O rei e o testamento de Adão
Não, ele não é o rei do meu coração. Mas… não posso mentir – Francisco I (1494-1547), rei da França, me seduziu desde o nosso primeiro encontro, nas páginas de um velho livro de História. Fiquei encantada diante de sua declaração, contra os reis de Portugal e Espanha. Na frase célebre, ele declarou desconhecer o testamento de Adão, a favor dos reis ibéricos, no qual ele teria sido deserdado.
Certamente você aí, que está agora diante desta confissão amorosa tão íntima, passou por este episódio. Não sei qual foi a sua reação. Os dois monarcas, líderes das grandes navegações, assinaram o Tratado de Tordesilhas, em 1494, e dividiram o globo ao meio.
Sempre achei o ato de uma petulância absurda – como assim, dividir o mundo e levar para casa? Portanto, quando soube do francês tinhoso, autor presumido de uma bela tirada de espírito, desconfio que virei francesa. Simples assim.
É claro que os piratas, corsários, flibusteiros e entrelopos franceses foram herdeiros desta frase célebre. Pois eu não consegui nunca condená-los, no fundo da minha alma – até mesmo Duclerc e Duguai Trouin mereceram a minha secreta simpatia.
Sim, eu sei que eles assaltaram a cidade e não eram exatamente pessoas gentis. Sim, eu suponho que poderia ter algum ancestral meu vagando por aqui na ocasião e com certeza o meu parente seria candidato a bucha de canhão. Pois, apesar do meu amor inocente pelo rei, ostento um puríssimo sangue plebeu: o meu antepassado seria daqueles bons para ser jogado na linha da frente de tiro, sem piedade. Afinal, o rei de França nunca soube do meu afeto. Aliás, por esta época, ele já estava bem morto e, segundo certas línguas ferinas, fora encerrado no ponto mais profundo do inferno. Portanto, nada de pistolão ilustre.
Pois o afeto apareceu de novo diante de mim de repente, por estes dias. Num momento de distração, passei os olhos pelo noticiário e constatei como a humanidade está longe de Adão e perto de Tordesilhas, cultiva a mania de dividir a Terra e pensar que é para levar para a casa. Cheguei à conclusão de que até o meu herói romântico devia ser visto como um predador da vida natural…
A notícia que me pegou foi um vídeo do youtube. Acompanhei uma notável fala de Ailton Krenak. Recomendo vivamente a busca de suas palestras. São aulas de vida indescritíveis. Tudo o que nos habituamos a pensar ou ouvir a respeito dos nossos indígenas aparece revirado, como um mundo novo. Palavras fetiche acalentadoras – como ecologia – despencam do seu pedestal de aparência progressista.
Até mesmo a noção de reserva indígena, à qual sempre me apeguei, merece reflexão. A forma como pensamos a vida, o mundo, tudo assume um novo sentido. Estou me programando para ler os seus livros. De repente, um olhar novo muda tudo ao redor, espana a poeirada antiga que, distraídos, deixamos assentar. A alma se revigora.
Não sei se estamos vivendo um momento de mudanças tão profundas quanto aquelas que sacudiram o mundo nos tempos de Francisco I, D. Manuel, Fernão de Aragão, Isabel de Castela. Mas a sensação de que a vida está girando, girando rápida, não me abandona.
Em um ano, vi a minha vida cotidiana virar de ponta cabeça. O hábito de ver teatro, estudar teatro, pensar teatro recebeu um safanão digno de monarca francês: o teatro desapareceu. Sim, ele continua em cartaz nos livros, nas gentes e nas redes virtuais, em busca de uma forma para permanecer.
Tenho a certeza clara, cartesiana, de que permanecerá. E se ampliará. As coisas que tenho visto na tela do computador, que alguns amigos relutam para aceitar, recusam chamar de teatro, defendo vivamente como formas teatrais. Algumas são incipientes, outras mais ousadas.
Elas não são, com certeza, nem televisão, nem cinema, nem webês ou internetês. Há uma intensidade expressiva, uma busca de comunicação imediata, um encadeamento da ação que eu ouso definir como teatrais. Vale o debate, penso.
O fato de negar a possibilidade de reconhecimento destas formas como teatrais não vai deter – como o Tratado de Tordesilhas não fez lá no calor das navegações – o fluxo dos sonhadores, desbravadores, piratas e aventureiros da cena. As criações não param, se interconectam, invadem praias vizinhas e terras estrangeiras.
Para quem é curioso e é amante da arte, importa preparar o coração. E o cérebro – vem bastante debate por aí. Nesta sexta-feira, uma websérie teatral vai estrear, Farol de Neblina.
A direção é da excelente Yara de Novaes, em colaboração com a cineasta Clarissa Campolina e a diretora de fotografia Wilssa Esser. O trabalho, que contará com os atores Fafá Rennó e Leonardo Fernandes, é uma adaptação da peça Neblina, de Sérgio Roveri. O texto esteve em cartaz no CCBB-BH, mas a circulação para outras capitais foi bloqueada pela pandemia.
A ação – desenvolvida em quatro episódios – focaliza o misterioso encontro de um casal sob um clima de suspense, numa casa sem vizinhos, cercada de neblina. Cada episódio estreará às sextas-feiras, este mês, com transmissão gratuita pela internet até junho.
A idealização do trabalho, assinada por Leonardo Fernandes e Tatyana Rubim, pretende caminhar para um território híbrido, uma solução em que a teatralidade dialoga com a linguagem de cinema e das construções visuais. Além das apresentações, estão programados debates, forma encontrada pela equipe para ampliar a repercussão do trabalho.
A mesma busca pela transformação da linguagem teatral também mobilizou uma companhia teatral paulista célebre – a Cia BR 116, que está completando 10 anos. Neste caso, a peça escolhida, Medeia, de Consuelo de Castro, seria encenada em formato convencional em 2020.
Com o projeto suspenso, a continuidade do trabalho surgiu através da opção de misturar teatro e cinema. O resultado, para a equipe um teatrofilme, poderá ser conferido a partir do próximo domingo, no Canal da BR116 no YouTube.
Segundo Gabriel Fernandes, diretor do trabalho, a intersecção entre teatro e cinema surge de uma forma curiosa, intensa, a partir do foco na dramaturgia e nos atores.
Bete Coelho, diretora e atriz da Cia, ressalta o fato de a equipe ter conseguido encontrar soluções cênicas surpreendentes, lidando de frente com a adversidade do momento. O desafio, depois da montagem anterior, grandiosa, de Mãe Coragem, de Brecht, com um grande elenco e plateias enormes, sugere a possibilidade, para o conjunto, de se reinventar.
A rigor, um convite apaixonante surge das duas propostas – o reconhecimento da vitalidade da arte, da sua possibilidade de refazer os seus códigos, mesmo diante de um cenário de apagamento hostil.
De certa forma, é como se o teatro tivesse a inteligência do soberano francês, capaz de refutar os poderes estabelecidos e afirmar a sua decisão de agir. Afinal, não existe um testamento de Adão negando ao teatro o direito de acontecer como presença inefável, online, graças ao namoro com as artes do cinema…
FAROL DE NEBLINA, DE SERGIO ROVERI
Ficha técnica
PATROCÍNIO: Banco do Brasil / CO-PATROCÍNIO: Livelo / TEXTO: Sérgio Roveri
ELENCO: Fafá Rennó e Leonardo Fernandes/ Stand in Fafá Rennó: Raquel Lauar
EQUIPE ARTÍSTICA NEBLINA: Idealização: Leonardo Fernandes e Tatyana Rubim / Direção: Yara de Novaes/ Direção de Produção: Tatyana Rubim/ Cenário: André Cortez/ Trilha Sonora Original: Dr Morris/ Luz: Wagner Antônio/ Preparação Corporal: Eliatrice Gischewski / Figurino: Ivana Neves e Leonardo Fernandes/ Assistência de Figurino: Daniela Nogueira/ Assistência de Direção: Daniel Faria/ Estagiário de Direção: Cadu Cardoso/ Aderecista: Marcelo Andrade/ Operador de Som: Vinícius Alves/ Operador de iluminação: Daniel Bolara/ Assistente de Palco: Marcos Oliveira Alves/ PROGRAMAÇÃO VISUAL: Projeto Gráfico: Estudio Ofício (Tiago de Macedo)/ Fotografia do Projeto Gráfico: Alessandra Nohvais / Revisão de texto: Isadora Troncoso
ASSESSORIA DE IMPRENSA EM BELO HORIZONTE: Luz Comunicação . Jozane Faleiro / REALIZAÇÃO, PRODUÇÃO E ADMINISTRAÇÃO: Produção Executiva: Jhonathan Nicoletti Equipe Rubim Produções: Sônia Branco Cerqueira, Bárbara Amaral, Juliana Peixoto, Mariana Angelis e Letícia Leiva
EQUIPE ARTÍSTICA FAROL DE NEBLINA: PATROCÍNIO: Banco do Brasil / CO-PATROCÍNIO: Livelo / TEXTO: Sérgio Roveri e Clarissa Campolia / ELENCO: Fafá Rennó e Leonardo Fernandes / Direção: Clarissa Campolina e Yara de Novaes / Assistente de direção: Paula Santos / Diretora de Fotografia: Wilssa Esser / 1ª assistente de de câmera: Fernanda de Sena / 2ª assistente câmera: Ceres Canedo / Logger: Daniela Cambraia / Travelling: Luciano Lopes / Luz: Daniel Bollara, Wagner Antônio e Wilssa Esser / Captação de Som direto: Gustavo Fiorante / Captação: Vinícius Alves / Produtora de Objetos: Mariana Rocha / Cenotécnico: Marcos Oliveira / Contrarregra: Marcelo Andrade / Direção de Produção: Rubim Produções / Produção de Set: Luna Gomides / Montagem: Paula Santos / Cor e finalização: Sem Rumo – Projetos Audiovisuais / Desenho de som e mixagem: DR Morris / Catering: Fatinha / Preparação Corporal: Eliatrice Gischewski / Figurino: Ivana Neves e Leonardo Fernandes / PROGRAMAÇÃO VISUAL: Projeto Gráfico: Estudio Ofício (Tiago de Macedo)
Serviço
Local: Os episódios serão transmitidos pelo site www.espetaculoneblina.com.br
Temporada: de 05 de fevereiro a 01 de março de 2021.
Apresentações: Sextas, sábados e segundas, às 20h, e domingos, às 19h
Os episódios estreiam às sextas-feiras, um por semana.
Depois do dia 01 de março todos os episódios ficam disponíveis de sexta a segunda, até 30 de junho.
Acesso: gratuito, mediante retirada de ingressos no site www.espetaculoneblina.com.br.
Duração: 18min cada episódio.
Classificação indicativa: 12 anos.
Atendimento à Imprensa: Ney Motta.
MEDEIA, DE CONSUELO DE CASTRO
Ficha Técnica:
Texto: Consuelo de Castro
Direção: Gabriel Fernandes e Bete Coelho
Elenco: Bete Coelho, Luiza Curvo, Michele Matalon, Roberto Audio, Flavio Rochaa e Matheus Campos.
Fotografia: Gabriel Fernandes
Consultor de fotografia: Inti Briones
Operadora de luz: Sarah Salgado
Direção de Arte, Cenografia e Figurino: Cássio Brasil
Assistente de Direção: Theo Moraes
Assistente de cenografia e cenotécnico: Murillo Carraro
Câmera: Cacá Bernardes e Gabriel Fernandes
Edição: Gabriel Fernandes
Finalização: Bruna Lessa
Direção Musical: Felipe Antunes
Assistente de Direção Musical: Fábio Sá
Músicos: Fabio Sá, Felipe Antunes, Otavio Carvalho, Allan Abbadia, Guilherme Held, Marcelo Bonin, Sergio Machado, Victória dos Santos e Wanessa Dourado.
Música Original: Felipe Antunes e Fábio Sá
Voz na canção final: Tulipa Ruiz
Som direto: Carina Iglecias
Finalização de áudio: Otavio Carvalho
Diretor de Set: Murillo Carraro
Projeções: Ivan Augusto Soares
Assistentes de projeção: Igor Marotti e Kael Studart
Técnico de Iluminação: Alexandre Simão de Paula
Confecção do esqueleto: Walkir Pedroso
Caracterização Creonte: Gabi Moraes
Produtora de figurino: Patrícia Sayuri Sato
Costureiras: Salete Paiva e Keila Santos
Diretor de Comunicação: Mauricio Magalhães
Estratégia Digital: Fabio Polido e Rodrigo Avelar
Programação visual: Celso Longo _ CLDT
Assessoria de Imprensa: Pombo Correio
Foto Still: Roberto Audio
Assessoria jurídica: Olivieri Associados
Tradução para o inglês e espanhol: Marcos Renaux
Produção em Pernambuco:
Câmera e fotografia: Tarsio Oliveira
Atriz: Mikaely Menino
Co-produção: Oficinas Culturais Oswald de Andrade
Direção de Produção: Lindsay Castro Lima e Mariana Mantovani
Realização: Cia BR116
AGRADECEMOS A TODA EQUIPE DA OLIVIERI, EM ESPECIAL A Cristiane Olivieri, Alberto Pellegrini, Bruna Manholer, Bruno Delfino, Caroline Tavares Fiore, Carol Garcia, Lays Costa, Lenora de Castro Negrão, Natalia Rollemberg, Willian Galdino.
Agradecimentos: Acauã Sol, Ana Carolina de Castro, Casa da Cultura de Tuparetama, Cristina Mutarelli, Daniela Tocci, Danilo Santos de Miranda, Diego Machado, Domingos Varella, Edcarlos Santos Souza, Edna Rosa, Fernando Marques, Flávio Lima, João Sobrinho, Juliano José dos Santos, Kim Matalon, Marcelo Bonin, Maria Gilda de Oliveira Nery, Nelson Fonseca, Pedro de Castro Venceslau, Sueli Pecci,Ricardo Bittencourt, Rosana Cunha, Tânia Weber, Teatro Municipal Manuel Filó, Vanuzia de Carvalho, Viviane Monteiro e Zoe Matalon.
Agradecimentos Especiais: Annick Matalon, Clara Morgenroth, Cristiane Olivieri, Inti Briones, Luiz Frias, Mauricio Magalhães, Michele Matalon, Muriel Matalon, Roberto Burstin e Valdir Ravaben.
SERVIÇO
Temporada: 7 de fevereiro a 12 de março de quarta a sábado às 20h e domingo às 18h.
Horário da estreia: 7 de fevereiro, domingo, às 20h
Onde: Canal da BR116 no YouTube
Classificação: 18 anos
LIVROS PARA LER: