humana, seria absurdo cogitar qualquer debate a respeito. O formato, aliás, é a consolidação de um longo processo histórico: até os jesuítas, mesmo os mais conservadores, reconheceram desde o século XVI a relevância do teatro para a formação escolar.

 

Portanto, dirigindo o foco para o campo específico, a questão explosiva reside na natureza desta formação. O que é teatro escolar? É arte, um caminho para a arte? Ou é uma atividade formativa voltada para a expansão da capacidade expressiva? São duas vertentes diferentes. Por vezes, chegam a ser antagônicas: a arte na escola, em princípio, não existiria para formar artista, mas para formar cidadão, gente sensível em sintonia com a sua época.

 

O tema ecoa forte na dinâmica escolar, com certeza. E envolve em ampla escala a formação do professor: quem dá aula de teatro na escola? É o professor de teatro ou é o artista de teatro? O impasse afeta de forma direta o mercado de trabalho dos artistas, pois muitos artistas consideram o magistério como um setor complementar de renda, em particular os atores. É necessário se apresentar, subir no palco? O aluno deve ser tão artista quanto o professor?

 

Na verdade, no ensino regular, começa a existir um pensamento diferente, surgiu uma inclinação para a clara demarcação de campo – um Ofício Circular do INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) reclassificou os cursos superiores no Brasil. Neste conjunto, os cursos de formação de professores de arte, incluídos os cursos de formação de professores de teatro, passam a ser classificados na área da Educação, não na área de Artes. Vale repetir: a formação do professor de teatro se torna habilitação na área de Educação e não na área de Arte.

 

As instituições de ensino podem se manifestar a respeito até o dia 19 de outubro. A Abrace – Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas – enviou aos filiados nota de discordância da decisão, mas o prazo voa, a proposta é a de debater o tema agora, no seu X Congresso, de 15 a 20 de Outubro próximos, no Rio Grande do Norte. Impressiona que a decisão tenha sido tomada – e ela deve ter demandado tempo para ser elaborada – sem consulta à classe, às instituições de formação e às entidades voltadas para o ensino de arte.

 

Apesar de ser assunto bastante especializado, o interesse do teatro é direto. Foi elaborado um Manual Preliminar para a Classificação dos Cursos (tem o interessante nome de Cine-Brasil 2018), com o objetivo de orientar as instituições de educação superior para a classificação de seus cursos. Portanto, a resolução parece bastante consolidada. Qual o seu significado?

 

A metodologia adotada segue a estabelecida na International Standard Classification of Education (ISCED) de 2013, produzida pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). Neste molde, a universidade brasileira, ainda que fiel a coloridos locais, teria perfil compatível com parâmetros internacionais, para publicações e trocas de experiências. Com isto, o teatro de escola deixa o palco e entra na escola pela porta da pedagogia e da didática. E conversa com o mundo, ou tenta começar um bate-papo, pois existe um grande movimento na área de Teatro-Educação e Teatro-Universidade na cena internacional.

 

A diferença em tela pode ser bem sutil para muita gente, mas, objetivamente, ela é muito forte. O que está sob o foco é a formação do cidadão-aluno, portanto o trabalho com a sua potência expressiva pessoal e a sua formação cultural, a dinâmica da arte como ferramenta de inserção no mundo, em lugar de formação específica em arte. Deixaria de importar a possibilidade de formar possíveis atores e artistas, se tornaria prioridade educar sob um sentido de ampla visão artístico-intelectual, mais sob procedimentos didático-pedagógicos do que artísticos.

 

A opção, em principio, deve favorecer a percepção da grandeza do papel social da arte, deve garantir a formação de plateia e, no caso dos artistas-estudantes, aqueles talentos precoces que já se revelam nos bancos escolares, assegurar cedo algum domínio dos rudimentos das técnicas da arte, mas não exatamente a projeção estrelar. O professor se obriga, para tanto, a se tornar um profissional do magistério, integrado na dinâmica da questão pedagógica, menos associado ao tema especializado da arte. Quer dizer, para este novo teatro-escola, nem o professor nem o aluno precisam ser artistas.

