A hora do amor
Responda rápido: o amor existe? Você tem, dentro de você, este sentimento? Se a resposta é afirmativa, a quem você ama? Existem múltiplos amores dentro de você? Ou você pensa como uma parte farta da esquerda, segue a ideia objetiva de que o amor, ópio requintado, é só uma ideologia banal para enquadrar os seres em procedimentos sociais retrógrados? Ou para obter prazer com lábia barata e sem esforço?
Arrepiou? Você ama de verdade? E o seu amor conhece matizes – amor fraterno, amor filial, amor amante, amor ao próximo, amor à arte, amor à vida, amor ao mundo, amor ao amor…? Como está a sua lista? Você acredita que hoje, aqui e agora, existem pessoas que amam o Brasil? Quais são os grandes amantes da pátria?
Sim, dá para fazer um exercício crítico rigoroso e olhar o mundo de frente, com isenção: perguntar o quê move os políticos brasileiros. Eles amam de verdade a própria mãe, os filhos, os contemporâneos, o próximo, o cônjuge? Eles amam o Brasil? Para os nossos políticos, a miséria nacional é algo para capitalizar, produzir uma horda de zumbis fiéis, ou é algo para erradicar? E a ignorância nacional?
O pensamento é urgente, às vésperas de eleições fervilhantes. O país vive uma crise devastadora e assusta que uma catástrofe tão profunda não tenha pai e mãe. Chocante. ë um pouco assim como o incêndio do Museu Nacional, por exemplo: ele segue sem que aqueles que estavam na gerência façam um mea-culpa sincero e reconheçam a sua profunda incompetência para conduzir aquele tesouro nacional perdido. E internacional: muitas das relíquias destruídas eram patrimônio universal.
E os incendiários deitam e dormem o sono dos justos. Errar não é problema, é humano; o problema é não assumir de frente os erros cometidos. Não pedir desculpas. Destruir um vasto tesouro histórico coletivo e não se retirar da cena é algo estranho.
Somos um país de filhos sem pai – talvez a saída possa estar na entrega da gerência da casa às mulheres, mas a mulheres que tenham inteligência e competência, que não sejam exemplares patéticos da extrema idiotia que, aqui e ali, povoa o território nacional. É preciso encontrar uma solução, uma cabeça capaz de liderar o país. Penso que o teatro pode ajudar.
Proponho aqui um exercício rápido de reflexão, para você situar o candidato eleito de seu coração. Coração? Não, não pretendo mudar o seu voto – o meu desejo é apenas contribuir para um jogo político mais denso, mais distante do jogo afetivo, mais perto da razão. Por isto falo em candidato do coração, quando a escolha do candidato devia ser obra da cabeça.
Sim, exatamente isto: sugiro consultar os seus sentimentos, dimensionar os sentimentos irradiados por seu candidato e, a partir daí, revestir a sua escolha não com afeto, mas com um jogo racional mais puro. Política de verdade, destilada. Como no tabuleiro o xadrez.
O ponto de partida é, portanto, o teatro. Já perceberam que o teatro é o lugar do amor social? Poucos teóricos escreveram a respeito, mas precisamos ampliar estes estudos – o teatro é quase um filhote de Vinícius de Morais, eterno enquanto dura. Ele acontece. E quando acontece, une, abraça, envolve, arrasta, arrebata, inebria, eletriza. E se vai: a luz acende, acabou.
O que aconteceu ali, no escuro? Um encontro. A sua alma foi sequestrada para um outro lugar, do amor e do belo. Banhou-se na fonte das energias puras primeiras. Foi convidada a se reinventar. Para voltar, ser a mesma, sem ser a mesma. Uma revolução sensível impossível de descrever.
Qual a grande consequência deste fato? Simples: para que se possa viver em sociedade, o teatro é gênero de primeira necessidade. Precisamos dele. Uma prova? Existe uma muito evidente, ao alcance dos seus olhos, a violência hedionda da sociedade brasileira. Ela prova: somos carentes de teatro. O teatro é a escola de humanidade que envolve a vida social e move os seres para uma dinâmica comum de encontro – quer dizer – amor, amor ao próximo.
