Galã, o rei do borogodó?…
Vamos, admita, não negaceie – todo o mundo tem este problema. O seu sonho maior é ter um galã para chamar de seu. Ou, claro, ser o galã da vida de alguém – conforme a sua inclinação afetiva maior. Se, na vida, convivemos com este sonho caliente e secreto, no teatro, nas artes, qual o resultado? Sim, adoramos os galãs e similares. Não podemos viver sem eles. Vivemos de ohos arregalados em busca de galãs. A turma faz sucesso.
E então, fica a pergunta: afinal, o que é um galã? Claro, na vida, galã é todo aquele ser capaz de inspirar, basicamente, vontade de sonhar. Mas, no palco, um lugar em que todos os que andam por lá desfilam para, de alguma forma, fazer a plateia sonhar, sair de si, como definir o tal tipo, incendiário de almas? Ele se diferencia dos atores mortais comuns?
Um belo desafio. O problema ultrapassa a escalação de um elenco. Galã não é aquele que tem o papel principal de uma trama. A figura pode ser protagonista, ser o centro do centro, e não ser galã. Também não se pode explicar a coisa a partir da beleza física ou da forma corporal sensual ou exuberante. Existem casos históricos de galãs notáveis por seu apagamento físico, digamos. Em português claro, eram pessoas feias.
A mesma reflexão pode se desdobrar para os primeiros papéis femininos: a protagonista feminina de uma trama amorosa, par do galã, pode ter ou não aquele magnetismo enigmático que faz o galã. Mas, calma, vamos nos ater, neste texto, ao galã; o pensamento sobre o perfil feminino será objeto de outro texto. Lá, a dificuldade começa na nomenclatura – galã, no universo feminino, quer dizer estrela, vedete, ingênua, dama central…?
Então, vamos adiante. De saída, importa reconhecer que o têrmo não deve ser visto de forma pejorativa ou preconceituosa. Ao contrário, até – chegaremos lá. É possível encontrar uma definição simples para este tipo incendiário de almas. Quando dava aulas para cursos de formação em teatro, na graduação, inventei uma forma rápida para explicar o que era um galã. Para os alunos questionadores, sentenciava: galã é o ator que tem borogodó.
Isto quer dizer que o galã tem algo inexplicável, encerra uma alquimia mágica exuberante difícil de quantificar ou de objetivar. Nos dicionários e manuais antigos, o galã se definia apenas por ser especializado no papel do apaixonado, com infinitas subdivisões no interior da classificação, por gênero e até por idade. A escolha ressoa nos dicionários atuais do idioma, nos quais a definição do tipo, no teatro, se resume àquele que exerce a liderança nas tramas de amor. É reducionismo.
Claro, tal escolha estabelece uma superfície muito frágil. A dificuldade para pensar o caso nasce ali num ponto além das tramas, além do texto, além da cena e além do aparato técnico-verbal mais seco. Para ser galã de verdade, o candidato precisa não só mobilizar o jogo de afeto no palco e eletrizar a cena, mas arrebatar os corações da plateia. A partir da vitória nesta densa partida, o ator pode ser aclamado, de fato e de direito, como galã.
Historicamente, alguns casos curiosos merecem atenção, para exemplificar o tema. Um, clássico dos clássicos, monumental, é Leopoldo Fróes (1882-1932), mestre absoluto na arte da sedução das plateias. Um episódio narrado por R. Magalhães Jr ilustra com perfeição a extensão notável de sua potência de galanteio e sedução.
Segundo o pesquisador, o ator, conhecido por sua aversão aos ensaios e à prática de decorar os textos das peças, se excedeu numa temporada paulista. Um texto enfadonho precisou ser incluído, para fazer média política, no repertório. Aborrecido, Fróes nem leu o original e só chegou ao teatro na hora de entrar em cena; como não sabia nada do texto, nem das marcas, criou um personagem gago, truque capaz de facilitar a escuta do ponto…
Resultado: esbanjou charme em cena e desorientou todo o elenco. Foi um sucesso tremendo, até junto aos críticos, todos vencidos pela arte do ator – ainda que alguém reclamasse da fraqueza do resto da companhia, que parecia desnorteada em cena, em desempenhos muito abaixo da grandeza do galã…
Outro exemplo impressionante de galã – nem sempre dedicado a cenas e performances de apaixonado – foi Procópio Ferreira (1898-1979). Neste caso, importa destacar a sua pouca beleza e a modéstia de seus encantos físicos. No entanto, a sua energia arrebatadora em cena, inebriante, apareceu reconhecida em texto do grande líder da geração que combateu violentamente o teatro que ele fazia.
Ao escrever a biografia do ator, aliás um texto de leitura obrigatória, Décio de Almeida Prado (1917-2000), o mais importante nome da crítica teatral moderna, frisou como a presença cênica de Procópio era arrebatadora. Na plateia, os corações eram encantados por ele de tal maneira, com tal intensidade, que todos esqueciam que ele era feio e baixinho, com frequência mais baixo do que a dama que cortejava.
