CRÍTICA A JATO
Se você é carioca e adora as tradições aqui da terra, corra para o teatro. Acaba hoje a temporada de Detalhes de nós dois, no Teatro Clara Nunes. Lá você vai encontrar uma comédia musical romântica fiel à tradição teatral mais consolidada do Rio de Janeiro.
As nossas grandes tradições teatrais são duas: a comédia musical e a comédia de costumes. Sim, a peça lida com o teatro com música em que as canções, mescladas aos diálogos, movem a cena. De certa forma, o gênero surgiu com Antônio José da Silva (1715-1738), o judeu, dramaturgo que nasceu aqui na cidade, mas conquistou fama teatral em Lisboa. Morto precocemente nas garras da Inquisição, ele se tornou sucesso no Rio, na Casa da Ópera do Padre Manuel Ventura. A peça traz à lembrança também o espírito cômico inclinado ao exame dos costumes locais, sob uma atmosfera entre a acidez e a cortesia, praticado por Martins Pena (1808-1845), forma adorada pelos cariocas desde 1838.
As duas observações conduzem à uma dedução direta: há em cena um novo autor muito afinado com o jeito teatral carioca, o jovem Pedro Henrique Lopes. O seu texto apresenta uma interessante maestria no desenho do perfil de personagens, situações e curva dramática. Ao mesmo tempo, há muita felicidade na exploração do humor de situações, conflitos e personalidades.
Para ampliar o impacto da proposta, o recorte musical da peça tem uma peculiaridade notável – as músicas são, todas, grandes sucessos de Roberto Carlos. Apesar da extensa lista de canções do rei aclamadas pelo público, comparecem no palco músicas de qualidade para agradar a todo e qualquer fã. Lá estão desde a Namoradinha de um amigo meu, Detalhes e Esqueça, até Eu te darei o céu, Cama e mesa, Como é grande o meu amor por você… A direção musical e a execução ao vivo estão sob o comando de Tony Lucchesi.
A trama mostra as peripécias românticas de um casal jovem, Laura e Beto, do momento em que a dupla se conheceu até o divórcio. A visão da trajetória foi muito bem urdida: a ação começa no encontro dos dois, um bom tempo após a separação, para esvaziar o apartamento em que moraram. O encontro permite acionar o fluxo de recordações, um leque de cenas dinâmicas bem resolvidas, passeando pelo tempo da relação. Para pensar o alcance do fato, há a peculiaridade de Laura ser uma conselheira sentimental profissional para divórcios felizes.
Mas há também uma diversão extra, para quem conhece o cancioneiro de Roberto Carlos – adivinhar a música que surgirá em cada reviravolta ou a cada andamento da ação. As escolhas das canções pelo autor são sempre funcionais, quer dizer, brotam dos fatos tratados e, na sua quase totalidade, surgem para fazer a ação progredir.
A direção de Diego Morais investe no clima de jovialidade essencial ao tema – predomina em tudo um tom de brincadeira muito saudável, um bom colorido de teatralidade, mas sem exageros. O flerte com a plateia, na abertura e no encerramento, é de extrema elegância. A cenografia despojada, com peças manipuláveis para a transformação do espaço, permite materializar os múltiplos lugares de ação necessários com agilidade.
Claro, Helga Nemetik está em cena com todo o ímpeto de seu talento teatral raro – atriz refinada de musical, dotada de bela voz, ela cativa a plateia rapidamente graças à sua radiosa potência cômica, facilmente inclinada para a caricatura. É impressionante como ela transita do cômico caricato para o cômico romântico com extrema desenvoltura. Pedro Henrique Lopes se afirma como parceiro elegante, entre o ingênuo e o galã. Os solos e os duetos, em vários momentos, arrebatam a plateia: o público não se intimida, canta junto.
A produção é singela, tem a medida do esforço de produção que sempre moveu a arte do cômico no Brasil. Sem financiamentos, a cena está fazendo sucesso por uma razão simples: o público ama. No palco, há um teatro que os cariocas (e provavelmente os brasileiros) sempre gostaram de ver. A alma da cidade passa por ali. Então, vá correndo: acaba hoje e ainda não se sabe quando esta joia da nossa tradição voltará para celebrar o jeito teatral carioca de ser.
Ficha técnica:
Texto: Pedro Henrique Lopes
Direção: Diego Morais
Direção Musical: Tony Lucchesi
Elenco: Helga Nemetik e Pedro Henrique Lopes
Assessoria de imprensa: Rachel Almeida (Racca Comunicação)
Produção e realização: Entre Entretenimento
Serviço:
Espetáculo: Detalhes de nós dois
Temporada: de 30 de agosto a 22 de setembro de 2024
Teatro Clara Nunes: 3º piso do Shopping da Gávea (Rua Marquês de São Vicente, 52)
Telefone: (21) 2274-9696
Dias e horários: sextas e sábados às 20h, e domingos, às 19h
Ingressos: Plateia – R$ 130 (inteira) e R$ 65 (meia-entrada). Balcão – R$ 50
Duração: 1h15
Classificação etária: 12 anos
Capacidade do teatro: 743 cadeiras e sete espaços para cadeirantes
Venda de ingressos: https://bileto.sympla.com.br/event/96080 e na bilheteria do teatro (diariamente, das 14h às 20h. Aceita todos os cartões; não aceita pix ou cheque).
Instagram: @detalhesacomedia