E então? Você sabe o que o seu candidato pensa a respeito do teatro? O que ele deseja fazer com o palco? Com a cultura brasileira? Com a presença essencial do teatro na educação? O que ele pensa do amor? Procure saber e honre a sua opção de viver em estado de amor, se este é o seu caso.
Hoje, no Brasil, temos apenas duas instituições que honram o teatro com o ímpeto que a arte exige. Sim, existe o SESC, ativo, dinâmico, maravilhoso. Existem as tramas requintadas de São Paulo. Mas, de verdade, apenas duas instituições atinaram com a urgência de institucionalizar o teatro na alma da sociedade brasileira, de cima abaixo, mais além da acontecência do mercado.
O fato é este, não basta produzir e montar peças. É preciso instalar o mecanismo do teatro no subterrâneo da sociedade. Como? Foi a escolha feliz do Centro Cultural Banco do Brasil e da Firjan, esta em pareceria com o SESI.
O que eles fazem para merecer esta avaliação? Eles formularam procedimentos revolucionários de expansão da dramaturgia na sociedade brasileira. Pois, senhores, sem dramaturgia consolidada, teatro não há. Este é o ponto zero.
Ok, a sua escolha pode ser a performance mais histérica e descabelada, aquela nociva mesmo, que confunde arte/linguagem com expressão pessoal imediata, pode ser o culto da arte-agora, do teatro invisível e do improviso. Mas, mesmo nestes casos que fingem abolir ou ignorar a tradição, os procedimentos elementares da dramaturgia estão presentes, são essenciais: personagem, situação dramática, conflito, ritmo dramático, progressão da ação… enfim, situação de representação.
Assim, importa nesta semana pré-eleição avaliar esta dinâmica e definir uma visão política clara do tema – talvez uma nova realidade política possa trazer o teatro efetivamente para o papel que ele precisa desempenhar, pois a velha política, até hoje, não fez nada de significativo a respeito de. Não puseram o teatro no mapa da sociedade brasileira.
No Centro Cultural Banco do Brasil, esta será a semana de encerramento do interessantíssimo concurso nacional de dramaturgia Seleção Brasil em Cena. O objetivo é o de revelar novos talentos em dramaturgia, mas com um viés de formação. Textos inéditos são selecionados, são apresentados em leituras dramatizadas peculiares, nas quais diretores profissionais trabalham com atores-estudantes das escolas representativas da cidade.
Nesta edição, o projeto recebeu 418 textos de 17 estados e do DF. Foram 12 autores finalistas, com leituras dirigidas por Miwa Yanagizawa, Vinicius Arneiro e Rodrigo Portella, e atores-alunos da CAL, da Martins Pena, da PUC-Rio e da UNIRIO. Na próxima segunda-feira, dia 8, será anunciado o vencedor.
Com a consagração, mais uma etapa profissional, bem articulada, de um trabalho denso de instituição das práticas dramatúrgicas no teatro brasileiro, estará sendo fechada – a conclusão acontecerá com a montagem profissional do vencedor. É essencial que a revelação deste novo dramaturgo repercuta na cena nacional.
Já a iniciativa da Firjan/SESI apresenta o mesmo foco na dramaturgia, mas o conceito se inclina mais decididamente para a formação de novos autores. Assim, a Segunda Semana do Núcleo de Dramaturgia, que acontecerá esta semana, de 2 a 6 de outubro, no Oi Futuro Flamengo, significará o encerramento do ciclo da turma 2018. O público poderá conhecer as dramaturgias formuladas pelos 14 autores da turma, graças a duas encenações, quatro leituras dramatizadas e quatro performances.
