Educando o mundo
Alguns autores escrevem para a cena com uma percepção afiada, um olho na vida, o outro na arte, a ambição justa de ajudar a mudar o mundo através da sensibilidade. Este é o grande mérito de Willy Russell. E, claro, uma das razões para correr ao teatro e ver esta delicada encenação de Educando Rita, cartaz do Teatro Café Pequeno até o próximo domingo.
Trata-se de uma comédia sentimental, mas a superfície do que é proposto não deve enganar o público amante de teatro, pois algo bem mais denso acontece na cena, graças ao trabalho coletivo investido na encenação. Além do texto provocativo e deliberadamente teatral, há uma inspirada tradução, feliz nas humoradas aproximações com a realidade brasileira, ainda que elas não fossem essenciais, assinada por Mariana Mac Niven, uma notável direção, de Cláudio Mendes, preocupada com as sutilezas e os requintes dos relacionamentos humanos, uma direção de arte atenta à composição estética do espaço e à densidade simbólica de objetos e figurinos e uma luz estruturada como poesia.
A trama é simples – de acordo com as mudanças da sociedade inglesa na segunda metade do século XX, que ampliaram o acesso social ao saber e ao mundo acadêmico, uma jovem mulher humilde (Mariana Mac Niven) embarca na ilusão de buscar saída para a sua angústia existencial através do estudo, graças à universidade aberta, fenômeno recente no Brasil. Passa a contar com a orientação de um professor desencantado (Claudio Mendes), poeta frustrado enredado nos livros e na bebida.
Em sintonia com a história do teatro e o cotidiano de nosso tempo, Russell desenhou uma versão do clássico Pigmaleão, mas com a diferença essencial de que a busca pela transformação da mulher parte da própria mulher, que comanda o processo. Assim, é a mulher o vértice ao quadrado do turbilhão de mudanças: senhora do mundo, sujeito e objeto. Apesar do abismo social que separa os dois, uma estranha cumplicidade nasce entre eles, feita de curiosidade, necessidade, interesse humano, atração e repulsa.
A direção de Claudio Mendes, atenta aos requintes do trabalho de interpretação, faz surgir no palco um jogo sutil de humanidade capaz de encantar a plateia. Ao lado da progressiva transformação da cabeleireira estridente e deselegante em estudante dedicada, surge um mestre impregnado pela literatura, porém desiludido com a academia e, logo, não só autodestrutivo, mas capaz de se revoltar com o progresso gerado por suas aulas. Ainda que as passagens das cenas sejam um tanto bruscas, sem soluções formais coerentes com o conjunto da montagem, a fluidez das cenas é importante para a progressiva tensão que estrutura a situação.
É notável a habilidade do texto para falar dos paradoxos humanos que vivemos, bem registrados na montagem – tanto a cabeleireira se atormenta com a superficialidade de seu meio, como o professor revela a falsidade da ilusão de saber que envolve a academia. No entanto, prevalece uma atitude de adesão à vida muito positiva: o exercício honesto da busca, da inquietude, permite, ao final, um desenlace positivo.
No centro da cena, em meio a cascatas de livros e hábeis jogos de luz, há uma reprodução do belo quadro de William Bouguereau (1825-1905), O Nascimento de Vênus. E a chave de leitura surge, direta e simples: é como se o nascimento de Vênus fosse o nascimento da razão, a racionalidade redentora do ser humano, passível sim de ser conquistada na vida, em especial com a ajuda do teatro. Em outras palavras, há um remédio milagroso para os males da vida: o belo que emana da arte. Vale a pena conferir.
Texto: Willy Russel
Tradução: Marianna Mac Niven
Direção: Claudio Mendes
Elenco: Marianna Mac Niven e Claudio Mendes
Direção de Arte (Cenário e Figurino): Arlete Rua, Carlos Alberto Nunes e Paula Cruz
Iluminação: Paulo César Medeiros
Sonoplastia (Trilha Sonora): Alessandro Perssan
Coreografia de Abertura: Maurício Silva
Perucas: Jakbell
Fotos e Vídeo de Divulgação: Octavio Mac Niven
Design Gráfico: Marcus Moraes
Colaboração na Tradução: Tatiana Prisco
Contrarregra: André Boneco
Cenotécnico: André Salles
Operador de Luz: Morgana Grindel
Operador de Som: Adalberto Lopes “Pimpolho DJ”
Assessoria de Imprensa: João Pontes e Stella Stephany
Estréia: 11 de janeiro (sábado), às 20h
Local: Teatro Municipal Café Pequeno – Av. Ataulfo de Paiva, 269 – Leblon / RJ
Capacidade: 80 espectadores
Horário: quinta a sábado às 20h, domingo às 19h
Duração: 105 minutos
Ingressos: R$ 40,00 E R$20,00 (meia entrada)
Classificação: 18 anos
Temporada: até 23/02/2014
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