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Feliz Ano Novo

“Eis aqui, diante dos senhores, um ano novo por inteiro, pronto para ser vivido. Um ano especial, pois algumas datas de 2019 são motivos decididos para grandes festejos. Assim como os dias passam sem parar, indiferentes aos sentimentos humanos, assim a arte de reconhecer os feitos do tempo não deve ser negligenciada: comemoremos.

 

A primeira grande promessa de festa, mais do que justa, vem de uma instituição dedicada à arte que, aqui no Rio, encantou a cidade: o Centro Cultural Banco do Brasil estará comemorando os seus trinta anos de atividade – um trintenário. Como o tempo passa célere independente de nós, vale desejar que muitos outros possam ser comemorados, marcados por extensa lista de realizações.

 

Não consegui fazer a lista completa das peças apresentadas no CCBB desde 12 de outubro de 1989, a data de sua inauguração. Numa visão panorâmica, dá para garantir que foram mais de 500. Ao lado do teatro, muitas outras realizações culturais ocuparam o espaço acolhedor aqui do Rio de Janeiro: exposições de artes plásticas, apresentações de música e de cinema, cursos, seminários, aulas…

 

Além disso, o Banco do Brasil organizou centros culturais em São Paulo, Belo Horizonte, Brasília, o que significa uma proposição de trabalho a favor da cultura brasileira de grande extensão. O mais curioso, nestes tempos tão tensos, é constatar que o CCBB atrai uma população muito ampla, muito variada, uma garantia de que a difusão cultural pretendida é uma prática efetiva, muito concreta.

 

Não sei se há no Rio um lugar de cultura com voltagem maior do que o CCBB. Sinto sempre um prazer imenso quando perambulo pela casa e constato a felicidade de famílias inteiras, suburbanas, extasiadas diante de obras de grande arte. Fico comovida quando vejo no teatro pessoas comuns – sim, é para elas que o teatro é feito – compenetradas diante das ousadias, novidades e visões de mundo doadas pelo palco. O CCBB sabe da sua missão.

 

Para comemorar o aniversário, a instituição já está divulgando três propostas teatrais mais do que dignas de atenção, projetos culturais densos, na extensão do conceito. São trabalhos em que predomina o pensamento sobre o humano e sobre a linguagem da arte.

 

O primeiro, Rio 2065, a estrear logo agora em janeiro no Teatro 1, é a mais nova montagem da Companhia Os Dezequilibrados, que completa 20 anos de existência. A escolha é uma comédia, o tema é a cidade no seu quinto centenário, mas o objetivo da trama é uma avaliação crítica do Rio, do século XVI ao presente e ao futuro. A direção é de Ivan Sugahara e o elenco conta com Ângela Câmara, Cristina Flores, Letícia Isnard e José Karini.

 

Também em janeiro, no Teatro 2, começará temporada um solo de Vinicius Piedade, Cárcere, depois de viajar pelo exterior e pelo país. A peça, com direção do ator, focaliza o impasse vivido por um pianista que, num cárcere, se torna refém de uma rebelião dos presos. A discussão parece ser bastante sintonizada com uma das crises humanas mais rascantes da nossa sociedade.

 

E no Teatro 3 chega ao público a montagem do texto Solo, vencedor da oitava edição do Seleção Brasil em Cena, o projeto do CCBB de incentivo à dramaturgia. O texto é de Fabrício Branco, com direção de Vinicius Arneiro. No elenco, Kadu Garcia, Jansen Castellar, Alliny Ulbricht e Barbara Abi-Rihan.

 

O resumo da trama desperta a curiosidade – sob o foco, está um homem, moldado pela morte, cujo único afeto que recebeu em vida foi o amor à terra. A sinopse por si só já anuncia um debate impactante – vale conferir.

 

Aliás, talvez este seja um bom momento para o CCBB batizar os teatros da casa em homenagem a grandes atores que colaboraram para escrever a história cultural do espaço. O Teatro 1 poderia se chamar Sergio Britto, o Teatro 2 poderia ser dedicado a Beatriz Segall. Para reconciliar o Rio com uma das suas maiores atrizes, o Teatro 3 poderia ser nomeado em homenagem a Marília Pêra, já que a casa com o seu nome fechou.

 

Em síntese, o novo ano deverá ter bem clara esta marca: gratidão, reconhecimento, homenagens. Nenhum outro tom pode ser mais propício quando a atmosfera de crise se torna o lugar em que se vive. O reconhecimento importa para destacar a importância da Lei Rouanet de incentivo à cultura. É urgente mostrar tudo o que de significativo já se construiu a partir dela. E tudo o que se poderá fazer. O mercado teatral brasileiro – e o carioca é prova inconteste – não tem densidade para sobreviver sem incentivo. Várias áreas são críticas.

 

Por exemplo – o ano mereceria um grande musical em honra a Jackson do Pandeiro, para celebrar o seu centenário e para ressaltar a sua incrível potência musical. Mas um espetáculo deste porte não acontece sem incentivo fiscal, pois a bilheteria é insuficiente para cobrir os custos. Alguém da dimensão de Jackson do Pandeiro não pode ser esquecido. A Lei deve ser usada para isto.

 

E muito mais, sem dúvida. Muitas outras festas também podem ser organizadas. Aliás, tudo indica que o Rio, hoje, só pode contar com a indústria das festas, as outras faliram. Então, festejemos. Há um outro centenário pretexto para uma festa borbulhante, que o Rio deveria bancar – logo agora em fevereiro – será o centenário do nascimento de Mara Rúbia, esfuziante vedete.

 

Aliás, na praia do musical, do rebolado e das pernas nuas, 2019 tem fôlego – em junho, será o centenário de nascimento de Offenbach, de certa forma o músico de teatro que inventou as francesas do Rio de Janeiro… Alemão, judeu, músico de sinagoga, ele se tornou músico dos teatros populares e dominou a França. Logo, suas canções, alicerces de operetas e revistas, ganharam o mundo.São irresistíveis: quem nunca ouviu Offenbach ou ouviu e não se encantou, corte as orelhas.

 

Tudo bem, há a oposição. Nem sempre a oposição é obtusa ou deve ser calada. Pessoalmente, acho que a oposição é uma luz, uma benção, duvidar é saudável. Ela deve ter acesso ao livre uso da palavra. Assim, quem ainda for contra o tro-ló-ló, não deve se afligir – será também o ano da Bauhaus, a arte construtiva, cerebral, escola que poderia ser bem oportuna por aqui. Conhecemos muito pouco do teatro da Bauhaus, algo bem distante do nosso barroquismo. Poderia vir da Alemanha uma celebração.

 

De mais, fica o bom humor: na certa ele será necessário este ano, em que cabeças raivosas e espíritos turvos andam soltos, dispostos a infernizar a vida dos alegres. Nós, os alegres, juntaremos energia para, em novembro, festejarmos o centenário de nascimento da doce Eva Todor, um exemplar de alegria de viver raro de se encontrar.

 

Portanto, eu desejo que o seu ano teatral 2019 seja assim: Eva Todor. Ou a certeza de que a vida é uma luz, deve iluminar os dias, combater as trevas e fazer a existência feliz. Vivida assim, ela vale a pena.

 

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