Até que a iluminação nos una… no teatro!
No começo, espocou a luz. E tudo se fez concreto, palpável. Para quem ama teatro moderno, odeia o velho teatro do primeiro ator ou do exibicionismo direto, sem filtro, só existe teatro se a luz for criação sublime, poesia. A luz participa de uma mudança do estatuto da cena, ajuda a transformar a condição estética do ator.
Pois é. No velho teatro, luz era dar a ver. O teatro deixara de ser diurno, passara a ocupar as noites e convocou o que havia para dar projeção à imagem dos artistas. O que aconteceu? Uma trajetória de inventos simples, funcionais. Lampiões, luzes da ribalta, gambiarras, canhões, quem nunca ouviu falar?
A luz, na verdade, nos velhos tempos, era uma espécie de penumbra. Enfumaçada. Amante de incêndios, algumas vezes ela conseguiu que os teatros iluminassem a noite das cidades. Até que se chegou ao milagre da luz elétrica e a uma parafernália surpreendente de recursos. A luz se tornou requintado saber. Mas o processo aconteceu devagar, não foi um simples apertar de botão.
Por aqui, a coisa foi muito lenta. Segundo o universo de lendas do mundo do teatro brasileiro, o nosso grande mago da luz foi… Louis Jouvet (1887-1951). Até Ziembinski (1908-1978) aprendeu com ele! A frase causa urticária nos nacionalistas ferrenhos – irritados, eles reagem contra o francês, como se o velho Zimba fosse coisa nossa. É claro que ele veio da Polônia e viveu um teatro profissional mais iluminado do que o palco nacional, mas….
A França era a França – Sandro Polônio (1921-1995), outro grande nome da iluminação teatral brasileira, talvez o grande primeiro nome nativo da arte, confessou que entrava escondido no Theatro Municipal para ver o diretor Jouvet fazer a luz. E aprender. Neste tempo, ele trabalhou com Ziembinski, uma espécie de padrinho do jovem na arte, ainda que o rapaz fosse sobrinho de Itália Fausta (187?- 1951).
Anúncio da temporada de Jouvet no Municipal, 1942.
Qual o resultado desta ciranda? A encenação de Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues, de 1943, entrou para a história como um turbilhão revolucionário da luz. A direção de Ziembinski teria ousado no jogo cênico e até mesmo nos múltiplos efeitos de iluminação (aí, vamos combinar: alguém precisa pesquisar e fechar finalmente a conta dos tais efeitos de luz da montagem, pois cada um oferece um número). Ignoramos, em paralelo, as cenas de Jouvet no Municipal…
Vestido de Noiva, 1943.
Com certeza a transformação da luz no palco brasileiro só começou a ficar acelerada na década de 1950. Um discípulo de Sandro Polônio então foi aclamado graças à grandeza das soluções que criava – Flavio Rangel (1934-1988). Contudo, até os anos 1970 havia muita pobreza.
Quem for curioso deve visitar o Teatro Princesa Isabel, em Copacabana, de preferência quando Orlando Miranda estiver na casa, para ver as relíquias da história da luz teatral guardadas por lá – eram usadas na casa… Na escola de teatro – antigo Conservatório, atual UNIRIO – ainda na década de 1970, no curso de direção teatral, as moças não podiam fazer aula prática de iluminação. A resistência, uma engenhoca pesada e enorme, era movimentada numa caixa de água salgada, era preciso ter muita força física e, por motivos de segurança, ficar de sunguinha, então as meninas eram liberadas.
A listagem do folclore nacional existente ao redor da história da iluminação ocuparia uma enciclopédia, dos incêndios à pobreza de recursos. Nos anos 1980, quando fui curadora do Festival Latino de Nova Iorque, uma peça brasileira selecionada travou uma batalha acirrada com a produção do evento para levar o operador de luz nacional. O grande argumento era a complexidade da luz. Tratei de tentar explicar o problema para os gringos. Uma batalha.
