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Camilla Amado – infinitas formas de ser teatro

Em cada vida, há uma força maior. Ela move tudo. Você pode atravessar os anos anestesiado, aos tropeços, sem saber qual o sentido do que você faz. Acontece. Mas, se você olhar com bastante atenção a geografia dos seus dias, perceberá o mistério. Ela está bem ali, diante de você. E a sua vida seria melhor se você caminhasse de braços dados com ela.

Sempre pensei neste enigma todas as vezes em que encontrei Camilla Amado: que força brutal move esta mulher? Por que ela aparece sempre assim, eterna inquietude, corpo que quer ser alma, alma que insiste em voltear, dançar, cantar, corporificar? O seu menor gesto, sem cálculo ou afetação, exala a certeza de algo vital, visceral, incontornável – a grandeza de existir em arte. Uma densidade enigmática.

Aos poucos, ao longo dos anos, comecei a entender algo de sua mágica forma de ser: ela era a absoluta senhoria cênica. Sim, senhoria, dona, proprietária, mas proprietária natural, sem escritura nem petulâncias de posse. Camilla Amado não estava no palco e no teatro de passagem, por acaso, por descuido ou vaidade.

Ela sempre esteve ali por pertencimento. O teatro era a sua natureza verdadeira, a sua forma de ser. E assim ela se movia em arte em estado de arte, fosse qual fosse o resultado alcançado. A rigor, vale defini-la em termos bem diretos: ela era uma fortaleza teatral – uma construção inteira, íntegra, sem frestas, onde o teatro precisava sempre estar e ser. Completamente.

Esta qualidade conferia um grau de nobreza único às suas escolhas, aos seus percursos. Nobreza aqui quer dizer: uma maneira inteiramente diferenciada, portanto, elevada. Não importava o que acontecesse ao redor, não importava a reação indiferente ou agressiva da crítica ou do público, só importava instaurar um estado de arte que precisaria ser compartilhado – e se possível, dentro da limitação de cada um, da limitação da plateia, ali de fora, ser reconhecido.

São raras as pessoas teatrais deste quilate. Elas são personas diferenciadas em razão do traço maior do seu perfil: a doação. Elas não se importam com a vaidade pequena, miúda, não se apegam ao cofrinho-guarda-moedas e não vivem escovando a autopromoção.  A arte não é um meio, um veículo, um lugar de passagem. A arte é.

Vítimas de uma imensa generosidade, prisioneiras de um estado de leveza natural, estas pessoas se tornam espécimes humanos diferenciados. Estes seres vivem em estado de arte, se preocupam mesmo é com a possibilidade de mudar a temperatura do mundo.

Neste cenário, eles se movem, claro, em múltiplas funções – e se tornam bichos de teatro. Não se pode falar aqui, nestes casos, em Mulher de Teatro ou Homem de Teatro. Estas personas, muito raras, dotadas de senhoria cênica, não se pretendem obrigatoriamente líderes, protagonistas, chefes de companhias ou de elencos, mas engrenagens. Elas são parte integrante e lógica da natureza do teatro, portanto bichos de teatro. Não adianta procurar outra explicação.

Só assim se consegue entender a carreira de Camilla Amado. A cavaleiro da arte, ela esteve em todos os suportes, formatos, em todas as posições. E não foi só do teatro, andou no cinema e na televisão. No teatro, participou de grupos históricos, integrou núcleos densos de pesquisa, atiçou inquietude e arte em alunos, fossem iniciantes ou atores buscadores em movimento.

Foi do Arena e do Oficina – dualidade reveladora para quem lida com História do Teatro Brasileiro. Não, não era oscilação vadia, itinerância cega, indefinição ou leviandade, era sintonia fina com a força da cena.  Camilla Amado estudava, pesquisava, vasculhava escritos – a sua busca pelo saber, iniciada na família intelectual e levada além da moldura mais acadêmica, foi  o motor de alimentação da sua entrega à arte.

Camilla itinerante, viajante entregue à paisagem a vagar por  trilhas estéticas as mais variadas, deixou de ser Amado, se tornou amada e amante. E ela parte agora como personalidade teatral querida, alvo do carinho maior de todos os contemporâneos que tiveram a benção de entender a dimensão de sua forma de ser arte.

Ficarei, na minha retina e nas minhas memórias de arte, com uma imagem requintada da atriz, um delicado momento de entrega absoluta ao ofício, que só conheci recentemente. Há duas semanas, vi Amélia, o suntuoso filme de Ana Carolina.

Fiquei totalmente impactada com o trabalho de Miriam Muniz – a sua Francisca é uma explosão notável de arte. E o elenco todo, sob uma direção inteligente e preciosa, convida ao mergulho nas urgências da sensibilidade feminina… e nas urgências póscoloniais. Mas este é um outro tema. A obra é livremente inspirada na viagem de Sarah Bernhardt ao Brasil, na qual ela teria sofrido um grave acidente em cena.

De repente, o que importa mesmo no filme é uma cena de arte magistral que deve ser reconhecida como uma das maiores definições de sororidade. E da arte maior dos atores. A cena é simples: desafiada pelo fracasso e pela arrogância de Sarah Bernhardt, Miriam Muniz recita para Béatrice Agenin, que representa Sarah Bernhardt, Gonçalves Dias e Castro Alves.

A recitação é apoteótica – ao terminar a cena, a atriz se volta para sair e o espectador recebe a imagem extasiada do rosto de Camilla Amado (Oswalda). Confesso que entrei em alfa, digamos, e fiquei impactada pela cena especialmente por causa deste seu desfecho.

