Crítica: A Noviça Rebelde
Mexa-se, rápido: a nova montagem de A Noviça Rebelde, o clássico musical de Rodgers e Hammernstein II, revisitado por Charles Möller e Claudio Botelho, está de volta ao Rio, na belíssima Grande Sala da Cidade das Artes. Mas, atenção: a temporada será curta. Portanto, quem tem olhos, alma e coração tem também uma segunda chance para ver e rever o sensacional espetáculo, um evento histórico em toda a acepção da palavra. Não é sempre que a história do palco desfila diante dos mortais para banhar as suas vidas em altas voltagens de sensibilidade.
A grandeza absoluta da cena proposta já nasce do original, um dos maiores musicais da história do gênero. A trama exposta no libreto de Howard Lindsay e Russel Crouse foi construída a partir do livro de memórias de Maria Augusta Trapp, The Trapp Family Singers. A peça é uma versão romanceada de um caso real, sublinhando-se o poder do amor, dos valores humanos profundos e da devoção à liberdade. As músicas, de Richard Rodgers, e as letras, de Oscar Hammerstein II, estruturam as cenas com a mesma importância que os diálogos, condição técnica que torna a obra uma teia envolvente de emoções e sentimentos refinados, capaz de sacudir as fibras até mesmo de uma alma de pedra. Canções antológicas, de rara beleza, pontuam a cena.
A beleza, contudo, se amplia: ela surge intensa na versão brasileira assinada por Claudio Botelho, decididamente o maior poeta-tradutor do palco do país. Os achados inspirados pontilham o espetáculo do início ao fim, favorecendo a identificação da plateia com a cena.
Mas há mais. A dupla Möeller-Botelho encenou o mesmo musical pela primeira vez em 2008 e, dezesseis anos depois, como adolescentes ansiosos para ganhar o mundo, mergulhou na remontagem com um espírito de renovação impressionante. Simplesmente está em cena uma nova linguagem teatral, uma fusão cinema-teatro estarrecedora, algo que se projeta além dos limites criativos do país. A cenografia assinada por Nicolás Boni instaura no palco um mecanismo inédito de percepção, ao fundir estruturas concretas com fluxos cinematográficos de rara beleza. O uso em larga escala de imagens obtidas por plotagem e de uma gigante tela de led estruturam o espaço. O cenário “se move”, mas de uma forma peculiar, como se fosse uma espécie de projeção teatral.
Logicamente, esta revolução cênica precisou contar com uma mágica de interpretação muito requintada – a escolha do elenco, um time precioso, foi um passo essencial para a fluidez das cenas sob a cenografia híbrida, mistura de palco construído e projeção, sem qualquer ruptura da aliança entre atores e espaço, digamos, pictórico. Trata-se de magia na acepção mais profunda, mais transcendental do termo, um dispositivo capaz de transportar a sensibilidade num movimento permanente, distante da sugestão típica do teatro, estática.
Ela começa na abertura, com a cena do convento, a reza das freiras impregnada de devoção, mas sob um tom soturno. E vibra a seguir, em contraste, com a paisagem solar das montanhas e o canto límpido, cristalino, de Malu Rodrigues. O jogo cênico percorre todo o espetáculo, até o final.
Sim, Malu Rodrigues é um show à parte – ou melhor, é a mais perfeita encarnação da freirinha levada e romântica, espirituosa e sensível, arrebatadora. Sua presença em cena, sempre intensa, eletriza a plateia graças à sua requintada habilidade para unir canto, intensidade física e sentimental. Favorecida pelos figurinos precisos assinados por Karen Brustolin, Malu Rodrigues traduz brilhantemente o percurso da garota camponesa, do convento até a baronesa fiel aos valores mais nobres da existência. A beleza de sua voz conhece a peça de forma única: em 2018 ela esteve na remontagem paulista, fazendo par com o ator Gabriel Braga Nunes.
