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Sonhos de teatro, teatros são

O que é teatro? A definição ainda existe automática, fácil de formular? Ou nem todos os dicionários do mundo, juntos, conseguem dar conta, hoje, de responder à questão, tão direta?

Houve um tempo em que teatro era uma definição rica em referências: abarcava uma arte, uma prática, uma ocupação profissional, um programa social e um prédio. O lugar, então, contava. Contava muito! Talvez ainda conte – no mínimo para as pessoas fascinadas pela magia da história da arte.

A pessoa que nunca pisou num palco distraída – sim, de visita, só para conhecer, saber do que se trata e como funciona – não faz ideia do encanto que exala do simples aglomerado de tábuas, tecidos, alvenaria, fios e luzes. É um lugar mágico. Recomendo muito a experiência, muito fácil de ser conquistada.

Espaços convencionais das grandes cidades sempre oferecem este programa. Visitar o Theatro Municipal do Rio de Janeiro emociona qualquer um. Uma energia requintada, muito especial, impregna a cena da velha casa. Para quem é carioca ou ama o Rio, a aventura arrebata. Algo do encanto histórico da cidade habita ali.

Por isto, penso que todos os cidadãos devem conhecer os teatros das suas cidades e lutar por eles como se fossem os seus tetos – são tetos da cidadania. Quando aceitamos a derrubada ou o fechamento de um teatro, nos tornamos cúmplices de nossa própria anulação.

Certamente a crise carioca seria menos dilacerante para as almas se contássemos ainda com nossos teatros históricos, tristemente derrubados. A nossa lista de perdas é imensa: nos tornamos até gestores de ruínas preciosas, com o arrasamento do Teatro Villa Lobos, em Copacabana.

Agora, uma nova ameaça ecoa pelo ar. O Teatro Princesa Isabel, também em Copacabana, está em crise e pede ajuda. Trata-se de uma pequena joia histórica, um autêntico bibelô cênico, rico em objetos, registros e maquinarias históricas. A trajetória da casa, marcada por espetáculos teatrais históricos, de importância absoluta, justifica por si a sua preservação.

O gestor do teatro é Orlando Miranda, produtor e empresário, grande defensor do teatro brasileiro durante a ditadura militar, quando assumiu e gerenciou com extrema inteligência o Serviço Nacional de Teatro. Ele é o único sobrevivente do trio combativo responsável pela fundação da casa, integrado por ele, Pedro Veiga e Pernambuco de Oliveira.

O teatro, se integrado à Rede Municipal de Teatro, funcionaria como um excelente polo para a formação cultural carioca, pois as suas características viabilizam atividades culturais de excelência para a Rede Municipal de Ensino. Um programa básico de formação teatral cidadã estaria abrigado ali com resultados notáveis para a cultura da cidade. Basta uma iniciativa simples do Prefeito Eduardo Paes para uma conquista cultural de extrema importância acontecer.

Destaque: Copacabana importa para todos os escolares da cidade, inclusive para os que moram nos subúrbios e periferias. O bairro ainda é a princesinha do mar, ainda vale para motivar o estudo da História do Rio, pois várias linhas temáticas da trajetória da cidade podem ser esboçadas a partir da visita ao Teatro Princesa Isabel. Se há amor ao Rio, a solução é obrigatória.

Se houver indiferença do Prefeito, talvez a solução possa vir do SESC, realidade institucional dotada de uma visão plena do significado do teatro para a qualidade de vida.  O SESC possui hoje uma rede de teatros e de centros culturais que atravessa o Rio de forma estratégica, faz conversar a sensibilidade da cidade, num fluxo artístico de primeira grandeza.

Uma prova desta atuação está em cartaz na Tijuca. A Companhia Cerne, de São João de Meriti, apresentará no SESC Tijuca até o dia 19 de Dezembro o espetáculo infanto-juvenil Uma História de Rabos Presos, dramaturgia e direção de Vinicius Baião.

A proposta instigante focaliza exatamente a necessidade de trabalhar com a formação cidadã das plateias jovens, urgência política gritante no país. A trama foi construída a partir de um argumento inteligente de Ruth Rocha; explora o que aconteceria ao nosso redor se rabos de verdade começassem a nascer nos poderosos da cidade.

