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Vamos lá, diga a verdade. Você adora teatro, como todos os seres humanos dignos da espécie. E o que é que faz você gostar de teatro? O fato de o teatro ser bom, simples assim. Então, não perca tempo, corra para ver Insignificância, excelente produção paulista em temporada relâmpago no Teatro Adolpho Bloch. É um espetáculo para sair de alma lavada, com o ser iluminado pela boa e antiga arte do palco. 

Em cena, atores de alto gabarito apresentam um texto de dramaturgia muito bem urdida, sob uma direção preciosa no trato dos atores e do espetáculo; cenário, luz e figurinos são de requintada concepção. Em poder da equipe, apaixonada por seu ofício, a cena se transforma em veículo para celebrar o melhor da arte.

Qual o segredo básico para este resultado ótimo? Além da equipe de alto padrão, a qualidade da montagem começa no texto, este valor que a classe teatral, por aqui no Rio, não tem se preocupado muito em cultivar. A peça é contemporânea, de  Terry Johnson; quer dizer, foi escrita segundo uma forma e alguns temas afinados com as dores e os risos do nosso tempo. Por isto, recebeu uma classificação original: comédia relativa.  O autor, um homem de teatro na plena acepção do termo, é personalidade de destaque na cena britânica, em princípio, e mundial, por mérito.

Para sacudir a nossa visão acerca do valor do ser humano no mundo atual, ele escolheu jogar em cena um encontro hipotético entre pessoas, digamos, poderosas: na ciência, na política, na arte e no esporte. Graças a uma ideia dramatúrgica feliz, encontram-se num quarto de hotel de Nova Iorque o celebrado gênio da física Albert Einstein, o temível e hediondo senador Joe McCarthy, a luminosa garota irresistível Marilyn Monroe e o primeiro marido da atriz, o simplório jogador Joe DiMaggio. É uma noite e tanto – para as figuras da cena e, claro, para a plateia.

Sim, apoiada pela grandeza do texto, a qualidade da noite é irradiada com força a partir do brilhantismo dos atores, conduzidos com fina inteligência cênica por Victor Garcia Peralta. O ponto de partida do elenco é a composição minuciosa dos quatro símbolos ocidentais reunidos, bem densa graças ao figurino de Fábio Namatame, ao visagismo de Claudinei Hidalgo e às perucas do Atelier San Roman . 

Mas a composição, este recurso teatral tão antigo, é apenas uma parte do show: os atores vão muito além, cada ator traz uma carga de interpretação apta para fazer tremer a visão de mundo do público. Os mitos não surgem em cena como caricaturas ou formas simplificadas, eles têm densidade interior, são “gente”, como todas as gentes.

Cassio Scapin desenha um Einstein chocante, radicalmente fiel à imagem mitológica inscrita na sensibilidade da humanidade. Ao mesmo tempo, o ator acrescenta à tradição um fluxo de amorosidade intenso, capaz de transformar o velho cientista no amigo de fé de todos e de cada um, apesar de profunda solidão que o envolve. As ideias de Einstein levaram a ciência a um patamar revolucionário – mas levaram também à bomba atômica.

Amanda Acosta definitivamente se afirma como uma atriz estrelar de primeira grandeza. Depois de sua eclosão histórica notável como Bibi Ferreira (Bibi, Uma Vida em Musical), ela assina agora uma criação na qual consegue expor a energia feminina como motor absoluto da vida, a espiral de sensações primárias encarnada em Marilyn. É ainda mais: é um furacão sensual, meigo e belo; nas letras do texto, o mito carnal envereda por um caminho imprevisível, com o desejo de afirmar-se a inteligência luminosa de Marilyn. Amanda Acosta assume a tarefa sob um ritmo de entrega total e consegue um efeito muito mais do que arrebatador, é a rainha da cena na noite.

Por contraste, a grande virada emocional e estética traz a assinatura impecável de Marcos Veras, responsável por um Joe DiMaggio exposto com extrema segurança, capaz de despertar sentimentos contraditórios no público. O seu jogador é um perfeito colosso humano de músculos e ideias curtas, mas salpicado de nuanças sentimentais eficientes para demonstrar a sua humanidade. As reviravoltas propostas pela trama conseguem a peripécia de jogar Einstein em atitude suspeita de crime sexual, sob a mira do marido bronco, desencadeando um turbilhão de risadas na noite teatral. 

