O teatro carioca e a cidade da festa
O ano acabou: adeus, 2018. A população carioca festeira não terá, ao que tudo indica, muitos motivos para comemorar o fim do ano. O programa mais consagrado dos últimos tempos, a Árvore da Lagoa, não dará o ar de sua graça. Não que o ilustre cone de luz chegasse a ser um acontecimento monumental, chave de ouro para fechar o ano. Mas sempre seria alguma coisa, o povo adorava. Era lindo ver as famílias passeando. Devia continuar!
O foco é simples e objetivo: o Rio, cidade sem grandeza industrial, precisa de grandes marcos de calendário para se impor como destino obrigatório, para os seus moradores e visitantes, estes, se possível, dispostos a gastar dólares por aqui. O Rio de Janeiro precisa se projetar com muita força como cidade cultural e, em consequência, potência turística. Precisa de eventos.
Se o Bradesco recuou do projeto da árvore, contra a qual eu, pessoalmente, não tinha qualquer restrição, mesmo ficando refém dos engarrafamentos, de carros e de pedestres, o Bradesco, tão amante dos musicais, poderia muito bem oferecer uma outra atração reluzente, digna de uma cidade maravilhosa. Poderia ser um Auto de Natal musical, um presépio vivo com show de luz, uma encenação que falasse de viver o Natal no verão, com cajus, pitangas, goiabas e abacaxis…
Não consegui apurar se teremos o Auto dos Arcos da Lapa, as fontes consultadas não souberam responder. Mas, que me perdoem os amigos da Zona Sul defensores do privilégio de ter este paraíso praieiro só para eles, penso que seria ideal ter um Auto da Lagoa ou de Copacabana, um evento cheio de luz, com meninos cantores, gambiarras e tudo o mais, para celebrar a cidade e o encontro dos cidadãos. Podíamos ter Missa Solene, com Bach ou Villa-Lobos.
Talvez alguns queiram sugerir a quinta da Boa Vista – mas, desde o incêndio do Museu Nacional, inaceitável, parece ser um equívoco pensar num evento de massa por lá. E, convenhamos, para ser um evento chave num calendário turístico-cultural, a Zona Sul é o lugar. O objetivo seria algo na linha das luzes de Gramado ou de Curitiba, acontecimentos já transformados em agenda fixa retumbante.
Sim, o Rio precisa de fatos culturais retumbantes – não apenas réveillon e carnaval, é pouco. O calendário precisa de ampliação. Para não dizermos que nada acontece e, assim, com este truque, evitarmos registrar um clima próximo àquele das cidades fantasmas, vale destacar um agito importante programado para a Barra da Tijuca.
Ok, eu sei, muita gente boa pensa que a Barra não é Rio de Janeiro, é território estrangeiro. Mas, até o momento, a vontade não manda na geografia, a Barra é nossa, vamos nos consolar com a festa deles, é o que há. E ao que tudo indica será uma festança para ipanemense nenhum botar defeito.
Vai ser a inauguração festiva, sábado 27 de outubro, às 19h, da árvore de Natal do Barra Shopping! Vale ir ver, sobretudo quem é da classe e ama o Rio, deseja ativar o sucesso da cidade, pois a cereja da noite será uma companhia de teatro. Italiana, è vero, porém, de teatro. A julgar pelos releases e bochichos, a Companhia Studio Festi vai assinar um auto de Natal mirabolante, daqueles para não esquecer nunca. Vale chamar de auto, pois a coisa terá um tom épico bem moderno, como acontecia com Gil Vicente.
O conjunto, sediado em Varese, tem 38 anos e realiza algo ao redor de 40 espetáculos por ano, todos na linha do feérico-surpreendente-inusitado. As apresentações não se repetem, são performances únicas, combinam alegorias gigantescas, jogos e efeitos de luz, bailarinos acrobatas, projeções, fogos de artifícios, trilhas sonoras originais para o evento, figurinos impactantes.