Os trabalhos passaram a ser coordenados, a partir da edição de 2017, pelo curador, diretor e dramaturgo Diogo Liberano. A linha de trabalho atual – voltada para o incentivo ao debate mais amplo a respeito do fazer teatral – engloba a abordagem da escrita para o palco diante dos diferentes desafios contemporâneos – além da cena e a partir da cena, vale dimensionar o vídeo, os desafios históricos, a leitura, a performance.
A ocasião vai permitir também o lançamento da edição dos textos de turma de 2017, publicação da Editora Cobogó. A força da iniciativa aparece com maior clareza se observarmos que ela já tem uma história mais longa – e bem sucedida – em São Paulo. Esta quarta turma, por sinal, manteve um diálogo mais próximo com o Núcleo de Dramaturgia SESI-British Council, de SP, coordenado pela dramaturga Marici Salomão.
Lá, já se chegou à décima edição. Ainda este mês, do dia 16 ao dia 20, acontecerá o 10o. Ciclo do Núcleo de Dramaturgia SESI-British Council, no Centro Cultural Fiesp. Mas, para quem está no Rio e desejar participar, par obter mais informações sobre a oficina e seus procedimentos, vale acessar a página na internet ou fazer contato por e-mail (nucleodramaturgia@firjan.com.br).
Em resumo, o que importa é simples: se, para os poetas e para os homens sensíveis, ninguém vai chegar em lugar algum sem amor, providências urgentes precisam ser tomadas. Numa hora em que o país se perde num labirinto de autodestruição, vale espalhar o teatro por todo o solo, pois ele é a maior escola para cultivar o amor que a sociedade conseguiu inventar.
Seleção Brasil em Cena
site oficial é: www.selecaobrasilemcena.com.br
Ano de criação: 2006
Número de edições: 7
Espetáculos premiados com montagem (Rio, Brasília e Belo Horizonte): 11
Público (leituras, oficinas e espetáculos no Rio, Brasília e Belo Horizonte): 29 mil
Textos inscritos: 2018
Textos finalistas: 84
Leituras Dramatizadas (Rio, Brasília e Belo Horizonte): 132
Diretores: 31
Estudantes de teatro: 427
Oficinas de dramaturgia: 24
Dramaturgos ministrantes: 6
Cidades onde foram ministradas as oficinas: 23
Participantes das oficinas: 450
PROGRAMAÇÃO CCBB RIO
Local: Centro Cultural Banco do Brasil (Rua Primeiro de Março, 66 – Centro)
Informações: (21) 3808-2020.
Entrada franca. Distribuição de senhas uma hora antes.
Dia 06/10 (sábado)
Teatro I – Capacidade: 172 lugares.
18h – Florbela, de Regina Helena de Paiva Ramos. Direção de Rodrigo Portella. Classificação etária: livre.
20h – Vendaval, de Lucienne Guedes Fahrer. Direção de Rodrigo Portella. Classificação etária: 14 anos.
Dia 07/10 (domingo)
Teatro I – Capacidade: 172 lugares.
18h – Suindara, de Gilvan Balbino. Direção de Rodrigo Portella. Classificação etária: 14 anos.
20h – Final Feliz em Nova York, de Marcio Azevedo e Léo Nolasco. Direção de Rodrigo Portella. Classificação etária: 18 anos.
Segunda Semana do Núcleo de Dramaturgia Firjan SESI
OI FUTURO FLAMENGO
Rua Dois de Dezembro, 63 – Flamengo | Rio de Janeiro.
Telefone: (21) 3131-3060.
Entrada franca com retirada de senhas uma hora antes de cada atração.
Sujeito a lotação.
Classificação indicativa: 14 anos.
Terça-feira, 2 de outubro
17h – Lançamento das publicações da turma 2017 e conversa de abertura com Roberto Guimarães, gestor de cultura OI FUTURO e Antenor Oliveira, gestor cultural FIRJAN/SESI. Convidados: Cecilia Ripoll, autora de “Rose”; Francisco Ohana, autor de “Escuta!”; Fernanda Paraguassu, editora da Cobogó; Olga Almeida, autora de “O enigma do bom dia”. Mediação: Diogo Liberano, coordenador do Núcleo de Dramaturgia SESI Rio de Janeiro. (Teatro Oi Futuro).
