Galanteador, malicioso, bem humorado e romântico: pode não ser um novo Roberto Carlos, mas ele está tinindo, no melhor deste seu estilo, em um momento irresistível, capaz de fazer a felicidade de todas as fãs. Elas saem do show com aquele sorriso que diz: ele é o cara.
O feito está em cartaz no Projeto Emoções Em Alto Mar, Cruzeiro Costa edição 2013. É imperdível sim, mas, como os eleitos para vivenciar a festa já estão a bordo com seus ingressos, vale noticiar para a turma dos no-show. Assim o grande Brasil pode ter uma ideia, ainda que singela, do requintado nível do trabalho do Rei neste momento.
O primeiro dia de navio, ontem, sábado, foi longo: houve uma rotina de ensaio e de ajustes, um ensaio geral padrão, segundo inconfidências de corredor. A maratona, mais a necessidade de levar a embarcação para uma parada, provocou um atraso no começo do espetáculo forte o bastante para provocar a reação da plateia. Contudo, a espera valeu – o cantor entrou em cena disposto a quebrar tudo de um lado pro outro…
Novas orquestrações, jogos de luzes mais intensos, feéricos e elaborados em múltiplas cores e flashes e, sobretudo, um surpreendente terno novo, azul marinho, muito bem desenhado e cortado, vestiram a noite recheada de surpresas. As mudanças, coerentes com a linha de trabalho explorada nos últimos tempos, foram a moldura ideal para um cantor mais solto, mais falante e em paz com a sua arte. Em duas horas e dez minutos de apresentação, ele brindou a plateia com 18 números (inclusive duas sequencias temáticas, pot-pourris), taças de espumante, falas com toques de improviso inspirado, manifestações de afeto e belos sorrisos.
O show foi desenhado em alguns blocos – de início, após a abertura orquestral, Roberto Carlos entra em cena, segundo a tradição, e apresenta a sua identidade romântica: canta Eu te amo, eu te amo, eu te amo. Após a declaração de amor, o galanteio malicioso – Além do horizonte, existe um lugar… A arquitetura sentimental sofisticada é coroada por uma versão muito delicada de Detalhes, ao violão a princípio, para logo enveredar por uma sonoridade orquestral de cordas, intimista, própria para arrebatar corações sentimentais. A plateia está nas mãos, embarca no virtuosismo de Desabafo e no turbilhão de humanidade que é Lady Laura.
A brincadeira no estilo brasileiro maroto desponta ao cantar a mulher pequena, a mulher de quarenta e o cachorro Axaxá – este um truque para diluir o tom emocionado de O Portão. Um bloco voltado para a vida de hoje se anuncia com Proposta. Depois de cantarolar Besame Mucho com singela tonalidade romântica, Roberto Carlos fala sobre o beijo – as suas delícias e a sua condição hoje. É a deixa para um pot-pourri de históricas canções de beijo, do repertório do cantor, coroadas por uma citação rápida de Cavalgada sob divertidas variações de ritmo, imagens projetadas no telão de beijos históricos, até o recente beijo retumbante da novela das oito e a explosão geral de alegria em Esse cara sou eu, ocasião em que o maestro Eduardo Lages substitui o Wanderley velho de guerra ao piano. Furdunço não poderia ser excluída e, com a volta de Wanderley, o módulo tradicional dedicado à jovem guarda sacode o salão.
A noite ainda prossegue um tanto além: há a homenagem à Itália, o brinde ao som de Champagne, a celebração de Jesus Cristo.
Trata-se realmente de um grande show, um acontecimento para marcar a noite de quem esteve lá. E assinalar, na biografia do Rei, um momento inspirado de criação. As diferentes linhas de arte da canção sentimental, na sua história e na sua atualidade, passam vertiginosas sobre o palco, reinventando o perfil sentimental da plateia. E atestando o que todos sabem, ainda que alguns ressentidos queiram ignorar: além de Roberto Carlos, ninguém nestas terras entende tão bem o coração do Brasil.
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