Os finalistas do Prêmio APTR e a alma do teatro carioca
Bate forte o coração, acelera diante da luta da vida, os prêmios estão na ordem do dia e vão recompensar a batalha árdua que é, hoje, aqui, fazer teatro no Rio de Janeiro. Será? Ou não? Quem sabe? Lá vai suspense!
A lista dos indicados ao Prêmio APTR 2015 está completa, na segunda-feira saiu o bloco dos finalistas do segundo semestre, vale conferir abaixo os nomes. Intrigante: apesar da composição dos júris ser bastante variada, o resultado obtido nas diversas votações se aproxima. O que isto significa?
Um dado curioso – apesar das instituições promotoras diferentes, por vezes distantes umas das outras em vários graus, a identidade de cada premiação não apresenta marcas definidoras particulares. Não existe uma filosofia específica, um conceito objetivo, estruturando cada prêmio. As láureas são destinadas aos melhores em geral, assim definidos por comissões especiais, formadas por especialistas e por profissionais de diferentes perfis – são jornalistas, críticos, professores, profissionais da cena.
Os prêmios refletem, em boa medida, a configuração do mercado teatral brasileiro, ou melhor, carioca. Não existe uma linha nítida de separação entre o teatro profissional consolidado, estável, formal, e os segmentos de renovação da arte, mais, digamos, jovens. Numa observação geral, percebe-se um emaranhado de linhas e de circuitos na prática teatral cotidiana. Até mesmo na ocupação dos teatros a oscilação transparece – projetos de pesquisa de linguagem, invenção cênica, experimentação formal ou performance podem ser apresentados em teatros em que a rotina é a de trabalhos profissionais de corte mais institucional. Iniciantes e veteranos volta e meia cruzam a mesma cena.
A rigor, alguns poucos lugares teatrais afirmam uma orientação clara na escolha de repertório. Por exemplo: espera-se sempre dos espaços do SESC, com exceção do Ginástico, a aposta nas propostas experimentais. Mas, de repente, você pode encontrar um espetáculo de invenção no Ginástico. Ou deparar com um ato de puro comércio em alguma sala. A mesma orientação para o experimentalismo predomina no Sérgio Porto, do Município. Mas as diferentes salas da Rede da Prefeitura oscilam nas linhas escolhidas, do experimento ao profissionalismo frívolo, bem como os teatros do Estado. Neste último caso, o João Caetano é lembrado como palco para temporadas populares de grandes montagens, de múltiplos perfis, o Gláucio Gil flerta com a linha de experimentação, o Laura Alvim é imprevisível, enquanto o Villa permanece morto e insepulto. As casas suburbanas do Estado, nos distantes bairros de Marechal Hermes e Campo Grande, são transparentes, ou melhor, invisíveis, ninguém sabe nada a respeito, ninguém vai lá. O Imperator, do Município, guarda sintonia com a linha do João Caetano, volta-se mais para a divulgação de sucessos da temporada, além da programação musical.O SENAI parece que planeja desposar uma excelente política de definição de identidade, de apoio ao autor nacional, um belo casamento.
Nas casas federais, a ocupação, decidida a partir de editais, é sempre curta e os critérios de seleção, pouco claros; propostas amplas de trabalho, da formação à difusão de obras já encenadas, podem ser contempladas. Já os teatros particulares, de aluguel, sofrem com a superlotação e a variação considerável da orientação artística, ampla o bastante para abrigar tanto o projeto caça-níquel, como o fervor cultural ou a iconoclastia mais juvenil. Ou o honrado trabalho convencional, para muitos desqualificado sob o nome pejorativo de “teatrão” (pessoalmente, acho o nome ótimo, adoro, sem preconceitos!).
Nas casas particulares com vínculo institucional, como os teatros ligados à Oi, à Net, ao Bradesco e ao CCBBB, alguma especialização ou esboço de política cultural por vezes se insinua, mas a oscilação predomina. Assim, despontam nestes espaços a possibilidade de orientação para a invenção, a eleição do musical, a celebração da hipótese de um teatro de qualidade, em termos gerais, sem que tal possa ser assumido como um compromisso explícito ou uma linha contínua.
