
Copacabana: um dia a praia distante, selvagem, deixou de ser aldeia de pescadores, flertou com múltiplas formas de pecado e desapareceu: virou bairro agitado. O maremoto foi tão forte que a nova freguesia, aclamada como princesa, desejou um outro pecado. Sonhou alto: quis se tornar o centro da vida teatral da cidade, ofuscar o velho Centro.
Um verdadeiro burburinho teatral foi tomando de assalto o século XX. Teatros pipocavam aqui e ali. Hoje, se fizermos as contas de quantos teatros Copacabana conheceu, é espantoso: o bairro abrigou um total de dezessete teatros. Dá para pensar – quais as razões que motivaram esta febre? Por que ela não se consolidou, não levou a praia famosa a se tornar o nervo teatral da cidade?
De todas as casas criadas, desapareceram os teatros do Leme, Follies, Jardel, Arena, Posto Seis, Aliança Francesa, Alaska, da Praia. O Teatro Villa-Lobos permanece em ruínas, emaranhado em promessas do governo estadual. A soma final das perdas é muito forte e, considerando-se a enorme população do bairro, residente e flutuante, a Prefeitura deveria se preocupar, ampliar a oferta de teatros. Com certeza o teatro melhora a vida das pessoas e, com o tempo, muda o mundo.
Em atividade, restam no momento apenas sete casas – os teatros Copacabana Palace, SESC (na verdade, uma benção, com três salas lá dentro), Princesa Isabel, Brigite Blair, Net, Abu, Baden Powell. Para ampliar o número e animar a vida, a FUNARJ está anunciando a reinauguração do Teatro Gláucio Gill, talvez um símbolo eloquente da teatralização de Copacabana…

Na sua origem, o prédio abrigou um auditório escolar, ligado ao Centro de Recreação e Cultura Dom Aquino Corrêa. Em 1958 foi iniciada a carreira teatral do edifício – Carlos Lacerda, governador do Estado da Guanabara, concordou com a cessão do edifício para um grupo de jovens. Egressos do Tablado, eles desejavam profissionalizar-se e logo se tornariam grandes nomes da vida teatral – Kalma Murtinho, Cláudio Corrêa e Castro, Geraldo Queirós, Roberto de Cleto, Carmem Silvia Murgel… A casa foi batizada como Teatro da Praça e somente me 1966 se tornou Teatro Gláucio Gill. Saudades de um tempo em que governantes resolviam rapidamente os apelos dos artistas?…

A partir de então, apesar de alguns momentos de ruína e maus tratos, o teatro fez muita história e hospedou incontáveis sucessos. A população do bairro, de acordo com depoimentos de diferentes artistas que ocuparam o palco, gosta da casa e prestigia muito a programação. A constatação deveria inspirar os políticos, provocar uma onda de recuperação teatral copacabanense.
Bom, de certa forma, é fundamental reconhecer, também para as autoridades do Estado dedicadas à reforma do Gláucio Gill existe um clima efervescente de amor ao teatro no bairro. Por conta desta concepção, a programação de estreia do palco e a temporada anunciada para o singelo edifício apostam na inquietude. O ritmo vai ser febril.
Além do palco principal, todo renovado, a sala do mezanino, no segundo andar, após reformas para resolver problemas estruturais, vai funcionar como cabaré cultural, segundo informações divulgadas pelo gestor do teatro, Rafael Raposo. Encenações descontraídas, mesclando teatro, música, humor e ambiência de cabaré, serão oferecidas a partir de março. O consumo de bebidas e alimentos será livre no espaço cujo diferencial será o revestimento vermelho. A abertura da programação caberá a Luís Miranda, com o Cabaré Miranda.
No palco, o início das atividades trará a comédia que celebrou Gláucio Gill (1932-1965) como dramaturgo, a rigor o seu único texto – Toda donzela tem um pai que é uma fera. O outro texto teatral de sua autoria é um episódio numa obra coletiva (Procura-se uma rosa).
A novidade, neste caso, é a direção, assinada pela atriz Debora Lamm. A comédia, marcada por um certo sabor de época, gira ao redor do confronto entre o desejo de liberdade dos jovens e o jogo de poder dos pais. No elenco, nomes que oferecem a certeza de um bom espetáculo: Carol Pismel, Danilo Maia, Bruce Gomlevsky, Letícia Isnard e Lucas Sampaio. Vale a pena conferir o resultado assinado pela equipe, pois trata-se de um conjunto bem mais dedicado às formas do teatro experimental do que ao feitio da comédia de sala de visitas, agora em pauta.
O patrono da casa, contudo, não contará apenas com esta homenagem. Aliás, destaque-se: a dimensão reduzida de sua obra levou alguns nomes importantes a discutir, ao longo do tempo, se, historicamente, Gláucio Gill merecia ser imortalizado na fachada do teatro, enquanto outros grandes autores permaneceram sempre ignorados. Especula-se que, muito jovem, a sua morte súbita de infarto, ao vivo, no programa de entrevistas que comandava na televisão, teria criado a comoção necessária para a celebração.

