Memórias emocionadas e delicadas canções
Saudades do Brasil? Sintomas claros – amargor no peito, tristeza na alma, frustração louca por causa da pátria amada idolatrada que sumiu, mau humor federal, estadual e municipal. Mas o mal tem solução, ainda que provisória, não se aflija. Você pode flertar com o sonho intenso, o velho raio vívido de amor e de esperança. Uma deusa lhe oferece um remédio supimpa: Stella Maria Rodrigues, Teatro Maison de France, não tem erro.
Acredite, num estalo, você esquece tudo, vira uma macaca de auditório feliz. Como? Muito simples. Em cena, há um novo formato de musical brasileiro, delicioso – o musical performático, digamos. Emilinha não é um musical biográfico, no sentido rigoroso do termo. É, antes, um dispositivo teatral em que a evocação da memória coletiva nos transporta para um outro lugar sentimental, arrebatador.
Sim, há o tema da biografia. Mas o tema, um passeio discreto pela biografia, obedece a um recorte delicado, bem especial. O espetáculo foi desenhado com o foco na oscilação entre narração, representação e apresentação. Quer dizer, há um pêndulo, da razão para o sentimento. Com a colaboração impecável do elegante ator-cantor Fabricio Negri, Stella Maria Rodrigues conta, comenta e analisa a trajetória de Emilinha Borba (1923-2005). E parte desta construção racional para expor detalhes de seu perfil e materializar, com imenso impacto, a figura da cantora.
Isto significa um movimento curioso, o reconhecimento de Emilinha como uma usina de emoções intensas, pulsantes. Logo se impõe na sala um estado de espírito de flerte esfuziante com a vida, uma forma brejeira de felicidade, o principal estado existencial que a cantora emanava. Como consequência, se instala no teatro uma atmosfera benfazeja densa, como se a vida fosse uma prática amorosa permanente. E é para lá, para este lugar afetivo irresistível, que Stella Maria Rodrigues leva a plateia, sob a direção segura de Sueli Guerra.
O ponto de partida é fazer com que o público vivencie a memória da artista com a maior intensidade possível, como se ela despontasse do passado e se tornasse um fato presente. A direção teceu uma refinada alquimia de emoção sincera, sugestão gestual e de corpo, trejeitos de época, marcações eficientes, para dar impacto às canções e força aos relatos e comentários.
Para tanto, a iluminação de Paulo Medeiros tem um papel estratégico. A luz esculpe a cena, constrói um volume mágico, valorizando a intensidade da presença da atriz. Névoas coloridas transformam o espaço de representação em lugar de rememoração e sonho, cena poética de intensa voltagem sentimental.
Os figurinos estonteantes, do acervo da cantora, cedidos pelo zeloso fã-clube, participam do cálculo. Registros requintados de época, eles são todos impactantes, luxuosos, elegantes, preciosos no corte, na modelagem e nos tecidos. O visagismo também busca a evocação sugestiva, a releitura, hoje, do mito. A cenografia simples, despojada, tem um desenho bastante objetivo, funciona com pequenas indicações narrativas e deixa o espaço livre para a atriz, para contracenas com o ator coadjuvante e os músicos.
Assim, Stella Maria Rodrigues traz Emilinha para a cena como uma força sentimental límpida, uma sensibilidade requintada, uma entidade, como se fosse um poder da nossa natureza humana tropical, um fato da alma brasileira. Sem copiar ou mimetizar, ela materializa o fluxo de afeto que era trabalhado pela cantora. Numa espiral vertiginosa, pontilhada por boleros, tangos, baiões, sambas, rumbas, marchas, ela se apresenta, nos reinventa, e o turbilhão, acelerado, arrasta tudo e todos para uma grande celebração final.
Sim, no final do espetáculo, tocados e emocionados, todos sintonizam com a alegria ingênua e a emoção pura que ainda moldam, com crise ou sem crise, o espírito do país. Se não dá para fugir do presente, a trégua é oportuna. A performance significa cena participativa: dá para cantar e dançar no teatro. Dá para sair cantando e dançando pela rua, entregue ao sentimento de liberdade afetiva de uma época dourada que passou.
Um tempo em que havia crença no futuro, havia um espírito folgazão e irônico. Havia, sobretudo, um imenso encantamento por uma pátria do porvir, o Brasil Brasileiro, lindo e trigueiro, o mulato inzoneiro.
E, por sinal, o centro da vida brasileira era o Rio – lindo sonho de fada, noite sempre estrelada de praias azuis, cidade da luz… Bem, você entendeu. Um filho não foge à luta. Não, não perca, o seu sofrimento de agora merece este bálsamo, para recarregar as baterias: ele traz um turbilhão sensacional de sentimentos, memórias emocionadas bordadas por delicadas canções.
Textos: Tereza Falcão
Roteiro: Stella Maria Rodrigues
Elenco: Stella Maria Rodrigues, com participação do ator/cantor Fabrício Negri /
Direção: Sueli Guerra
Direção Musical e pianista: Cristina Bhering
Músicos: Affonso Neto (bateria), Raul Oliveira (baixo)
Direção de Movimento: Sueli Guerra
Iluminação: Paulo Medeiros
Fotos: Sérgio Santoian e Dalton Valerio
Programação Visual: Rico Vilarouca
Direção de Produção: Valeria Macedo /
Produção Executiva: Leticia Reis
Assessoria de Imprensa: JSPontes Comunicação – João Pontes e Stella Stephany
ESTREIA: 08 de junho (5ªf), às 19h
TEMPORADA: até 31 de agosto
LOCAL: Teatro Maison de France – Avenida Presidente Antonio Carlos, 58 – Centro RJ
Tel: 21 2544-2533
HORÁRIOS: 5ª e 6ª às 19h
DURAÇÃO: 75 min
GÊNERO: musical
INGRESSOS: R$60,00 e R$ 30,00 (meia entrada)
CAPACIDADE: 353 espectadores
CLASSIFICAÇÃO: livre
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2 Comments
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Neguinha, Miloca assim era chamada pelos íntimos. Obrigada por fazer uma pequena amostra do que foi e continua sendo a nossa Rainha Emilinha Borba.
Obrigado pela compartilhando seu conhecimento e informação sua extremamente útil e também compreensível.