Na versão atual, o capitão Georg Von Trapp se materializa na figura escultórica de Pierre Baitelli, mais inclinado à revelação da frieza e da intolerância, menos intenso na reviravolta em direção ao amor. O casal tem uma química teatral vertiginosa, formaram o par romântico da histórica montagem de O Despertar da Primavera (2009).
Portanto, uma constatação se impõe: escrever sobre A Noviça Rebelde é desfiar um roteiro sem fim de belezas. Vale enumerar alguns tópicos decisivos. A condução da música por Marcelo Castro une técnica e expressividade; alcança um grau elevado de comunicabilidade – leva a plateia a bater palmas para marcar o ritmo em vários momentos. A coreografia de Dalal Achcar emociona por sua beleza teatral precisa, pois segue à risca a necessidade das cenas. A caracterização dos atores, a cargo de Feliciano San Roman, traduz bem a época e as funções dramáticas.
As cenas emocionantes do espetáculo são incontáveis – mas vale destacar a elegantíssima sequência da declaração de amor do casal principal. Ela começa tênue, diante do crepúsculo, prolonga-se sob o cair da noite e acontece, esfuziante, abençoada pela luz das estrelas, numa alquimia cênica sentimental irresistível, desenhada pela iluminação do mestre Paulo César Medeiros.
O encontro dos jovens enamorados Liesl e Rolf também merece menção especial. Larissa Manoela demonstra a oscilação da jovem adolescente Liesl, entre a timidez e a malícia pueril, com delicadeza exemplar, canta com excelência e tem forte domínio de cena. Eduardo Borelli (Rolf) representa com brio o jovem galã amoroso e evidencia com impacto a sua transformação cruel em lacaio do poder.
Outros olhares comovidos surgem graças aos vários desempenhos exemplares do elenco – um dos grandes méritos do trabalho de Charles Möeller na direção. Analu Pimenta, na madre superiora, materializa uma força tão arrebatadora que explica o desejo de alguém se fechar num convento. A sua voz potente e límpida confere impacto especial aos seus solos e contribui decididamente para tornar o número final, A Montanha, mais do que emocionante. O dueto com Malu Rodrigues, em Coisas que eu amo, instaura com força a grandeza humana da madre.
Pedroca Monteiro criou um Tio Max pródigo em fortes nuanças caricatas, opção interessante para arejar o clima emocional por vezes bastante intenso. Nas suas contracenas com Ingrid Gaigher, a baronesa Elsa, ele amplia as chances de humor do original. Claudio Mendes (Franz) e Martina Blink (Frau Schmidt) sublinham os meandros contraditórios das relações de trabalho, ferramentas hábeis para desvelar muito do perfil do capitão. Saulo Rodrigues demonstra com rigor, no inflexível Herr Zeller, a extensão da derrota humana exigida pelo nazismo.
A enumeração de tantos acertos denuncia uma realidade profunda: há no palco um acontecimento profissional absoluto. O engajamento por parte de todo o elenco, das freiras, das crianças, dos atores do conjunto, é intenso, não existem arestas ou oscilações. E, além de tudo, há as canções irresistíveis do original – obras de valor histórico consolidado, elas integram o nosso inconsciente coletivo. Quer dizer, o espetáculo nos obriga a reconhecer que somos seres impregnados de História, queiramos ou não. Em uma frase: tudo o que você precisa para renovar as energias sentimentais da sua vida está lá, ao seu dispor. Então, trate da saúde dos seus olhos, do seu coração e da sua alma: corra para ver.
‘A NOVIÇA REBELDE’
(‘The Sound of Music’)
Música de Richard Rodgers e letra de Oscar Hammerstein II
Libreto de Howard Lindsay e Russel Crouse
Um espetáculo de Charles Möeller & Claudio Botelho
Direção: Charles Möeller
Versão Brasileira e Supervisão Musical: Claudio Botelho
Elenco: Malu Rodrigues (Maria), Pierre Baitelli (Capitão Georg von Trapp), Larissa Manoela (Liesl), Giovanna Rangel (Liesl – alternante), Pedroca Monteiro (Tio Max), Ingrid Gaigher (Baronesa Elsa Schraeder), Analu Pimenta (Madre Superiora), Eduardo Borelli (Rolf), Claudio Mendes (Franz), Martina Blink (Frau Schmidt), Saulo Rodrigues (Herr Zeller), Kadu Veiga (Barão Elberfeld), Hamilton Dias (Almirante von Schreiber), Fegab (Irmã Berthe), Fernanda Biancamano (Irmã Margaretta), Amanda Vicente (Irmã Sophia), Tabatha Almeida, Talita Silveira, Ana Lobo, Carol Pfeiffer, Gabi Borba, Gabi Mello, Helen Tormina, Roberta Galuzzo, Celso Till.
As crianças: Chiko (Friedrich), João Pedro Chaseliov (Friedrich), Bia Brumatti (Louisa), Bruna Negendank (Louisa), Carol Binder (Louisa), Enzo Pacífico (Kurt), Pedro Burgarelli (Kurt), Samuel Ebendinger (Kurt), Alice Camargo (Brigitta), Cath Gordilho (Brigitta), Oli Bela (Brigitta), Julia Salarini (Marta), Malu Miranda (Marta), Maria Neder (Marta), Clara Portela (Gretl), Maya Dias (Gretl) e Valentina Reis (Gretl).
Direção Musical: Marcelo Castro
Coreografia: Dalal Achcar
Cenografia: Nicolás Boni
Figurino: Karen Brusttolin
Visagismo: Feliciano San Roman
Desenho de som: André Breda
Casting: Marcela Altberg
Coordenação Artística: Tina SallesDireção de Produção Möeller&Botelho: Carla Reis
Direção de Produção Aventura: Bianca Caruso
Direção Artística e Produção Geral Aventura: Aniela Jordan
Direção de Negócios e Marketing Aventura: Luiz Calainho
Realização: Aventura e Möeller&Botelho
SERVIÇO:
Temporada: 05 de setembro a 06 de outubro
Teatro: Cidade das Artes – Grande Sala (RJ)
Duração: 3 horas
Classificação: Livre
O ELENCO DO ESPETÁCULO PODE SER ALTERADO SEM PRÉVIO AVISO.
Apresentações Larissa Manoela: 05/09, 20h | 07/09, 15h | 11/09, 20h | 14/09, 15h | 15/09, 15h | 28/09, 19h | 29/09, 19h | 04/10, 20h | 05/10, 19h | 06/10, 19h.
Atenção: Nas sessões de 14, 15, 21 e 22 de setembro, às 15h, a personagem ‘Maria Reiner’ será interpretada pela atriz Tabatha Almeida. Nas demais sessões, a personagem será interpretada pela atriz Malu Rodrigues.
Haverá acessibilidade (libras, audiodescrição e legendagem) em todas as sessões através de tablet. Os interessados em assistir podem entrar em contato pelo e-mail: producao.novicarebelde@gmail.com.
VALORES DOS INGRESSOS:
Quinta, sexta e domingo (19h)
Plateia VIP – R$300,00
Plateia – R$240,00
Camarote central 2 – R$42,00
Frisa ímpar 2 e 3 – R$120,00
Frisa par 2 e 3 – R$120,00
Frisa ímpar 1 – R$42,00
Frisa par 1 – R$42,00
Camarote lateral ímpar – R$42,00
Camarote lateral par – R$42,00
Galeria central 1 – R$42,00
Galeria central 2 – R$42,00
Sábado (15h e 19h) e domingo (15h)
Plateia VIP – R$360,00
Plateia – R$300,00
Camarote central 2 – R$42,00
Frisa ímpar 2 e 3 – R$120,00
Frisa par 2 e 3 – R$120,00
Frisa ímpar 1 – R$42,00
Frisa par 1 – R$42,00
Camarote lateral ímpar – R$42,00
Camarote lateral par – R$42,00
Galeria central 1 – R$42,00
Galeria central 2 – R$42,00