20h – Encenação: “Parto”, de Isadora S. K. (autora turma 2018), direção Mariah Valeiras e atuação Laura Nielsen e Paula Furtado. (Teatro Oi Futuro).
Quarta-feira, 3 de outubro
19h – Performance: ação performática itinerante do Mossa – Núcleo de Pesquisa em Performance a partir de quatro dramaturgias compostas por autores e autoras da turma 2018. (Oi Futuro Flamengo).
Quinta-feira, 4 de outubro
17h – Conversa: “Dramaturgia para teatro musical” com Eduardo Rieche, Gustavo Gasparini e João Fonseca. Mediação de Diogo Liberano. (Teatro Oi Futuro).
20h\22h30 – Leitura: “XG28” de Alexandre Braga e “O Mundo vai acabar em merda” de Clarice Rios com a Multifoco Companhia de Teatro. (Teatro Oi Futuro).
Sexta-feira, 5 de outubro
17h\19h – Conversa: “Dramaturgia para teatro infanto-juvenil” com Pedro Henrique Lopes e Renata Mizhari. Mediação de Diogo Liberano. (Teatro Oi Futuro).
20h\22h30 – Leitura: “O eclipse do rosto” de Jonatan Magella e “é um crime dormir tranquilo nessa cidade” de Lane Lopes com o Coletivo Errante. (Teatro Oi Futuro).
Sábado, 6 de outubro
18h\19h – Conversa: o coordenador do Núcleo de Dramaturgia, Diogo Liberano, junto a autores das turmas anteriores, realiza uma conversa para aquelas e aqueles interessados em participar das futuras turmas do Núcleo. (Oi Futuro Flamengo).
20h\22h – Encenação: “Pedro”, de Felipe Haiut (autor da turma 2018), direção de Andrêas Gatto e atuação de Teo Pasquini.
Durante toda a Segunda Semana
Vídeo-leituras: no café do teatro do Oi Futuro Flamengo, gravações de dramaturgias de autores da quarta turma em leituras feitas por atrizes e atores convidados estarão em exibição.
Stand de vendas da Editora Cobogó: também no café do Teatro do Oi Futuro Flamengo, haverá um stand com as publicações da coleção “Dramaturgia” da Editora Cobogó para venda.
Ficha técnica:
Curadoria e direção geral: Diogo Liberano
Direção de produção: Breno Motta
Assistência de produção: Bernardo Lorga
Técnico responsável: João Pedro Meirelles
Filmagem e edição “Vídeo-Leituras”: Paula Diniz
Registros fotográficos: Rebeca Dourado
Assessoria de imprensa: Lyvia Rodrigues (Aquela que divulga)
Realização: Firjan SESI
Parceria: Oi Futuro
Tagged: Amor, British Council, CCBB, Diogo Liberano, FIRJAN, Marici Salomão, Oi Futuro do Flamengo, Seleção Brasil em Cena, SESI
A Praça Mauá é Nossa
Querem acabar com a Praça Mauá – quer dizer, querem acabar com a Praça Mauá que reina na alma da muy leal e histórica cidade de São Sebastião que habitamos. Cidade-poesia, cidade-sonho, cidade maravilhosa, o Rio de Janeiro lírico reconhece na velha praça, agora em transe para o futuro, um lugar mítico, berço histórico da cidade-lenda.
Muito desta atmosfera de inefável carioquice nasceu do porto, sem dúvida. Mas, reconheçamos, o Edifício A Noite, abrigo célebre da Rádio Nacional, assina a autoria de boa parte da trama de sedução que enredou a cidade, encantou o país e provocou o ciúme mais doentio de São Paulo, a capital febril fabril. Eles correram para fabricar algo mais alto! Mas o Rio era o Rio.