Neste cenário em que os teatros não se preocupam em ter alma e as peças saltitam num estranho balé desconexo desfilam os prêmios. Cada prêmio examina um panorama muito extenso de obras, todas as obras, sem restrições, sem distinção a priori do perfil artístico das propostas. Todas as cartas estão na mesa, tudo junto e misturado. Tanto pode levar o primeiro lugar o líder de um projeto de pesquisa mais avançado a respeito dos recursos da cena, como aquele outro projeto dedicado à invenção da linguagem ou o ainda o profissional consagrado devoto do culto mais requintado de sua arte. A grande produção comercial também pode entrar no foco, ainda que exista um preconceito velado no próprio meio da arte contra o teatro comercial, como se a classe pretendesse viver de luz ou de pura energia espiritual. A única exceção é o Prêmio Reverência Musical, voltado apenas para os musicais.
O resultado é uma espécie de salada carioca. Chegam à finalíssima grandes espetáculos, viabilizados por produções admiráveis, com elencos numerosos e cenas de impacto, ao lado de monólogos contundentes ou desnecessários e de montagens singelas, empreendimentos de grupos sólidos e propostas de quase amadores, de baixo custo, produções medianas independentes ou subsidiadas a peso de ouro, desvarios inventivos e invenções desvairadas. Grupos, empresas e indivíduos isolados têm a mesma chance. E o fato de um grande espetáculo chegar ao final com muitas indicações não significa que ele não possa ser derrubado pelo arrojo de um núcleo modesto de trabalho, que acabou convencendo na mesa dos jurados.
Para olhar a situação com muita franqueza, importa reconhecer uma sensível inclinação a favor do novo, da experimentação. O Brasil já foi o país dos jovens, do futuro, e talvez por conta desta esperança antiga tenha se desenvolvido aqui um desprezo mal disfarçado por tudo o que possa ser visto como “consagrado”. Ou velho, no dizer dos antagonistas. O que passou do frescor adolescente, acabou, mesmo agora, quando o país envelhece. Envelhecer é crime. Para fazer teatrão, aqui, é preciso ter coragem.
A tirania da juventude é sólida, para a felicidade dos cirurgiões plásticos e vendedores de botox. Então, uma razoável simpatia costuma envolver de saída o botoxcênico e o cirurgião de palco, pois muito do que se diz inventivo, hoje, foi bandeira dos anos 1960… Alguns dos proponentes originais já estão na terceira idade, foram para o Retiro ou morreram. E a sua irreverência, antiga, faz figura de revolução atual. É o palco distraído de um país sem memória.
Ou pior. Pode ser que a vida aqui, valendo tão pouco, tenha que ser celebrada sempre como coisa, sem apelo transcendental, pura acontecência rápida. Porém, fugaz e esperta, dotada de invenção, para se projetar. Aparecer. E logo desaparecer. Uma espécie de vanguarda de mercado, semelhante a carro alegórico de escola de samba, que provoca frisson, vontade de dançar, mas atua na superfície da sensibilidade, passa.
De toda forma, o suspense nos prêmios está no ar – façam as suas apostas. Apostas de intenção apenas, claro, pois além do jogo ser proibido no Brasil fora do poder do Estado, dinheiro é algo que anda escasso. Vale economizar, para caprichar nos trajes, pois a festa do Prêmio APTR promete. Vai acontecer no Imperador, dia 22 de Março. E vai derrubar uma outra antiga lei carioca, que tenta impor a Zona Sul da cidade como capital do luxo. Os seus seguidores não sabem nada do Méier, o diamante da Zona Norte. Quem viver, verá. E conhecerá, afinal, os Reis do Méier, vencedores do Prêmio APTR de 2015.