Este caso associa dois vetores explosivos. Ao lado de um monumental ator dito antigo, acima de qualquer possibilidade de redução crítica, estão as implacáveis exigências revolucionárias do teatro moderno. A chance é estratégica: permite elevar a reflexão sobre os galãs para outro patamar. Afinal, como explicar a arte de Rubens Corrêa (1931-1996) sem ousar defini-lo como galã, em resumo um extraordinário encantador de plateias?
Talvez a chave do mistério resida nesta expressão – encantador de plateias. Mais do que líder de uma trama sentimental, de um elenco, de um coração, o galã deveria ser definido como este ser sublime, capaz de sintonizar o sentimento e a energia do seu tempo. O galã deveria funcionar como um prisma magnético humano, quem sabe?
A cada geração, a cada peça, mesmo nos conjuntos alternativos experimentais, o problema se apresenta – quem será capaz de tomar as rédeas dos cérebros da plateia, se assenhorar dos corações e ser, nestas funções, aclamado, reconhecido? Quem, hoje, no nosso deserto humano, será o galã do nosso momento, um momento em que as lideranças andam fracas, discutidas e esgarçadas?
O assunto, afinal, é o amor – abarca as nossas tantas formas de amor. E está na berlinda graças a uma peça com estreia para esta quarta-feira, dia 2, no Sesc Copacabana, Quando eu For Mãe Quero Amar Desse Jeito, de Eduardo Bakr. A comédia, um tanto ácida, pretende discutir alguns meandros do amor no nosso tempo.
Destaque-se: sob a direção de Tadeu Aguiar, a peça traz no elenco um time muito adequado para o tratamento do tema. Ao lado de uma atriz esfuziante que é paixão nacional, Vera Fischer, há um candidato sério ao posto de galã, Mouhamed Harfouch, e uma jovem atriz, Larissa Maciel, consagrada na televisão especialmente por sua magistral interpretação da cantora Maysa. Sim – Maysa, aquela voz absurdamente afinada com as dores sentimentais profundas de mais de uma geração.
Trata-se de uma trama voltada para disputas amorosas acirradas – a mãe (Vera Fischer) deseja controlar o coração do filho (Mouhamed Harfouch) para garantir um casamento alhinhado com os padrões da família, coisa que ela não identifica na desconhecida (Larissa Maciel) escolhida pelo rapaz. O jogo sentimental ilumina as faces de cada um. Para quem gosta de teatro, o projeto, com uma equipe artística de altíssimo gabarito, é excelente notícia. Afinal, a trama traz para o nosso cotidiano uma diversão bem estruturada ao redor da figura do galã, a sua potência e o seu poder.
Para os mais radicais modernos, talvez o caminho precise ser outro, cada um, por si, aprender a ser galã. Encarar as suas próprias histórias – mas este parece ser um longo caminho. Quem sabe um caminho pavimentado pela arte? Pois há uma outra liderança feminina, Denise Fraga, chegando ao Rio, no Centro Cultural Banco do Brasil, com um solo curioso, no qual o protagonismo se divide entre a atriz, a arte, gente comum que abriu seu coração em depoimnetos, o público de cada apresentação…
A dica dá material para pensar. Será que um dia cada um conquistará o protagonismo de si com tanta generosidade que ninguém mais vai sonhar com galãs? Parece ousado e longe… No fundo, o que fazemos boa parte do tempo é simples: vivemos todos em busca de galãs. Mas, infelizmente, assim como na vida, galãs são figuras de exceção, sempre raras na cena da arte, um fato lamentável.
Pois os galãs são bússolas afetivas, de certa forma eles nos orientam e nos apaziguam. Depois de roubar os nossos corações, eles nos acalentam, acenam para as nossas almas sofridas e insinuam que tudo vai bem ou, provavelmente, acabará bem, se tivermos, graças eles, nosso interior pacificado.
No fundo, os galãs servem para isto: com certeza esta tranquilidade apaziguadora emanada por sua arte é um dos conteúdos secretos do tal do borogodó. E borogodó, convenhamos, é um fluido etéreo, inacessível, só existe fora do alcance de cada um de nós…
QUANDO EU FOR MÃE QUERO AMAR DESSE JEITO
FICHA TÉCNICA
Texto: Eduardo Bakr
Direção: Tadeu Aguiar
Elenco: Vera Fischer, Larissa Maciel e Mouhamed Harfouch
Cenário: Natália Lana
Figurino: Ney Madeira e Dani Vidal
Desenho de luz: Daniela Sanchez
Trilha sonora original: Liliane Secco
Assistência de direção: Flavia Rinaldi
Coordenação de produção: Norma Thiré
Foto: Carlos Costa
Assessoria de imprensa: Barata Comunicação
SERVIÇO
Datas: de 02 a 20 de fevereiro de 2022
Dias da semana: quartas a domingos
Horário: 19h
Dia 19/02 em dois horários, 16h e 19h
Local: Arena do SESC Copacabana
Endereço: Rua Domingos Ferreira, 160 – Copacabana – Rio de Janeiro – RJ
Ingressos: R$ 7,50 (associados do SESC), R$15,00 (meia), R$30,00
(inteira)
Informações: (21) 2547-0156
Bilheteria – Horário de funcionamento:
Terça a Sexta – de 9h às 20h;
Domingos – das 13h às 20h.
