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A dor humana e a humana transformação 

A cena despojada sugere querer ser a casa da música.  Portanto, um abrigo poético para as almas necessitadas de arte. É tudo muito simples, direto. Paredes de tijolinho, de ar inglês, insinuação de janelas, instrumentos musicais, modestas cadeiras. 

Esta primeira impressão, quando se entra no teatro, foi construída deliberadamente, a partir da escolha de uma ambientação cênica inspirada no Preservation Hall Jazz Band, discreta casa de jazz em Nova Orleans. Logo a sugestão se confirma, mas sob uma tonalidade teatral inusitada.

Após a entrada dos músicos Rudá Brauns e Anderson Ribeiro, capazes de contemplar a plateia com um refinado fluxo musical, a voz potente, rascante e irresistível de Taty Aleixo estrutura a composição de um cenário-paisagem musical surpreendente. Reside neste ponto a originalidade maior do espetáculo: a construção de uma cena-música para oferecer um dos mais belos – se não for o mais belo – drama musical do teatro brasileiro.

Foto de cena, da divulgação.

A trilha respira o jazz, pura música negra americana, sob coloridos brasileiros discretos, porém bem oportunos – o suficiente para advertir a todos que muito da opressão americana vista no centro da ação também acontece aqui. Logo surge no palco a mais perfeita imagem da solidão humana e da dor intensa gerada por ferozes preconceitos racistas: a senhora  Joséphine Linc Steelson, “uma velha negra de quase cem anos”.

O papel, defendido por Sirlea Aleixo, é quase um ícone, uma materialização densa das lutas da população preta norte-americana contra o racismo e todas as suas sequelas bárbaras, de horrenda desumanidade.  A trama tem aparência simples: foi criada por Ana Teixeira e Stephane Brodt a partir do texto homônimo do escritor francês Laurent Gaudé. 

Ela focaliza o profundo abandono sofrido pela comunidade negra de Nova Orleans diante da furiosa devastação provocada pela passagem do furacão Katrina em 2005. Naquele momento, como sempre se fez ao longo da história recente, os pretos foram abandonados à própria sorte, solitários e sem recursos diante da fúria da natureza.

A senhora presente no centro da cena se impõe como uma força telúrica absoluta; ela encanta, comove, desconcerta, diverte, abraça, emociona… Oferece, digamos, um banho de emoção límpida, como se regesse as forças ancestrais básicas do universo, como se ela própria fosse uma força da natureza.

A proeza nasce do trabalho de interpretação sofisticadíssimo construído por Sirlea Aleixo. Bem mais jovem do que o papel, ela não se trai em cena em nenhum momento, não envereda pela caricatura e não consente durante toda a sua performance que a atenção da plateia se perca. O público hipnotizado oscila indefeso entre as ondas de emoção, entregue, nas suas mãos.

Não se trata do velho recurso da composição, um tipo de trabalho no qual o ator desenha as formas exteriores e físicas do personagem para decalcá-las, como se manobrasse um mecanismo de copiar e colar. Na composição, sempre há um tom mecânico, enrijecido. 

Bem ao contrário, Sirlea Aleixo incorpora a senhora Joséphine como se ela fosse uma entidade. E deixa a plateia entrever, no seu gesto, a sua entrega sem limites ao trabalho. Sobre a plateia, subjugada, paira uma identificação ilimitada com o desempeno corajoso da atriz.

Portanto, não perca: raras são as oportunidades aqui, hoje, para vivenciar uma peça de teatro tão artesanal, tão intensa e tão nobre. A direção de Ana Teixeira e de Stephane Brodt respira pesquisa e atenção profunda ao acabamento formal, consolida o perfil do Teatro Amok como teatro de artesanato requintado.

A marca aparece na luz, de Renato Machado, elegante desenho capaz de insinuar a tormenta natural e as tormentas interiores. Ecoa tanto no cenário e nos figurinos, assinados pelos diretores, como na direção musical, de Stephane Brodt, e ainda no trabalho dos músicos, grandes instrumentistas, e na excelência da trilha musical.

Ao sair do teatro do Espaço Cultural Sérgio Porto, você terá a grata sensação de ter vivido instantes sublimes na verdadeira casa do mundo. A casa que aparece em cena, afinal, sugere ser uma casa da música, insinua ter sido o lar abrigo da senhora Joséphine, mas foi apenas um lugar de arte privilegiado, devotado à iluminação maior do ser de cada um de nós no mundo. Ah, falando muito sério: corra, por nada da vida deixe de ver.

Foto de cena, divulgação.

Ficha técnica

Espetáculo: FURACÃO

Texto: Laurent Gaudé

Direção e adaptação: Ana Teixeira e Stephane Brodt

Elenco: Sirlea Aleixo (atriz), Taty Aleixo (atriz e cantora), Rudá Brauns e Anderson Ribeiro (músicos)

Iluminação: Renato Machado

Direção musical: Stephane Brodt

Criação e produção musical: Rudá Brauns e Anderson Ribeiro

Cenário e figurino: Ana Teixeira e Stephane Brodt

Operador de luz: João Gaspary

Cenotécnico: Beto de Almeida

Confecção de figurinos: Ateliê das Meninas

Assessoria de imprensa: Ney Motta

Direção de produção: Sonia Dantas

Produção executiva: Gabriel Garcia

Assistente de produção: Lucas Petitdemange

https://www.amokteatro.com.br

Serviço

Temporada de estreia do espetáculo FURACÃO 

Estreia nacional: 3 de agosto, quinta-feira, às 20h.

Temporada: 03 a 27 de agosto de 2023.

Local: Espaço Cultural Municipal Sérgio Porto

Rua Humaitá, 163, Humaitá, Rio de Janeiro

Telefone para informações: 21 2535-3846

Dias e horários: de quarta a sábado, às 20h, e domingos, às 19h.

Sessão extra: Dia 5 de agosto, sábado, às 17h.

Ingressos: R$30 e R$15

Duração: 70 minutos

Classificação: 12 anos

Circulação com apresentações do espetáculo FURACÃO e oficinas de “Treinamento Improvisação” – Programação gratuita

Dia 8 de setembro, sexta-feira

Local: Arena Carioca Fernando Torres

Rua Bernardino de Andrade, 200, Madureira, Rio de Janeiro

Telefone para informações: 21 3496-0372

Apresentação do espetáculo FURACÃO, às 18h.

Com debate após a apresentação.

Programação gratuita.

Dia 10 de setembro, domingo

Local: Arena Carioca Dicró

Rua Flora Lôbo, s/nº, Penha Circular – Parque Ari Barroso – Rio de Janeiro

Telefone para informações: 21 3486-7643

Apresentação do espetáculo FURACÃO, às 18h

Oficina “Treinamento Improvisação”, das 14h as 18h.

Programação gratuita.

Dia 11 de setembro, segunda-feira

Local: Museu da Maré

Av. Guilherme Maxwel, 26, Maré, Rio de Janeiro

Telefone para informações: 21 3868-6748

Apresentação do espetáculo FURACÃO, às 19h.

Oficina “Treinamento Improvisação”, das 14h as 18h.

Programação gratuita.

18 a 22 de setembro, segunda à sexta

Local: Casa do Amok Teatro

Rua das Palmeiras, 96, Botafogo, Rio de Janeiro

Telefone para informações: 21 2543-4111

Oficina “Treinamento Improvisação”, das 9h30 as 12h30

Programação gratuita.