Adaptado ao Rio – os espetáculos da companhia sempre buscam sintonizar a atmosfera local – o show evocará a cidade, mas vai contar uma história adequada ao Natal, contemplando tanto a criação do mundo como o nascimento de Cristo. O objetivo é impressionar a sensibilidade do público, como se ele estivesse diante de uma linguagem de sonho.
Assim, não haverá uma estrutura convencional de espetáculo – as alegorias se moverão no meio do público, sobrevoarão o espaço, surgirão sem que se saiba ao certo de onde ou como, numa engenharia de forte impacto sensível. O fundador e diretor do conjunto, Valerio Festi, defende a proposta como se ela fosse uma festa, com o sentido exato de provocar um efeito marcante em quem tenha a oportunidade de acompanhar o trabalho, não importando o nível cultural da plateia.
Ao final, um anjo anunciará a iluminação da árvore de Natal, de 65 metros de altura, localizada no estacionamento do Barra Shopping próximo à Avenida das Américas. A árvore, criação do cenógrafo Abel Gomes, foi construída em 45 dias com materiais brilhantes e luminosos, para não ficar pálida sob a luz do sol. Uma programação musical intensa será apresentada como parte do evento comemorativo do fim do ano.
Considerando-se os dados, o que se pode pensar é a oportunidade deste tipo de celebração numa cidade como o Rio de Janeiro. Afinal, antes que existisse teatro no Rio, lá nos tempos da colônia, já se delineava o DNA da cidade como matriz de centro urbano festeiro. A partir das sugestões ou das imposições portuguesas, comemorava-se tudo, das festas reais às celebrações religiosas. Uma festa de barraquinhas ou uma procissão encantavam o jovem povoado e a mania ficou no sangue dos nativos.
Quem sai aos seus, não degenera, reza a sabedoria popular – não há motivo para que não honremos a herança. Se os italianos contam com antigos saberes requintados, desde o Renascimento e o Barroco, para a construção de máquinas de desfilar, cortejos, apresentações voadoras, nós, aqui, temos nossas fortunas. Vale pesquisar as velhas cenografias de desfiles, sem falar no saber das escolas de samba.
Já que o Rio tem, em potência, um pródigo calendário de festas, apresenta disposição para o sarau, conta com a simpatia dos turistas, o amor dos visitantes e um solene desinteresse pela ruína dos seus edifícios teatrais, a solução parece bem clara. Afinal, mais um teatro acabou de ser fechado, sem aviso nem preparação – o simpático Teatro Eva Herz, da Livraria Cultura – e nada aconteceu, nada se faz. Aliás, a livraria foi junto. E nada aconteceu, nada se faz.
Neste ritmo, a pegada está aí. Basta convencermos os políticos, as empresas e os mecenas de que o Rio tem uma solução fácil para a crise, deve se tornar a cidade das festas, sempre teatrais, para que sejam grandiosas, ofuscantes. Vários pontos podem receber tais celebrações – a Marina da Glória, a Copacabana alugada de sempre, a Barra da Tijuca, o Recreio, o Jardim do Méier, o Parque de Madureira.
Sob uma gestão rigorosa, artistas muito bem treinados, boa MPB, não vai sobrar para mais ninguém. O Rio de Janeiro de tornará a capital-festa do mundo. Que venha o Natal, o novo ano, por muitos e muitos anos – com uma visão assim otimista, temos um futuro nobre para o teatro e para a cidade, não precisamos ter medo do que pode vir por aí. Feliz 2019, portanto, e felizes todos os anos do belo porvir festivo que, se quisermos, se imporá.
Programação:
– Inauguração da Árvore de Natal do BarraShopping, 27/10/2018 – a partir das 18h.
– Atrações: DJ, a Banda Sinfônica do Corpo de Fuzileiros Navais, o balé aéreo da companhia italiana Studio Festi e queima de fogos.
– Domingos de novembro, às 19h, apresentações musicais.