Ali está Camilla Amado – não só a irmã  de Amélia (Marília Pêra) e Francisca, mas uma atriz que se torna magnética diante da cena incendiária da colega. Recomendo vivamente que se veja a sequência – ou todo o excelente filme – para desfrutar desta capacidade emocionante da atriz.

Sim, a nossa Camilla andou pelo palco, pela televisão e pelo cinema, múltipla e nômade. Também podemos homenageá-la indo ao teatro. Quer dizer, indo ao teatro na pandemia, mergulhando em teatro e usufruindo de suas radicalidades, formas novas inquietas. Claro, Camilla Amado sempre estaria disposta para debater esta situação. E surpreender os distraídos com lições agudas de arte.

Agora, além do teatro para ver on-line, há o teatro para ouvirver, no Telegram. Aliás, em 2020, um experiência muito curiosa no popular Zap reuniu os atores Reynaldo Gianecchini, Débora Nascimento, Jonathan Azevedo e Mariana Ximenes no projeto Amor de Quarentena. Neste caso, o texto tecia uma intrigante atmosfera de intimidade entre os artistas e o público, graças ao envio de mensagens por meio do aplicativo.

Para o novo desafio, o convite parte do veterano Grupo Galpão e recebe um nome que incita a curiosidade de quem está trancado em casa sob isolamento – Como os ciganos fazem as malas. A proposta conta com texto de Newton Moreno e direção de Yara de Novaes, atributos que ampliam a potência de sedução do trabalho.

Para tornar a voltagem da empreitada ainda mais elevada, a participação do público segue uma trama de procedimentos – quer dizer, o espectador é parte ativa ou inteligente da jornada. Não basta ficar sentado e quieto no escuro, é preciso saber que se trata de uma viagem em arte e que ela poderá ser em tempo real – com 8h – ou compacta – 1h30. E que a conexão precisa ser bem afinada.

Para quem não é tão ousado, não há problema: vale homenagerar Camilla Amado com qualquer forma-teatro do seu próprio gosto. Até mesmo ler alguma grande obra, ler Shakespeare, Hamlet. Vale tudo, menos ficar indiferente ou distante. Afinal, tivemos a honra de conviver com uma artista cujo sentido da vida foi mergulhar fundo na arte, para presentear os contemporâneos com joias requintadas da sensibilidade no nosso tempo. Então, não se pode deixar passar: a força desta vida, redemoinho de arte, agora é nossa.

PARA VER CAMILLA:

COMO OS CIGANOS FAZEM AS MALAS

FICHA TÉCNICA

DIREÇÃO: Yara de Novaes

TEXTO: Newton Moreno

CRIAÇÃO: Yara de Novaes, Tiago Macedo, Paulo André e Barulhista

COCRIAÇÃO: Eduardo Moreira, Gilma Oliveira, Lydia Del Picchia, Beatriz Radicchi, Rodrigo Marçal

Personagem / Elenco

Escritor viajante / Paulo André

Piloto / Eduardo Moreira

Mãe / Inês Peixoto

Lara / Lara Madonna Volguer Estrela

Copiloto / Barulhista

Comissária de bordo e mulher do casal / Lydia Del Picchia

Homem do casal / Luiz Rocha

Homem japonês / Shima

Criança francesa / Alice Pelúcio

Portuguesa / Simone Ordones

DIREÇÃO DE ARTE, CRIAÇÃO E EDIÇÃO DE IMAGENS: Tiago Macedo

TRILHA SONORA: Barulhista

GRAVAÇÃO OFFS: Vinícius Alves

COMUNICAÇÃO: Fernando Dornas e Letícia Leiva

ASSESSORIA DE IMPRENSA: Polliane Eliziário – Personal Press

PRODUÇÃO EXECUTIVA: Beatriz Radicchi

DIREÇÃO DE PRODUÇÃO: Gilma Oliveira

PRODUÇÃO: Grupo Galpão

 SERVIÇO

ESTREIA NACIONAL

5 a 13 de junho de 2021 (aos sábados e domingos)

Ingressos gratuitos disponíveis no site: https://www.sympla.com.br/grupogalpao

Classificação indicativa: Livre

ORIENTAÇÕES AO PÚBLICO.
– A experiência é gratuita, on-line e ao-vivo.
– É necessário retirar ingresso Sympla. Eles são limitados.
– A experiência é transmitida pelo Telegram, aplicativo de mensagens semelhante ao Whatsaap.
– Baixe o aplicativo Telegram em seu aparelho celular (Smartphone ou Iphone).
– Se desejar, utilize a versão para desktop (computador): https://telegram.org/. – Escolha sua sessão:

VIAGEM EM TEMPO REAL (duração 8h – das 11h às 19h).Nesta opção, você receberá mensagens de forma descontinuada e poderá acessá-las quando quiser e tiver um tempo para isso, até o final da viagem.

VIAGEM COMPACTA (duração: 1h30 – das 20h às 21h30). Nesta opção, as mensagens serão enviadas de forma contínua ao longo desse período.

Importante: O conteúdo é o mesmo para as duas viagens. 
– Confira os dados do ingresso adquirido.
– Após a retirada de seu ingresso, você receberá e-mails com orientações e com o link de acesso ao canal de transmissão.
– Verifique a sua conexão de internet.
– Use fones de ouvidos.

ATENÇÃO: Esta experiência tem início pontualmente. Após o início, não é permitida a entrada no canal de transmissão.

PARA LER SOBRE O GALPAO: