Esse cara, é ele!
Se alguém tem alguma dúvida a respeito da popularidade de Roberto Carlos, há uma forma simples para verificar a voltagem do sucesso do artista: basta ir a uma coletiva do Rei, no Projeto Emoções em Alto Mar, atividade aberta aos fãs, como a que aconteceu ontem, quinta-feira, no navio Costa Favolosa, ancorado no Pier da Praça Mauá. A oportunidade é preciosa para contemplar a trama afetiva densa que enovela o artista e um número incontável de admiradores – uma rede fina, resistente, de muito afeto, envolve tudo. O infinito do desejo povoa os olhos, como se o encontro fosse a atualização de uma identidade construída carinhosamente ao longo do tempo.
A composição da sala, contudo, é bem híbrida: convivem no espaço veteranos do amor, amantes antigos, novatos, passageiros fugazes ou eventuais, surfistas arredios, testemunhas carinhosas e até alguns projetos de heresia, cujos anseios rebeldes são logo vencidos. O que está em pauta é um caso de amor consolidado – talvez até certo ponto platônico, no sentido popular do termo, mas é sem dúvida um caso de amor. E o amor, todo o mundo sabe muito bem, é mestre na arte do contágio: chegou perto, pegou a febre.
Lotado, o auditório do teatro reuniu jornalistas dos mais variados veículos nacionais e até do México – situação que determinou a formulação de uma pergunta sobre a possibilidade do projeto acontecer em águas mexicanas, caribenhas ou circunvizinhas. Este é o sonho de muitos amantes das belas praias cristalinas ao norte e, segundo Roberto Carlos e Dody Sirena, empresário diligente presente ao encontro, uma possibilidade futura bastante passível de virar realidade. A materialização do projeto depende de negociações – o financiamento para a programação internacional exige muitas articulações.
Portanto, o leque de temas abertos na tarde ensolarada teve a amplidão do oceano. Uma sinuosa regência, porém, governou o andamento. A experiência da coletiva compartilhada com o tsunami de amor dos fãs, para os jornalistas, é bastante peculiar. Até mesmo no desenho da arquitetura a situação é digna de nota – na plateia, no centro, em situação frontal com o entrevistado, os jornalistas, e ao redor e nos balcões estava o elenco generoso de fãs. Portanto, o que soava do centro, reverberava em volta, como se fosse uma inusitada câmara de eco, uma forma afetiva de sonar.
Neste formato, o coletivo da imprensa figura envolvido pelo coletivo de fãs. Apesar das regras de comportamento, anunciadas de saída por Eri Johnson, divertido com a presença maciça de mulheres na plateia, sugerirem sobretudo uma impensável contenção das emoções, a reação do povo foi sempre forte a cada pergunta considerada expressiva.
Sim, sem dúvida, o efeito maior foi provocado pelos temas que rondaram a intimidade do coração do cantor, cuja situação afetiva, no momento, provoca especulações, suspiros e inquietude. Após a coletiva, em rodinhas discretas espalhadas no deck programado para o lanche da tarde, as fãs mais devotadas sustentavam versões – por vezes relatadas com bastante veemência – a respeito das possíveis atuais amadas do artista. O surpreendente é a persistência do plural nos diferentes relatos, escolha que denota, no mínimo, uma grande generosidade de afeto compartilhado.
Ao que tudo indica, o plural persegue o astro no momento. Uma das perguntas de sucesso da tarde foi muito direta – a jornalista quis saber se o cantor considerava possível amar duas pessoas ao mesmo tempo. Com astúcia, o rei garantiu que perguntara uma vez algo a respeito a um estudioso da alma humana e a resposta teria sido afirmativa. Mas, no entanto, entendia que a pergunta poderia ser melhor esclarecida se fosse feita a Mr Catra. Os risos foram automáticos.
Roberto Carlos não demonstra nenhuma hesitação diante do desafio de conversar com tantas vozes. Favorecido pela atuação de uma excelente assessoria de imprensa, profissionais nomeados por um jornalista presente no encontro como “os meninos de ouro Maurício Aires e Rogério Alves”, senhor de uma longa trajetória de convivência com diferentes veículos e apoiado por uma massa fiel de admiradores, ele dominou a coletiva com muita desenvoltura, foi soberano, comandou os fluxos de razão e emoção sem tremer no tombadilho.
Com humor, delicadeza e habilidade, enfrentou as perguntas com disposição. A franqueza se impôs como ordem natural, mesmo que, a rigor, a sua principal qualidade tenha sido muito mais a espontaneidade simpática, apta para esconder alguns pontos em foco sob respostas evasivas inteligentes. Na verdade, ele não perdeu nenhuma chance para demonstrar a sua extrema simpatia. Decididamente, ele mostrou que é o cara: senhor de uma identidade pública encantadora.
O curioso é ver que esta forma irresistível de ser singra ondas revoltas sem qualquer abalo. Um exemplo? Existe uma ansiedade mal disfarçada no ar por um novo disco de inéditas, notícia que todos – jornalistas e fãs – adorariam receber. Mas a falta de uma resposta positiva não produziu nenhuma onda-caixote, não derrubou o ânimo de ninguém. Apesar de ainda não poder anunciar o novo disco de inéditas, prometido faz tanto tempo, Roberto Carlos anunciou o próximo lançamento do disco em espanhol e acariciou os corações com a hipótese de que o de inéditas possa sim estar perto de se tornar fato, com músicas novas começadas ou esboçadas, embora tal presente não esteja programado para este ano.
A temperatura ferveu com a pergunta sobre as condições atuais para a aproximação com as mulheres, neste tempo de denúncias de abusos e de repúdio ao assédio, atos negativos relativizados com as ponderações de Catherine Deneuve. Uma jornalista perguntou se ficou mais difícil chegar perto das moças – um tema incandescente, bom para provocar um redemoinho nos corações.
O galã hábil de imediato se revelou. Observou, para delírio do público, em especial para a parte feminina, que o cara que entende de mulher sempre sabe chegar de uma forma não agressiva, com atitude agradável para a musa escolhida. Ainda a respeito do assunto, ele considerou também, adiante, que existe o momento de cantar “eu te amo, eu te amo “ e a hora de cantar “eu te proponho”… Para a plateia, não poderia ser formulada uma cantada melhor: a mulherada, é claro, exultou.
Modesto – ou humilde – ele diz que não sabe explicar o sucesso de suas músicas, geração após geração, por tantas faixas etárias, uma produção que segue desafiando as mudanças dos meios de difusão, passando de um suporte ao outro, dos discos materiais às edições digitais, e sempre na moda. E se diz agradecido – palavra recorrente em sua fala – por todas as realizações.
A modéstia, contudo, não interfere com o hábito brasileiro de chamá-lo de Rei. Bem resolvido, ele observou que recebe esta denominação de pessoas que andam de chinelinho e de pijamas no seu coração, e, portanto, não há outra saída a não ser aceitar, ainda que tenha, no passado, cogitado ver problema no título, pois temeu, no início, figurar como arrogante ou usurpador.
A fala tem o efeito de nitroglicerina pura: é a deixa para a aclamação geral. O coro de Rei, Rei, Rei, Roberto é nosso Rei se alastra pelo salão imenso, explode no ar e a diversão é geral. A situação provocou simplesmente um instante de alegria fulgurante – alguém para aclamar em triunfo, hoje, no Brasil, com o coração pleno, desarmado, não é pouca coisa.
E assim correu a tarde, como ondas mansas acariciando a superfície do mar. Roberto Carlos, sobre os seus gostos musicais, voltou a falar dos seus ídolos na canção, Frank Sinatra e Elvis Presley em destaque. Reiterou que ouve de tudo e sempre, ouve no carro o radio e, em casa, se liga mais na televisão. Preocupa-se em saber o que faz sucesso, o que acontece, o que há de novo.
Logo a nota dominante de diversão se tornou discreta e apareceu colorida por uma tênue hipótese de desencanto na fala a respeito do medo de envelhecer. O Rei insistiu que sente muito medo da velhice – pânico mesmo. E reconheceu que sim, faz bastante esforço para ter qualidade de vida e deter a transformação provocada pela ação do tempo, ainda que tenha insinuado que, afinal, alguma qualidade existe no fato inexorável de ficar velho. A percepção da tranquilidade gerada pela vivência ficou, aqui, muito clara. Uma sabedoria ditada pelo amor à vida transpirou no seu comentário de encerramento da resposta – a seu ver, o bom é saber aproveitar todas as idades, as vantagens de cada fase, garantiu.
