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PANO RÁPIDO – ESQUETES DA SEMANA

 
Janeiro já ajustou o calendário para o ano de 2018, a promessa é alentadora, tudo indica que vem aí um ano teatral fervilhante. Estreias, re-estreias, encontros, oficinas, livros, residências, tradições, experimentos… Cena em movimento acelerado, tudo um pouco como o carnaval da Mangueira: sem dinheiro ou com dinheiro, teatramos todos.

 

Os primeiros destaques são os sucessos do ano passado que conseguiram perdurar em cena – Monica Martelli, campeã das sessões esgotadas, anunciou que permanecerá no Teatro das Artes até 4 de fevereiro. E, para ninguém perder a chance de ver o delicioso Minha vida em Marte, nestas últimas semanas em cartaz no Rio, haverá um horário novo, às quintas-feiras. Espetáculo feminino, bem humorada abordagem da possibilidade da mulher desejar ser cara-metade, o monólogo continua a trama de Os Homens São de Marte…. Para quem está por aqui, na Terra, com ou sem interesse em Marte, vale o convite para rir, com olhos de mulher, das instabilidades afetivas modernas. Em tempo: a direção é de Suzana Garcia, portanto feminina; quem quiser reclamar do tema, precisa considerar que o andamento da divertida proposta passou por duas representantes do sexo frágil.

 

Um outro olhar feminino persiste em cena, vencedor do Prêmio APTR 2017 de Melhor Texto, e estrutura uma peça de extrema delicadeza, A Vida Passou Por Aqui, de Claudia Mauro, inventário comovente da história de vida de uma mulher e de uma amizade iluminada. O cartaz seguirá até fevereiro, no Teatro dos Quatro, às terças e quartas. O espetáculo registra um grande acerto na direção, da atriz Alice Borges, portanto o olhar feminino aparece multiplicado também aqui. Alice Borges revela uma habilidade extrema para compor o desenho da cena e soltar a emoção dos atores. O principal encanto da montagem, feliz reunião da dupla Claudia Mauro e Edio Nunes, é a indicação do valor da amizade, destas amizades capazes de dar sentido aos dias.

 

Os valores eternos, por sinal, essenciais para a preservação da vida e para a grandeza da existência, pontificam em duas montagens de intensa beleza cênica. Também com a temporada prevista até fevereiro, com novos preços, O Jornal continua em cartaz no Teatro Poeira. A montagem, inspirada em fatos reais, lança com vigor uma pergunta ácida sobre o poder de cada pessoa sobre a vida das outras – até que ponto a lei social pode determinar os afetos e as escolhas amorosas? Num palco lindo, de leves geometrias de ação e de luz, surge um amor proibido pela sociedade, capaz de atrair a maldição para todos. Um elenco afinado, dedicado e competente, dirigido com rigor poético por Kiko Mascarenhas, com a supervisão de Lázaro Ramos, garante a qualidade da noite teatral. Destaque-se o fato raro na cena brasileira: o elenco é negro.

 

A outra montagem dedicada aos valores eternos, ato de emoção pura e beleza indescritível, traz o excepcional casal Taís Araújo e Lázaro Ramos de volta ao palco carioca, agora no Teatro Imperator, no Méier. O Topo da Montanha, de Katori Hall, ficará em cartaz de 19 de janeiro até 04 de fevereiro. Vale a pena comprar logo os ingressos, pois a excelência do trabalho faz os bilhetes evaporarem… A cena narra, de forma romanceada, mas fundamentada na História, a última noite de vida de Martin Luther King. Recomenda-se levar um lenço, pois a sensação de ver a História mais fervilhante do nosso tempo diante dos olhos provoca lágrimas irreprimíveis.

 

No dia 17 de janeiro – dia em que a cidade será sacudida pela estreia de Cauby!Cauby!Uma lembrança, de Flavio Marinho, com Diogo Vilela, no Teatro Carlos Gomes – um outro texto dramático brasileiro retorna ao cartaz, no Teatro Glauce Rocha. Escrito e dirigido pelo inquieto Rodrigo Portella, Alice Mandou um Beijo volta ao palco às quartas e quintas, no Teatro Glauce Rocha. Trata-se de trabalho dedicado à continuidade de pesquisa de linguagem: é a terceira montagem da Cia Cortejo. A inspiração para a elaboração do original nasceu das memórias do autor, nascido e criado em Três Rios. O foco é a fragilidade das relações familiares, evidenciada após a morte da filha caçula.