Perplexos, eles acabaram cedendo – diante do mapa de luz enviado, eles achavam a reivindicação brasileira uma maluquice. Diziam que qualquer técnico local, lá, faria a luz programada de olhos vendados e de costas para a mesa, o que de fato aconteceu. Pois a luz proposta era, para eles, muito singela e era proibido pelo sindicato o trabalho estrangeiro na função técnica.
Outros dados hilários do descompasso nacional aconteceram com as idas dos brasileiros às lojas para comprar gelatinas. O brasileiro pedia “gelatina rosa” e entrava em espiral com a quantidade de tonalidades disponíveis. Outra surpresa estonteante foi o início da luz “computadorizada”, como se dizia, num tempo em que a informática no Brasil era estritamente limitada, por reserva de mercado, graças à ditadura militar…
Os tempos mudaram – hoje, a cena brasileira conta com vastos recursos e bastante potência criativa, a luz revoluciona o espaço. A lista de grandes iluminadores nacionais cresce a cada ano e o estudo da luz, além de contar com uma boa lista de textos especializados, se tornou algo muito além da função técnica, se afirmou como um estudo sofisticado da perceção humana.
Cena da peça, foto de divulgação.
A história da luz teatral e o intrincado de temas envolvidos com a atividade brotam intensos, como um foco insistente, diante do anúncio do espetáculo O Universo Está Vivo Como Um Animal, novo cartaz do CCBB Rio. O ponto de partida da montagem, assinada pelo grupo curitibano Rumo de Cultura, foi o desejo de estudar, através da obra do inventor Nikola Tesla, as relações entre arte, ciência, democratização da energia e inventividade humana.
A montagem, sob a direção de Nadja Naira, recorre à luz, principal elemento cênico, para transitar pelas ideias revolucionárias de Tesla. A dramaturgia, assinada por Diego Marchioro, Fernando de Proença e Nadja Naira, concebeu quadros imagéticos nos quais os atores manipulam lâmpadas fluorescentes, uma das invenções de Tesla, como agentes de cena.
Cena da peça, foto de divulgação.
Como se não bastasse a estrutura conceitual ousada, um outro passo adiante no debate acerca da iluminação acontece em cena, pois o desenho de luz da peça recebeu a assinatura preciosa de Beto Bruel, um dos maiores iluminadores do país. Vale sublinhar ainda um outro recurso forte para o adensamento da montagem, no sentido de sua iluminação interior – a música tema original do espetáculo apresenta Ná Ozzetti e Ney Matogrosso cantando juntos pela primeira vez.
Vale conferir: várias vezes o teatro jogou luz sobre inventores, cientistas e pesquisadores. No extenso rol de produções dedicadas aos grandes gênios, no entanto, não parece existir casos em que a própria matéria de estudo proposta tenha virado cena. Quer dizer, a materialidade genial ocupa a cena, no lugar da visão da pessoa genial.
De certa forma, a peça parece insinuar que o palco pode se transformar numa luz. Então só resta a nós, pobres seres sujeitos aos pequenos spots cotidianos, fugir da escuridão, correr para ver…
FICHA TÉCNICA:
O UNIVERSO ESTÁ VIVO COMO UM ANIMAL
dramaturgia – Diego Marchioro, Fernando de Proença e Nadja Naira
direção – Nadja Naira |
elenco – Diego Marchioro, Fernando de Proença, Edith de Camargo e Augusto Ribeiro
iluminação – Beto Bruel
preparação corporal – Carmen Jorge
trilha sonora – Edith de Camargo
cenário – Érica Storer e Angelo Osinski
figurino – Luan Valloto
coordenação de projeto – Diego Marchioro
direção de produção – Cindy Napoli
assistência de produção – Rebeca Forbeck
comunicação – Fernando de Proença
produção local (Rio de Janeiro) – Nely Coelho – Ginja Filmes
assessoria de imprensa (Rio de Janeiro) – Lyvia Rodrigues – Aquela que Divulga
idealização – Rumo de Cultura, Diego Marchioro, Fernando de Proença e Isabel Teixeira|
realização – Rumo de Cultura
Canção original O UNIVERSO ESTÁ VIVO COMO UM ANIMAL – letra Fernando de Proença – melodia Ná Ozzetti – arranjo e músico – Mário Manga – intérpretes – Ney Matogrosso e Ná Ozzet.
