Talvez fosse natural esperar do principal prêmio de teatro de um país que ele dialogasse de maneira explícita com o mercado. Quer dizer – olhasse e aclamasse o centro da dinâmica teatral, aqueles espetáculos de alcance direto de bilheteria, amplo diálogo com o público e uso consolidado da linguagem da cena. Ele contribuiria, portanto, para o fortalecimento do sistema. Sairiam vencedores, neste caso, os artistas de carreira consolidada, de projeção no sistema de arte. Aos jovens e inovadores caberiam quando muito os prêmios de revelação.

 

No entanto, não é bem o que acontece no Prêmio Shell de Teatro no Brasil, a julgar pelos resultados cariocas de 2011, divulgados nesta terça, em festa no Espaço Victoria, do Jóquei Clube. A lista dos finalistas de São Paulo, já divulgada, aponta na mesma direção. Assim, ao mesmo tempo em que a noite decisiva no Rio foi coroada por uma bela homenagem à crítica de teatro Barbara Heliodora, por seus 54 anos de exercício da profissão em diferentes veículos, nas páginas de O Globo desde o fim dos anos 1980, as principais categorias em foco seguiram para as mãos de artistas jovens e inventivos. Fernanda Montenegro, por exemplo, que saudou a homenageada em um discurso de extrema beleza e muito humor, não teria perfil afinado com o tom dominante nesta edição do prêmio. Quer dizer, os trabalhos escolhidos foram propostas de pesquisa, estudo, inovação e ruptura, em muitos casos voltados para um público bastante reduzido, opção estética de seus promotores.

 

A rigor, parece algo muito brasileiro: um prêmio de amplo valor institucional, mantido por uma grande empresa de notável visibilidade, aclama trabalhos de pequena ourivesaria, tom intimista, modalidades de expressão dissociadas da sensibilidade do homem comum. São os espetáculos que a própria classe teatral vê. De impacto e de amplo espectro, só a homenagem à crítica – e na verdade a crítica é uma atividade de alcance mais reduzido do que o fato da arte…

 

Vale a pena pensar a respeito, tentar entender o que esta dinâmica significa. Por que um grande prêmio lança o foco e a decisão para os segmentos complementares, áreas-limite da arte da cena? Se a platéia prevista para cada apresentação dos espetáculos vencedores fosse reunida em um salão – exclusão feita de “Um Violinista no Telhado” e “Crônica da Casa Assassinada” que, aliás, receberam prêmios em categorias de menor repercussão – a população reunida seria menor do que a alegre massa presente à festa. Uma massa ruidosa, vibrante, disposta a exaltar o palco de pesquisa e experimentação, aplaudido sempre com grandes manifestações de júbilo. Situação natural, pois estes eram os espetáculos convidados para a noite, eram os finalistas.

 

Mas o que acontece com o teatro de mercado neste país, para fazer com que ele conte tão pouco na hora de fazer história? Pior – o que acontece com o teatro deste país, cujo maior interesse parece ser o de se manter em estado de questão, de pergunta, quando o público majoritário deseja pagar para ter alguma resposta, por mais sintética que seja?


RESULTADO PRÊMIO SHELL RIO DE JANEIRO 2011

Autor: Felipe Rocha (“Ninguém Falou Que Seria Fácil”)
Diretor: Christiane Jatahy (“Júlia”)
Ator: Charles Fricks (“O Filho Eterno”)
Atriz: Dani Barros (“Estamira – Beira do Mundo”)
Cenário: Fernando Mello da Costa (“Um Coração: Fraco”)
Figurino: Gabriel Villela (“Crônica da Casa Assassinada”)
Iluminação: Maneco Quinderé (“Palácio do Fim”)
Música: Marcelo Castro (“Um Violinista no Telhado”)
Categoria Especial: Márcia Rubin pela direção de movimentos dos espetáculos “Escola de Escândalos”, “O filho Eterno”, “A Lua vem da Ásia” e “Outside: um musical noir”.

E
Teatro Tablado pelos 60 anos de atividade.