Classificação indicativa: 12 anos
Duração: 80 minutos
Lotação: 127 lugares
Gênero: Comédia
Seguir os protocolos de segurança, uso de máscaras, álcool e apresentar comprovantes de vacinação e documento de identificação com foto
ASSESSORIA DE IMPRENSA: Barata Comunicação
EU DE VOCE
FICHA TÉCNICA
Idealização e Criação: Denise Fraga, José Maria e Luiz Villaça
Com Denise Fraga
Direção Luiz Villaça
Produção José Maria
Obra inspirada livremente nas narrativas de Akio Alex Missaka, Anas Obaid, Barbara Heckler, Bruno Favaro Martins, Clarice F. Vasconcelos, Cristiane Aparecida dos Santos Ferreira, Deise de Assis, Denise Miranda , Eliana Cristina dos Santos, Enzo Rodrigues, Érico Medeiros Jacobina Aires, Fátima Jinnyat, Felipe Aquino, Fernanda Pittelkow, Francisco Thiago Cavalcanti, Gláucia Faria, José Luiz Tavares, Julio Hernandes, Karina Cárdenas, Liliana Patrícia Pataquiva Barriga, Luis Gustavo Rocha, Maira Paola de Salvo, Marcia Angela Faga, Marcia Yukie Ikemoto, Marlene Simões de Paula, Nanci Bonani, Nathália da Silva de Oliveira, Raquel Nogueira Paulino, Ruth Maria Ferreiro Botelho, Sonia Manski, Sylvie Mutiene Ngkang, Thereza Brown, Vinicius Gabriel Araújo Portela, Wagner Júnior
Texto Final: Rafael Gomes, Denise Fraga e Luiz Villaça
Dramaturgia: Cassia Conti, André Dib, Denise Fraga, Fernanda Maia, Luiz Villaça e Rafael Gomes.
Colaboração dramatúrgica: Geraldo Carneiro, Kenia Dias, José Maria
Colaboração artística (residência no RJ): Artur Luanda e André Curti
Direção Musical: Fernanda Maia
Musicistas: Ana Rodrigues, Clara Bastos e Priscila Brigante
Direção de imagens em vídeo: André Dib
Direção de Movimento: Kenia Dias
Direção de Arte: Simone Mina
Iluminação: Wagner Antônio
Programação de Vídeo Mapping: Bruna Lessa
Design e operador de som: Carlos Henrique
Assistente e operador de luz e vídeo mapping: Ricardo Barbosa
Assistente de produção: Leonardo Shammah
Técnico de Palco: Alexander Peixoto
Contrarregra e camareira: Cristiane Ferreira
Costureira: Judite de Lima
Produção das imagens em video: Café Royal
Produtora executiva: Adriana Tavares
Fotógrafo: Thiago “Beck” de Vicentis
Primeiro assistente de câmera: Diego José Marinho
Som direto: Fernando Akira
Eletricista: Alberto Ferreira
Logger: Hugo Dourado
Administração financeira: Evandro Fernandes
Fotos para arte: Willy Biondani
Fotos de cena: Cacá Bernardes
Programação visual: Guime Davidson, Phillipe Marks
Assessoria de Imprensa RJ: Barata Comunicação
Redes sociais: @DeniseFragaOficial
Roteiro de Audiodescrição: Letícia Schwartz
Consultoria: Luís D. Medeiros
Coprodução: Café Royal
Produção: NIA Teatro
Patrocínio: BB Seguros
Apoio Institucional: Centro Cultural Banco do Brasil
Realização: Secretaria Especial da Cultura, Ministério do Turismo e Governo Federal. Este espetáculo foi realizado por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura
SERVIÇO:
Temporada: de 2 a 20 de fevereiro de 2022
Dias e horários: de quartas a sábados, 19h, e domingos, 18h
Sessão extra dia 14 de fevereiro de 2022, 19h
Local: CCBB Rio – Teatro I (Rua Primeiro de Março, 66 – Centro).
Informações: 3808-2020.
Ingressos: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).
Capacidade: 172 lugares.
Duração: 90 min
Classificação indicativa: 12 anos.
bb.com.br/cultura | twitter.com/ccbb_rj | facebook.com/ccbb.rj
SAC 0800 729 0722 – Ouvidoria BB 0800 729 5678
Deficientes Auditivos ou de Fala 0800 729 0088
PARA LER SOBRE OS ASTROS MAIORES E A SUA ARTE…