Na festa de 90 anos de Nathalia Timberg, foto Anderson Rocha, céu de estrelas: estavam todas lá!

                  O teatro é das mulheres

Uma semana quente em tempo frio, eis aqui, senhoras e senhores, uma cena tropical inédita. A natureza decidiu derrubar o termômetro e acalmar os ânimos. A cena teatral e o calendário optaram pelo sentido oposto: e assim temos fatos e acontecimentos fervilhantes, aptos para derreter até mesmo corações de pedra, sob uma atmosfera gélida – para a sensibilidade carioca.

E quais são os fatos antiinvernais? A lista é longa, vai um resumo, norteado pelos valores mais urgentes do coração, pois o papo é a temperatura dos corpos. Em primeiro lugar, a semana começou com uma grande festa, a comemoração dos 90 anos da indelével atriz Nathalia Timberg.

Escolhi um adjetivo raro no cotidiano – indelével. Qual o motivo da escolha? Tudo bem, a resposta é óbvia, bem sei. A palavra, tão definitiva, fala de uma atriz capaz de marcar a nossa sensibilidade de forma perene, para nunca mais esquecer, em princípio uma ação contrária à arte fugaz dos atores. Os atores são artistas que existem para serem esquecidos. Ou não. Existem os atores xamãs, totêmicos: eles ficam.

Nathalia Timberg faz tatuagens sentimentais na nossa alma. São tatuagens alimentadoras, nada de pura superfície; graças a elas, nos reinventamos, revivemos, sobrevivemos. Em lugar de moldar ao vivo as delicadezas da vida e evanescer, caminho usual de uma bela maioria dos atores, Nathalia reverbera, magnetiza, extrapola, enfim, irradia humanidade em estado puro. Consequentemente, a sua arte fica em cada um de nós.

Como isso se dá, objetivamente? Os mais incrédulos, amantes do ato de duvidar, poderão querer saber. Pois esta irradiação sensível nasce a partir de um artesanato requintado, um processo de trabalho exaustivo e eficiente, para garantir aquilo que se poderia chamar de representação elegante.

E galante. E inteligente. Pois está no foco, também, arrebatar o espectador, para torná-lo melhor. A sede primeira desta criação reside nas palavras, exauridas em todas as suas potências, saboreadas, transfiguradas em energia de ser. Este ponto de partida assegura a presença intensa da emoção: nascida graças ao olhar da atriz, ela flui sob uma concepção racional sofisticada. Carne e razão surgem, logo, como uma forma de comunicação etérea. E aí, basta um olhar de Nathalia Timberg para elevar aqueles que a contemplam para um universo extra-cotidiano essencial  –  o lugar do belo. Não se pode passar por esta experiência e esquecer.

Mas não pense que a temperatura subiu entre os humanos apenas por causa do aniversário da nossa deusa teatral absoluta, apesar da festa de arromba que ela liderou, na noite de segunda-feira, num requintado hotel da Barra. Nesta semana curiosa, existem mais fatores detonadores do aquecimento teatral carioca.

Aportou no Rio, por exemplo, para uma estreia de ferver o sábado, dia 09 próximo, no Teatro Ginástico, uma promissora visita à casa do Rio Vermelho. Quer dizer, para comemorar o aniversário de Jorge Amado, poderemos ver O amor de Zélia e Jorge, texto e direção de Renato Santos.

O elenco conta com Luciana Borghi, intérprete de Zélia Gattai e idealizadora do projeto, e Pedro Miranda, ator e músico, participação especial para materializar vários personagens, como Jorge Amado e Dorival Caymmi. A atriz, intensa, contagia a todos quando fala de sua admiração inconteste pela escritora, uma artista um tanto apagada de nossos radares por sua dedicação ao amor. Ela foi artista, mas foi uma grande amante, dedicada, assinou uma obra de arte sentimental invejável.

Aliás, convém dar uma olhada na agenda de estreias da semana no Rio para constatar a presença avassaladora de amantes da arte, a criação feminina aparece numa grande parte dos novos cartazes. Há autoria, atoria, direção e tanto mais de mulheres nas fichas técnicas – vale conferir. Em se tratando de presença feminina, um dado impactante constante na agenda é a ousadia, a coragem de partir para o novo.

Trata-se de um comportamento feminino interessante, ao que parece bastante natural nos seres que não possuem uma relação cristalizada com o poder – afinal as mulheres custaram mais ou menos dois séculos para ter o direito de acesso ao trabalho de atriz. Talvez por causa desta juventude na arte, se possa contar com propostas ousadas, como o espetáculo Habite-me, de Carolina Garcia, novo cartaz da Sala Multiuso do Sesc Copacabana.

A partir de pesquisa da atriz, com texto e direção e Paulo Balardim, a cena reúne atuação, bonecos, máscaras e objetos variados, um resultado de um longo processo de estudo realizado no Canadá graças a uma bolsa de residência em que trabalhou com a bonequeira Emilie Racine. Além da inovação estética, busca-se a renovação conceitual, a favor de uma nova forma de perceber o outro, articular a vida sob tolerância e empatia.

Como se não bastasse, um espetáculo com uma atriz inquieta, Cristina Fagundes, atriz autora premiada, promete arrebatar os corações femininos – e os corações dos homens sensíveis. O monólogo Eu, Mãe será apresentado no horário alternativo, em curta temporada, na Casa Rio. O cálculo tem sintonia fina com os debates atuais relacionados à sororidade e ao feminino.

A ação vai acontecer na cozinha real da casa, com ação concreta, desenvolvida como peça-legado-de-amor. Ou seja, diante de uma câmera, representação de suas filhas, e diante do público, Cristina Fagundes abordará temas como a maternidade, a passagem do tempo, o ser mulher além dos clichês e das facilidades, num diálogo triangular, que envolveria, hipoteticamente, as suas filhas.

Um grande passeio pela arte teatral feminina, portanto, está acessível esta semana. Se considerarmos que Nathalia Timberg está de volta ao cartaz com a reestreia de Através da Íris, de Cacau Higino, no Teatro Petra Gold, logo percebemos a temperatura do momento teatral. Parece um ninho das almas, remédio bom para quem está enregelado.

Sim, acolhimento, aconchego, carinho, abrigo são possibilidades de preservação do humano profundamente associadas às mulheres. Talvez exista um mistério transcendental nesta trama, importante para o futuro do mundo, quando podemos dizer “teatro, teu nome é mulher”. Porque, afinal, um calor novo, outro, distante do aquecimento global e da destruição da vida, aí se encerra.

SERVIÇO

 “NA CASA DO RIO VERMELHO”- O amor de Zélia e Jorge

Sesc Ginástico

Av. Graça Aranha 187, Centro
Telefone: (21) 4020-2101
Temporada: dias 09, 10 e 11 de agosto
Sexta e sábado – 19h e domingo – 18h
Duração: 70 minutos
Classificação indicativa: 12 anos
Lotação: 513 lugares

Ingressos: R$ 30,00 – inteira; R$15,00 – idosos e estudantes até 21 anos;
R$ 7,50 – comerciário

“Habite-me”

Sala Multiuso do Sesc Copacabana

Rua Domingos Ferreira, 160 Tel 21 2547-0156

Estreia dia 1º de agosto, às 18h | Duração 45 minutos

Temporada: até 18 de agosto de 2019. Sexta, sábado e domingo, às 18h

Ingressos: R$ 7,50 (associado Sesc); R$ 15 (meia-entrada); R$ 30 (inteira)

Bilheteria: horário de funcionamento :: terça a sexta-feira, de 9h às 20h; sáb., dom. e feriados: das 12h às 20h

“Eu, Mãe”

Casa Rio  

Rua São João Batista, 105 – Botafogo  

(21) 2148-6999

Temporada: 07 a 29 de agosto de 2019 – Quartas e quintas às 20h

Ingressos: R$50 (inteira) / R$ 25,00 (meia-entrada)

Classificação: 14 anos. 

Duração: 60 minutos