Um tema tabu rodou no ar distante, arremedo da gaivota espreitando um peixe impossível. Uma jornalista desejou saber se havia alguma nostalgia a respeito da vida que Zunga levava livre, na infância, em Cachoeiro do Itapemirim. Em parte, a pergunta confina com a imensa pressão das fãs para se aproximar do ídolo – talvez um pouco grande demais – uma demanda que determina a sua circulação restrita por todos os lugares, até mesmo no navio.Em algum grau, o assédio limita o seu direito de se espalhar pelo mundo.
Mas, senhor do flerte com tantas amadas, Roberto Carlos respondeu à indagação por uma das tangentes cabíveis, como se ela tocasse apenas naquela saudade que todos nós temos da candura de nossa vida infantil, a lembrança de um tempo irrecuperável perdido no passado. Ele falou, então, da nostalgia dos banhos de rio e de cachoeira, dos passeios afetivos pela cidade natal, do banho de mar em Marataízes. A nota soou com absoluta elegância e confirmou o lugar de elevação romântica do cantor.
A grande nova do encontro foi, afinal, a fala política, justo o assunto que sempre se considerou como estranho à pauta de Roberto Carlos, muito embora o rei já tenha se expressado a respeito publicamente. Em resposta à pergunta se ainda vota ou se já desistiu, Roberto Carlos fez um elogio solene ao juiz Sergio Moro e à toda a luta contra a corrupção no Brasil. Frisou com veemência a necessidade de dar todo o apoio e todo o carinho, toda a contribuição possível, para que tudo o que o juiz Sergio Moro está fazendo tenha sucesso. O apoio público foi efusivo.
Para completar o lado mais excitante da tarde, não faltaram temas picantes, sob medida para atiçar a fogueira da imaginação e dos corações, como a já propalada, em entrevistas anteriores, recepção de nudes – os quais, ele assegurou mais uma vez, não são apenas recebidos, mas são guardados e não deletados. Para jogar azeite na fogueira, ele não fugiu da provocação para comentar a hipótese de receber – e tomar sorvete – com alguma admiradora mais empreendedora, capaz de descobrir, na imensidão do navio, a cabine do Rei e cometer a ousadia de bater na porta, em busca de uma conexão mais direta.
E notícias objetivas também fizeram sucesso, todas relativas a um cotidiano de muito trabalho. Ao longo do ano, o filme e a biografia vão caminhar: uma boa nova concreta, alvissareira. A fase atual é a de conclusão do roteiro, primeira parte, com a subsequente escolha de elenco e filmagem. Ainda não se sabe o nome do ator privilegiado que terá o encargo de fazer o papel de Roberto Carlos.
Apesar de muitas perguntas possíveis ainda, o encontro chegou ao fim, depois de o Rei comentar que, na solidão, em casa, tem sempre uma grande sensação de satisfação, de agradecimento, por todo o amor que recebe. “Às vezes, até choro”, reconheceu.
Aos olhos do desejo dos fãs, ansiosos por sintonizar com o ídolo em carne e osso, sob o testemunho dos jornalistas, Roberto Carlos se apresentou sem reservas, na sua natureza. Poeta da vida, cantor do afeto generoso cotidiano, ele fulgurou na cena do bate-papo com um sorriso irresistível e um olhar intenso. Um olhar Roberto Carlos.
Um olhar vívido, pronto para ver e saudar cada pessoa, envolver cada um num sentimento humano forte, e sugerir ali, no encontro dos olhares, uma relação profunda, puro ato de amor, como se fosse um encontro de almas que se entendem. Roberto Carlos é amado e ama o seu público, sem rodeios. E o amor acontece não apenas na adesão pública, na fala ou no canto, mas na forma do olhar.
No porto, em volta do navio, a tarde lentamente se despedia, o mar se tornava escuro, um turbilhão de mistérios. O tom de intimidade informal logo se desfez. Todos partiram, foram se preparar para o show da noite. Estava encerrada uma tarde de amor, sob um dia agradável de verão em que reinou mais uma vez a arte afetiva do encontro: a arte de Roberto Carlos. A arte em que Roberto Carlos é Rei, mesmo que as palavras deixem de revelar, na completude, quem é afinal este cara gentil que se dispõe a acalentar os nossos sonhos de amor e, olhos nos olhos, a nos amar.