A cena é colorida e lúdica, humorada, musical, estruturada com habilidade para favorecer o ato de pensar a vida na coletividade, características do trabalho poético da equipe. A companhia é um exemplo palpitante do dinamismo que o teatro pode desencadear para a coletividade: além de mobilizar São João de Meriti, ela conecta diferentes eixos culturais da Baixada e sustenta um diálogo intenso com a cidade e o Estado.

Este é o ponto: o diálogo. A circulação da fala, a fala como moeda humana para o entendimento, esta parece ser a chave mestra acionada pelo SESC, capaz de dilatar a definição de teatro e de estimular a ampliação permanente do entendimento do humano.

Consequentemente, o diálogo se abre para o mundo. E o feito aparece numa outra proposta, de grande ousadia, com estreia prevista para a próxima sexta-feira, dia 10 de dezembro de 2021. Neste caso, a apresentação acontecerá através do canal do Sesc Rio de Janeiro no Youtube.

Será (RE)Play, o novo trabalho de Rodrigo Portella, diretor tão inquieto quanto premiado, responsável por impactantes criações recentes, destacando-se Tom na Fazenda e As Crianças. Neste cartaz, a definição do ato da arte fica entre parênteses, de certa forma, como o título em parte anuncia. Segundo o diretor, o trabalho é uma performance audiovisual: está lançado, aí, um debate interessante.

Sem dúvida a concepção da proposta foi insinuada pelas experiências alternativas em arte provocadas pela pandemia. A partir da oportunidade de uma viagem de estudos para Barcelona, o diretor enveredou por uma experiência de autoficção. Neste jogo, com filmagens em diversas cidades da Europa, Portella surge como protagonista (sim, afinal ele também é ator). Mas outros 13 atores e não atores integram a cena, com destaque para a participação de Armando Babaioff, Julio Adrião, Raul Gazolla.

O cálculo parece ser sedutor: promover a con-fusão das artes. Quer dizer, não apenas se submeter às imposições da pandemia, mas ir além, explorar com intensidade as fronteiras tradicionais atribuídas às artes. O objetivo explícito é o de conquistar uma nova dimensão para o teatro, torná-lo a um só tempo impactante e necessário, coisa que talvez a velha paixão, encerrada no seu casulo, não esteja conseguindo. 

 A tecnologia se tornaria, então, uma grande aliada, em lugar de ser definida como inimiga. A reversão dos dados jogados até aqui na mesa é bem clara. A amplidão do horizonte de debate se impõe de forma decisiva. O pensamento convida para a liberdade de pensar: teatro, performance, vídeo, filme, grafismos? Onde estamos…?

Um fato curioso digno de nota: agora empunhando um smartphone em Barcelona, Rodrigo Portella seguiu uma trajetória de vida peculiar, na qual se torna muito patente o poder do teatro. Natural de Três Rios, no interior do estado do Rio de Janeiro, onde fundou a Companhia O Cortejo, o diretor nasceu numa cidade que de certa forma foi concebida pelo teatro.

Três Rios abriga o grupo de teatro amador mais antigo do país, o Grupo de Amadores Teatrais Viriato Correa, fundado em 1937, quando a cidade ainda não existia: era a Vila de Entre-Rios. O grupo fundado por Isaltino Silveira nasceu com disposição para mudar a realidade local, a partir da geração de renda para a filantropia. Em 1962 conseguiu inaugurar teatro próprio – Teatro Celso Peçanha – até hoje sede do grupo e coração artístico da cidade.  

Na peça (Ops, será este o nome mesmo? Pode ser?) dirigida agora por Rodrigo Portella, algumas perguntas são centrais. Cercado por teatro desde a infância por ter tido a bênção de nascer numa cidade tão especial, o artista tenta compreender, depois de tudo, se o ser humano realmente necessita de teatro.

A primeira pergunta aciona uma ciranda, pois esta arte, que apaga fronteiras e acontece inefável online, instiga o pensamento. Afinal, as indagações seguem, questionam o que não é teatro, o que é o ser humano, o que é ser um homem de verdade? – são decorrências lógicas naturais.