De toda a forma, ele vai reviver num novo show – no dia 5 de fevereiro, o Teatro Gláucio Gill receberá o Show do Gláucio apresenta o teatro aberto de Aderbal. Com texto de Gillray Coutinho e direção de Leonardo Netto, a peça homenageia os dois artistas.
Eles se encontram num programa de entrevistas fictício, que seria o tal Show da Noite, de Gláucio Gill. Afinal, existe este ponto de encontro entre eles, os dois atuaram como entrevistadores na televisão. Além disso, Aderbal Freire-Filho (1941-2023) marcou época no Teatro Gláucio Gill, com a criação do grupo Centro de Demolição e Construção do Espetáculo, em 1989, iniciativa que o levou a criar um gênero de teatro, o romance-em-cena, inaugurado na casa com A Mulher Carioca aos 22 Anos.
A peça=show vai reunir um elenco associado à trajetória do diretor – estarão no palco Ana Barroso, Carmen Frenzel, Cláudio Mendes, Marcello Escorel, Thiago Justino e Xando Graça. Neste caso, a atração é conferir como se dará o diálogo entre o prolífico Aderbal, senhor de uma obra de proporções admiráveis, e o econômico Gláucio Gill.
Bom, isto tudo é só o registro de um recorte da agenda proposta. A lista de atrações aqui reunida é só uma amostra delicada de uma visão de política teatral muito dinâmica, elogiável, profundamente afinada com o estado febril da vida em Copacabana. Afinal, o bairro continua a ter vocação para ser o centro teatral da cidade.
Apesar da especulação imobiliária desenfreada – a famosa copacabanização – se houver interesse e se for feita uma busca atenciosa, existe a possibilidade até mesmo de construção de um grande teatro musical no bairro. Além, claro, do retorno, prometido para breve, do Teatro Villa-Lobos. Não é o caso de apontar imóveis interessantes, passíveis de transformação de uso em prol da cena – a ganância imobiliária pode chegar por lá primeiro…
Quem sabe há um Lacerda ou um Negrão de Lima, amantes confessos da cidade, perdido por aí na cena política? À Copacabanização se seguiria a teatralização. A fórmula com certeza ajudará Copacabana (e o Rio) a superar a nova selvageria que submerge a todos, a selvageria da atualidade. A selvageria que, em lugar da contemplação da beleza natural da praia selvagem de outrora, nos leva a enfrentar o pior da brutalidade humana, distantes da delicadeza essencial que deveria revestir a eterna praia carioca, princesinha tropical querida de todos.

Toda donzela tem um pai que é uma fera
Ficha técnica:
Texto: Gláucio Gill
Direção: Débora Lamm
Elenco: Bruce Gomlevsky, Carolina Pismel, Danilo Maia, Leticia Isnard e Lucas Sampaio.
Músicos: Pedro Nêgo e Dom Yuri.
Iluminação: Paulo Cesar Medeiros
Direção de movimento: Denise Stutz
Direção musical: Pedro Nêgo
Música original “Copacabana”: Pedro Nêgo e Débora Lamm
Assistente de direção: Luis Antonio Fortes
Cenário: Marieta Spada
Figurino: Fernanda Garcia
Assistente de figurino: Luniara Miranda
Cenotécnico: André Salles
Operadora de luz: Yasmin Lira
Operadora de som: Gabriel Lessa
Arte gráfica: Luciana Mesquita
Fotografia: Dalton Valério
Assessoria de imprensa: Rachel Almeida (Racca Comunicação)
Coordenação e direção de produção: Beta Laporage
Assistente de direção de produção: Márcia Santos
Assistentes de produção: Miguel Drocari e Marcio Netto
Produção executiva: Cacau Gondomar e Sandro Rabello
Realização: Voleio Cultural
Serviço:
Temporada: de 1º a 24 de fevereiro de 2025
Teatro Glaucio Gill: Praça Cardeal Arcoverde, s/nº Copacabana
Dias e horários: sábados e segundas às 20h; domingos, às 19h.
Ingressos: R$ 5 (inteira) e R$ 2,50 (meia-entrada)
Duração: 75 minutos
Lotação: 100 pessoas
Classificação Etária: 14 anos
Venda de ingressos: IMPLY
Horário da bilheteria: nos dias de apresentação, a partir das 15h. Sábados e domingos a partir das 14h

Show do Gláucio apresenta o teatro aberto de Aderbal.
Ficha técnica:
Texto: Gillray Coutinho
Direção: Leonardo Netto
Elenco: Ana Barroso, Carmen Frenzel, Cláudio Mendes, Marcello Escorel, Thiago Justino e Xando Graça
Vozes em off: Fernando Rossas Freire e Ricardo Kosovski
Iluminação: Aurélio de Simoni
Cenário: Mina Quental
Figurino: Luiza Fardin
Assistente de figurino: Jéssica Garcia
Costureira: Railda Costa
Cenotécnico: André Salles
Operadora de luz: Yasmin Lira
Operador de som: Gabriel Lessa
Fotos de cena: Dalton Valério
Foto arte gráfica: Nil Caniné
Artes gráficas: Luciana Mesquita
Assessoria de imprensa: Rachel Almeida (Racca Comunicação)
Coordenação e direção de produção: Beta Laporage
Assistente de direção de produção: Márcia Santos
Assistentes de produção: Miguel Drocari e Marcio Netto
Produção executiva: Cacau Gondomar e Sandro Rabello
Realização: Voleio Cultural
Serviço:
Temporada: de 5 a 28 de fevereiro de 2025
Teatro Glaucio Gill: Praça Cardeal Arcoverde, s/nº Copacabana
Dias e horários: quarta a sexta-feira, às 20h
Ingressos: R$ 5 (inteira) e R$ 2,50 (meia-entrada)
Duração: 75 minutos
Lotação: 100 pessoas
Classificação Etária: 14 anos
Venda de ingressos: IMPLY
Horário da bilheteria: nos dias de apresentação, a partir das 15h. Sábados e domingos a partir das 14h