A paleta de tons sombrios apegada à ignorância se torna densa expressão do mal com a presença do senador, Joe McCarthy. Líder de um violento movimento de caça aos comunistas no pós-guerra, ele aparece empenhado em levar o cientista para depor no comitê de atividades antiamericanas, um desempenho mais do que correto de Norival Rizzo. Desde a primeira cena, o político grotesco desencadeia várias contracenas de desentendimento, impondo-se como um princípio vivo de dissolução da dignidade humana.

Portanto, a atividade é intensa no quarto de hotel de Einstein. Há um entra e sai permanente e um fluxo de desencontros de conversas e intenções. O resultado é claro: oferecer um panorama requintado a respeito da vida humana em nosso tempo – e lançar a pergunta ácida a respeito do significado de ser e existir.

 

A pergunta se torna uma questão de perturbador alcance histórico graças à visão, quase durante toda a peça, do panorama de Nova Iorque, visto da janela do hotel. O centro maior da vida ocidental desfila ao fundo, diante dos olhos do público. O efeito cênico, de grande beleza, se tornou possível no teatro graças ao uso de uma tela de led de grandes dimensões. Uma maravilha do engenho humano, afinal.

Em cena, estamos em 1953 e já temos Nova Iorque como uma megalópole de aço, vidro e fumaça. Ao olharmos a cena, tão distante, graças a um texto publicado em 1983, é inevitável perguntarmos se a cena se transformou ou se ainda é a mesma. Será que a condição humana, uma insignificância, se transformou de forma expressiva neste percurso? O tema convida à reflexão sobre o valor da vida, o valor de cada opção. Em uma palavra, qual é a nossa significância?   

Ficha Técnica

Autor: Terry Johnson

Tradução: Gregório Duvivier

Elenco: Cassio Scapin, Amanda Acosta, Marcos Veras e Norival Rizzo

Direção: Victor Garcia Peralta

Produção: Rodrigo Velloni

Diretor Assistente: André Acioli

Cenário: Chris Aizner

Direção de Imagem: André Grynwask e Pri Argoud (Um Cafofo)

Música Original: Marcelo Pellegrini

Iluminação: Beto Bruel 

Figurinos: Fábio Namatame

Designer Gráfico: Peu Fulgencio

Consultoria de Movimento: Vivien Buckup

Fotos de Estúdio: Jairo Goldflus

Fotos de Cena: João Caldas

Visagista: Claudinei Hidalgo

Perucas: Atelier San Roman  

Produção de Objetos: Jorge Luiz Alves

Pesquisa e Consultoria Histórica: João Victor Silva

Produção Musical: Surdina 

Assistência e Programação de Luz: Pajeú Oliveira

Operação de Luz: Melissa Oliveira

Painel de Led e Gerenciamento de Vídeo: On Projeções

Diretor de Palco: Jones de Souza

Contrarregra: Eduardo Portella

Camareira: Luciana Galvão

Vestido Atriz: Juliano Queiroz

Alfaiate: Agenor Domingos

Assistente de Maquiagem: David Lenk 

Cenotecnia: Casa Malagueta 

Equipe de Cenotecnia: Alício Silva, Giorgia Massetani, Cleiton Willy, Demi Araújo, Igor B. Gomes, Mariana Maschietto, Shampzss e Danndhara Shoyama

Produção Executiva: Swan Prado

Assistente de Produção: Adriana Souza

Assistente de Designer Gráfico: Daniela Souza

Assessoria de Imprensa: Vicente Negrão Assessoria

Captação, Criação de Conteúdo e Mídias Sociais: GaTú Filmes

Anúncios Online: Lead Performance

Assessoria Jurídica: Martha Macruz 

Gestão Financeira: Vanessa Velloni

Realização: Velloni Produções Artísticas

Patrocínio: Fórmula Natural

Copatrocínio: Alberflex e Rehau

Apoio: Instituto Adimax e Competition

Serviço

Insignificância – Uma Comédia Relativa

@insignificancia.teatro

Temporada: 14 de março a 06 de abril

Sextas e sábados às 20h; domingos às 18h

Ingressos: 

Plateia A: 130,00 / 65,00 (meia)

Plateia B: 40,00 / 20,00 (meia) 

Vendas: https://www.ingresso.com/espetaculos/insignificancia