Melhor Direção:
Marco André Nunes, por “Caranguejo Overdrive”
Marina Vianna e Diogo Liberano, por “A Santa Joana dos Matadouros”
Charles Möeller, por “Kiss Me, Kate – O Beijo da Megera”
Melhor Ator:
Bruce Gomlevsky, por “Uma Ilíada”
Matheus Macena, por “Caranguejo Overdrive”
Renato Carrera, por “O Homossexual ou A Dificuldade de se Expressar”
Melhor Atriz:
Ana Paula Secco, por “O Pena Carioca”
Leticia Isnard, por “Marco Zero”
Melhor Cenografia:
Paulo de Moraes e Carla Berri, por “Inútil a Chuva”
Bia Junqueira, por “A Santa Joana dos Matadouros”
Bia Junqueira, por “Santa”
Melhor Iluminação:
Maneco Quinderé, por “Inútil a Chuva”
Paulo César Medeiros, por “A Santa Joana dos Matadouros”
Renato Machado, por “O Homossexual ou A Dificuldade de se Expressar”
Melhor Figurino:
Carol Lobato, por “Kiss Me, Kate – O Beijo da Megera”
Antonio Guedes, por “O Homossexual ou A Dificuldade de se Expressar”
Antonio Guedes, por “O Pena Carioca”
Melhor Texto Nacional Inédito:
Pedro Kosovski, por “Caranguejo Overdrive”
João Cícero Bezerra, por “Sexo Neutro”
Diogo Liberano, por “O Narrador”
Categoria Especial:
Bia Radunsky, pela curadoria do Espaço Sesc
Claudio Botelho, pela versão brasileira de “Kiss Me, Kate – O Beijo da Megera”
Claudio Lins, pela adaptação da obra de Nelson Rodrigues para o teatro musical
Melhor Direção Musical:
Nando Duarte, por “SamBRA, o Musical – 100 Anos de Samba”
Marcelo Castro, por “Kiss Me, Kate – O Beijo da Megera”
Marcelo Alonso Neves, por “Amargo Fruto – A Vida de Billie Holiday”
Melhor Ator em Musical:
José Mayer, por “Kiss Me, Kate – O Beijo da Megera”
Thelmo Fernandes, por “O Beijo no asfalto – O Musical”
Melhor Atriz em Musical:
Alessandra Verney, por “Kiss Me, Kate – O Beijo da Megera”
Laila Garin, por “O Beijo no asfalto – O Musical”
Melhor Espetáculo:
“Kiss Me, Kate – O Beijo da Megera”
“Caranguejo Overdrive”
“A Santa Joana dos Matadouros”
INTEGRANTES DO JURI APTR 2015: : Bia Radunski, Daniel Schenker, Gilberto Bartholo, Lionel Fisher, Macksen Luis, Patrick Pessoa, Rafael Teixeira, Reinaldo Ferreira, Rodrigo Monteiro, Tania Brandão.
PARA TER A LISTA COMPLETA:
Indicados do 1º semestre DE 2015:
Melhor Direção
Ana Teixeira por “Salina (A Última Vértebra)”
Daniel Herz por “Meu saba”
Marcio Abreu por “Krum”
Melhor Ator
Danilo Grangheia por “Krum”
Ranieri Gonzalez por “Krum”
Rogério Fróes por “Família Lyons”
Melhor Atriz
Ana Beatriz Nogueira por “Um pai (Puzzle)”
Grace Passô por “Krum”
Suzana Faini por “Família Lyons”
Melhor Espetáculo
“Krum”
“Meu saba”
“Salina (A Última Vértebra)”
Melhor Cenografia
Bia Junqueira por “Meu saba”
José Dias por “Eugênia”
Lorena Lima por “Consertam-se imóveis”
Melhor Iluminação
Aurélio de Simoni por “Meu saba”
Nadja Naira por “Krum”
Renato Machado por “Madame Bovary”
Melhor Figurino
Ana Teixeira e Stephane Brodt por “Salina”
Carol Lobato por “Bilac vê estrelas”
Patricia Lambert por “Madame Bovary”
Melhor Texto Nacional Inédito
Daniela Pereira de Carvalho por “Contra o vento”
Keli Freitas por “Consertam-se imóveis”
Leonardo Netto por “Para os que estão em casa”
Categoria Especial
Bruno Lara Resende pela adaptação de “Madame Bovary”
Marcia Rubin pela direção de movimento de “Krum”
Nei Lopes pela trilha original de “Bilac vê estrelas”
Melhor Direção Musical
Alexandre Elias por “S’imbora, o Musical – A história de Wilson Simonal”
Luís Filipe de Lima por “Bilac vê estrelas”
Marcelo Alonso Neves por “Contra o vento”
Melhor Ator em Musical
André Dias por “Bilac vê estrelas”
Ícaro Silva por “S’imbora, o Musical – A história de Wilson Simonal”
Melhor Atriz em Musical
Alice Borges por “Bilac vê estrelas”
Izabella Bicalho por “Bilac vê estrelas”
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