 

De saída, pode ser uma conquista para as escolas e uma perda para os artistas-atores, pois as exigências de formação e de engajamento profissional são diferentes. Será que este caminho está errado? A tendência deve ser revertida? A função do teatro na sociedade brasileira deve atender a um outro desenho, mais maleável e até improvisado? Este formato tem chance de dialogar com as formas fragmentárias da cena contemporânea – a crise do drama e da representação, a expansão da performance, a implosão do espaço teatral?

 

Se olharmos para São Paulo, talvez se possa concluir a favor da compatibilidade entre a nova concepção do magistério de arte e as forças estruturantes do fazer artístico, com o professor se afirmando como formador dinâmico de personalidades de plena cidadania contemporânea. Neste caso, a renúncia do professor ao papel de artista parece se projetar como uma vitória para os alunos, para a arte e para a sociedade.

 

Através do Programa Cultura Ensina, a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo e a Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE) conceberam uma proposta dinâmica de aproximação entre as escolas – crianças e adolescentes são os contemplados – e a vida cultural e artística de São Paulo. O que se deseja oferecer aos alunos são atividades para fruição cultural, através do acesso a experiências educativas em diferentes instituições culturais e artísticas do Estado.

 

A proposta é ousada e inspiradora. Em resumo, ela contempla três ações principais: visitas a espaços expositivos (museus, salas de galerias e cinemas), a locais de apresentações (teatro, dança e circo) e a eventos literários; instalação de salas de cinema nas escolas e apresentações artísticas e culturais no espaço escolar. A preferência será por escolas participantes do Programa Escola da Família, para garantir maior impacto social.

 

A partir do material apresentado pelo Programa, dá para deduzir que o professor precisará ter um papel nítido de arte-educador e deverá se projetar como um docente ativo, mais ligado ao processo formativo do que, por exemplo, às suas inquietações artísticas pessoais. É preciso, contudo, estimular a reflexão a respeito dos diferentes elos do problema – artistas, arte-educadores, professores de arte, autoridades pedagógicas e didáticas, instituições culturais, formadores de professores, alunos, pais.

 

Talvez este movimento sele a morte dos singelos teatros de papel crepom e furor narcisista, ofusque o professor vedete obcecado por se manter fiel ao seu talento e à sua arte. Ou será que se trata apenas do nascimento de uma escola em série, padronizada, sem vínculo com a alma nacional brejeira e vadia? Com a palavra, aqueles que podem pensar a velha pergunta insistente, para manter no ar um desafio antigo sempre renovado: o enigma de pensar, repensar e tentar dizer para quê, afinal, serve esta arte chamada teatro.

 

Serviço

Secretaria da Educação e FDE lançam o Programa Cultura Ensina para alunos da rede estadual de ensino

Com o intuito de aprimorar a formação lúdica e artística das crianças e adolescentes, a Secretaria Estadual da Educação lança o Programa Cultura Ensina, juntamente com a Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE) e com o apoio da Secretaria Estadual da Cultura.

Para mais informações sobre como participar do Programa Cultura Ensina, acesse o link:
http://www.fde.sp.gov.br/PagePublic/Chamamento.aspx?codigoMenu=334

Documentos encontrados importantes para a adesão ao Programa:
TERMO DE ADESÃO PARA AS ESCOLAS
RESOLUÇÃO
PORTARIA CONJUNTA SEE/SED/FDE 1, de 26-07-2018
ENDEREÇO DAS INSTITUIÇÕES CULTURAIS DA CAPITAL E GRANDE SÃO PAULO QUE AS ESCOLAS VISITARÃO
COMUNICADO AOS PAIS/RESPONSÁVEIS
MANUAL DE REFERÊNCIA E OPERAÇÃO