Sinopse:
O UNIVERSO ESTÁ VIVO COMO UM ANIMAL, terceira peça da quadrilogia Te(a)tralogia, da Rumo de Cultura, criada a partir de uma longa pesquisa sobre o inventor Nikola Tesla; sob o foco, questões da biografia e inventos do cientista. No palco, os atores montam a cena, manipulam lâmpadas fluorescentes e criam atmosferas para proliferar as palavras e ideias de Tesla.
SERVIÇO:
[TEATRO] O UNIVERSO ESTÁ VIVO COMO UM ANIMAL
Onde: Centro Cultural Banco do Brasil – Teatro I
Endereço: Rua Primeiro de Março, 66 – Térreo – Centro – Rio de Janeiro
Contato: (21) 3808-2020 | ccbbrio@bb.com.br
Quando: 01/06/2023 a 25/06/23
Dia/hora: quintas e sextas às 19h30;
sábados às 16h e 19h30
domingo – 18h
*Sessão com libras: sábado 24/06 às 19h30
Duração: 50 minutos
Capacidade: 172 lugares
Classificação: 12 anos
Ingressos: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia), emitidos na bilheteria física ou site do CCBB – bb.com.br/cultura
*Meia-entrada para estudantes e professores, crianças com até 12 anos, maiores de 60 anos, pessoas com deficiência e seus acompanhantes e casos previstos em Lei. Clientes BB pagam meia entrada pagando com Ourocard.
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Programação paralela da temporada:
O projeto oferece algumas atividades gratuitas:
Masterclass de Iluminação Cênica por Beto Bruel, no dia 02 de junho, às 17h, no Teatro I.
Exibição do documentário Te(a)tralogia, nos dias 04 e 18 de junho, às 16h, no Cinema II.
Sala de Escuta, dia 11 de junho às 16h, da áudio série PEOPLE vs. TESLA – peça elétrica para ondas de rádio.
[MASTERCLASS] ILUMINAÇÃO CÊNICA POR BETO BRUEL
Onde: Centro Cultural Banco do Brasil – Teatro I
Quando: 02/06/23
Dia/hora: sexta-feira, às 17h
Duração: 90 minutos
Capacidade: 172 lugares
Entrada: gratuita (retire seu ingresso 1h antes na bilheteria ou
no site bb.com.br)
Classificação: 12 anos
*A masterclass aborda a experiência de mais de 50 anos de carreira do iluminador Beto Bruel, um dos mais premiados e prestigiados do território brasileiro.
[DOCUMENTÁRIO] TE(A)TRALOGIA
Onde: Centro Cultural Banco do Brasil – Cinema II
Quando: 04 e 18/06/23
Dia/hora: domingos, às 16h
Entrada: gratuita (retire seu ingresso 1h antes na bilheteria ou no site bb.com.br)
Duração: 71 minutos
Classificação: 12 anos
Capacidades: 52 lugares
[SALA DE ESCUTA – ÁUDIO SÉRIE] PEOPLE vs. TESLA – Peça elétrica para ondas de rádio
Onde: Centro Cultural Banco do Brasil – Cinema II
Quando: 11/06/23
Dia/ Hora: domingo, às 16h
Duração: 40 minutos
Classificação: livre
Capacidade: 52 lugares
Entrada: gratuita (retire seu ingresso 1h antes na bilheteria ou no site bb.com.br)
*A peça sonora de ficção centrada na relação entre Nikola Tesla e Mensageiro, acontece em um quarto de hotel no final da vida do cientista. A ação “sala de escuta” oferece uma experiência coletiva que amplia o repertório do público em relação ao inventor.