Num momento de tensões tão dilacerantes, em que a própria vida parece se transmudar, se desfazer, desaparecer do cotidiano de todos para assumir formas inusitadas, a obra sinaliza esta efervescência nova. Ela traz um convite para pensarmos as nossas fronteiras, o real e o ficcional, o personagem e o indivíduo, a dimensão das nossas construções.

 O resultado? É um pouco como a lição de Três Rios e de São João de Meriti, Copacabana: o teatro importa. É decisivo, necessário. O exercício para tentar defini-lo, traçar os seus sentidos, aponta sempre para um valor fundamental, a obrigatoriedade de celebrar a vida.

Então, o que é teatro? É aquela encruzilhada incandescente da vida, um lugar poético, ali onde se encontram o Teatro Princesa Isabel, o Teatro Celso Peçanha, Três Rios, São João de Meriti, a Cerne Companhia de Teatro e a Companhia O Cortejo. A maior esquina do mundo, portanto, onde gente que é gente decide ir em frente.

Teatro Princesa Isabel

Fundação: 1964

Endereço: Avenida Princesa Isabel, 186

Telefone (21) 2227-3160

Uma história de rabos presos

FICHA TÉCNICA
Dramaturgia: Vinicius Baião (inspirado na obra de Ruth Rocha)
Direção: Vinicius Baião
Elenco: Madson Vilella, Leandro Santanna, Gabriela Estolano, Higor Nery, Leandro Fazolla e Rohan Baruck (stand-in)
Preparação Corporal e Direção de Movimento: Fabrício Ligiero
Preparação Vocal (voz falada): Rohan Baruck
Composições: Vinicius Baião e Marcelo Valentim
Direção Musical: Marcelo Valentim
Produção Musical:  William Moreira Cordeiro de Souza e Fabio André dos Santos Oliveira

Figurinos: Higor Nery
Confecção dos rabos e boneco: Leandro Fazolla
Maquiagem: Higor Nery
Cenografia: Cachalote Mattos
Iluminação: Ana Luzia de Simoni

Fotografia: Stephany Lopez
Design Gráfico: Leandro Fazolla
Produção: INSTITUTO CULTURAL CERNE e CIA. CERNE

SERVIÇO:
SESC Tijuca

Temporada: De 27 de novembro até 19 de dezembro

Sábados e domingos, às 16h.

Endereço: R. Barão de Mesquita, 539 – Tijuca, Rio de Janeiro – RJ, 20540-001
Fale com a gente: (21) 4020-2101 de segunda à sexta-feira, das 9h às 19h, exceto em feriados nacionais.
Ingressos: PCG – grátis
Habilitado Sesc – R$ 2,00
Meia-entrada – R$ 5,00
Inteira – R$ 10,00

Venda de ingressos – bilheteria do Sesc Tijuca: terça a domingo de 9h às 17h

(RE)Play 

FICHA TÉCNICA 

Sesc Rio de Janeiro e O Cortejo apresentam (RE)Play 

Idealização e performance: Rodrigo Portella 

Co-criação, fotografia e montagem: Milla Fernandez 

Interlocução artística: Mariah Miguel 

Trilha Sonora Original: Federico Puppi

Interlocuções narrativas: Aldebaran Bastos, Armando Babaioff, Bruno Santos, Davi Palmeira, Federico Puppi, Julio Adrião, Julio Wenceslau, Juracy de Oliveira, Marco Guian, Mariah Miguel, Raul Gazolla, Renet Lion e Tairone Vale.  

Assessoria de Imprensa: Ney Motta

Identidade visual: Raquel Alvarenga

Produção Executiva: Luan Vieira 

Direção de Produção: Rodrigo Portella

Produção: O Cortejo

Realização: Sesc Rio de Janeiro

SERVIÇO

Estreia dia 10 de dezembro de 2021, sexta-feira, às 20h.

Temporada: 10, 11, 12, 17, 18, 19 de dezembro de 2021 e 7, 8, 9, 14, 15 e 16 de janeiro de 2022, sextas, sábados e domingos, às 20h, na plataforma do Youtube do Sesc Rio de Janeiro, dentro do projeto Temporadas Sesc de Artes Cênicas.

Link de acesso a transmissão: https://www.youtube.com/user/portalsescrio

Classificação: 14 anos

Duração: 60 min

Gratuito