 

Já na quarta-feira, no Teatro Ipanema, o retorno para temporada às quintas e sextas permite avaliar uma montagem densa ofuscada pela agitação do fim do ano. São dois grandes atores, verdadeiros furacões cênicos, Josie Antello e Julio Adrião, às voltas com um tema explosivo desde o século XVI – a chance humana de efetivamente criar uma sociedade igualitária, ideal. Utopia D, com direção e dramaturgia de Moacir Chaves, encena trechos de Utopia, de Thomas Morus, para perguntar sobre a dimensão hoje do reino criado pelo autor, uma sociedade sem propriedade privada, sem intolerância religiosa, governada pela Razão e por uma compreensão cristalina da ideia de bem comum. A ironia de tudo não pode ser driblada, pois Morus ficou impressionado com a forma de vida dos selvagens americanos, aquela gente que vivia por estas terras antes de ser inventado o Brasil.

 

Na sexta, a onda de estreias ganha volume com a chegada aqui na praia do carioca Nelson Rodrigues, visto por Gabriel Villela, que assina a direção de Boca de Ouro. A montagem estará abrigada no Teatro Ginástico, um dos palcos mais rodrigueanos da cidade, e trará Malvino Salvador no papel título. A julgar pela quantidade de indicações a prêmios, o tablado da Avenida Graça Aranha vai ferver.

 

Portanto, graças a esta tímida amostra do movimento teatral, uma coisa é certa – não é verdade que este país tropical só começa a trabalhar depois do carnaval. Para reforçar a constatação, destaque-se que várias oficinas de arte estarão à disposição de profissionais e amadores. Espalhadas pela cidade, elas irão abordar em especial o trabalho do ator. Ou um pouco mais.

 

No Teatro Ipanema, esta semana, acontece a oficina Eduardo Wotzik e o Teatro Ipanema, centrada no estudo do antigo grupo, seus fundadores, seus textos de maior impacto, sua história. A porta está aberta para atores, cenógrafos, diretores, figurinistas, iluminadores, críticos, teóricos – enfim, toda a galera de teatro, simpatizantes e público.

 

Sob um viés mais especializado, o estudo de Stanislaviski, Lucelia Santos vai liderar uma oficina na Hub Rio, de 22 a 23 de Janeiro, voltada para atores e estudantes interessados em mergulhar no método.

 

Finalmente, no Teatro Poeira, Victor Garcia Peralta, diretor de grande maestria no trato dos textos e na direção de atores, traz a oportunidade maravilhosa de ampliar nosso contato com a Argentina, sempre canhestro. Como artista residente, ele vai liderar uma prática de encenação sobre um clássico do grotesco argentino. As inscrições estão encerradas, o encontro começa esta semana e vai até 15 de abril, perfil que indica a hipótese de um resultado produtivo a revelar ao público – a conferir.

 

Para quem tem medo de chuva ou de calor, prefere curtir o tradicional teatro na poltrona, a bela notícia é a vitalidade da estante teatral, que não pára de se espalhar. Além dos lançamentos da Cobogó, que retomou a velha tradição perdida de publicar os textos teatrais do momento, a incansável Editora Perspectiva assumiu a tarefa de, além de registrar a história e a teoria, oferecer textos incisivos para a compreensão do presente teatral. Dois lançamentos de 2017 estão palpitando nas livrarias e farão subir a voltagem das ideias. Um é o Dicionário da Performance e do Teatro Contemporâneo, de Patrice Pavis. O outro é A Poética do Drama Moderno, de Ibsen a Koltès, de Jean-Pierre Sarrazac. Nos dois casos, a munição intelectual é de grosso calibre, garantia suficiente para esquecer os tiroteios rústicos da pátria em prol de refinados embates de ideias.

 

No mais, mantenham confetes, serpentinas, máscaras e fantasias guardadas no armário, pois a ordem dos fatores mudou. Nada de recesso, pelo menos na vida produtiva. Até segunda ordem – e com certeza ela não virá – estamos trabalhando muito e aposentamos o país do carnaval. Boa semana!