Saudades do meu Rio de Janeiro
Desculpem a inconfidência carioca – desde criança, fui acostumada a vagar pelo Rio. O meu pai era apaixonado pela cidade. Tinha a mania de jogar a criançada no carro e sair por aí, exibindo tudo o que ele achava que era maravilha. Não vou listar aqui, a lista não acabaria nunca.
Na opinião dele, a casa mais bonita da cidade era o Palacete Martinelli, no limite entre Flamengo e Botafogo. Pois é, aquele mesmo que tornava vesgos os que insistissem em olhar muito tempo para tudo aquilo. Naquele tempo, os muros eram baixos e existia uma coisa muito interessante chamada jardim!
Sim, puseram abaixo o palacete – dá para ver fotos na internet. E a coisa chamada jardim, hoje muito rara, onde sobrevive, em geral fica escondida atrás de muralhas inexpugnáveis. Não dá para dar sequer uma olhadela. Aliás, o melhor é não tentar olhar, pois o curioso pode ser mal entendido e acabar num BO.
A cidade da minha infância evaporou em sol, concreto e asfalto. Portanto, trancada em casa desde março, nem sei se posso dizer que sinto falta da rua. Claro, saí do casulo, fui ao médico e também saí para um saracotico no quarteirão. Mas o ritual para sair… nem me fale!
Além de máscaras, temos sapatos de rua e roupas de rua. Na bolsa – por sinal, precisa ser uma bolsa de rua – o mais importante é ter álcool gel e máscara sobressalente. Contenha a vaidade e reduza os enfeites: nada de cabelos soltos, echarpes, lenços esvoaçantes ou brincos.
É necessário andar alheio a corrimões, maçanetas e o que mais possa existir para apoiar as mãos. Não se deve pegar elevador em turba. Ah, não se deve nem cogitar chegar perto desta coisa estranha chamada outra pessoa. Vai, irmão, sozinho. Dois metros de distância já é atentado à vida.
Não há dúvida: uma nova forma de passear surgiu. Com bom humor e perícia, dá para sobreviver bem a cada escapada, ainda que talvez não dê para lembrar de nada da aventura – o fundamental foi manter o máximo de atenção nas etapas e procedimentos para sair. Como prestar atenção em belezas vadias?
Ao voltar para casa, novos prazeres inéditos: tire toda a roupa, inclusive os sapatos, o mais do lado de fora possível. Não, não fique pelado na rua, não vai pegar bem nestes tempos conservadores. Apenas descubra o lugar mais fora do dentro da casa para ser a câmara de desinfecção. Tire a máscara por último e descarte-a ou ponha para lavar.
Não, não acabou – agora você precisa se enfiar embaixo do chuveiro e tomar um daqueles banhos pródigos em sabão e espuma que não habitava o seu corpo desde a infância. Sim, um senhor banho. Não me pergunte o que fazer se você for dar volteios na rua duas, três ou mais vezes ao dia. Só posso dizer: compre bastante sabão. Ou veja se consegue, pela internet, uma burka.
Depois disto tudo, alívio, sente-se, instale-se em paz na sua melhor poltrona e proclame – lar, doce lar. Tente lembrar das belas coisas vistas no passeio. Quem sabe se houver mesmo alguma forte lembrança, ela lhe proteja, então você fica parado em casa até que apareça a bendita vacina.
Pois, das minhas fracas saídas, francamente, as lembranças ao regressar me ajudam bastante a não querer sair. Não, não estou feliz com a imagem recente da minha cidade. Se puder escolher, entre esta nova aldeia e a poltrona, fico com a última. Assim, se não tem teatro, nem estou reclamando. A poltrona daqui está boa.
O que me desagradou tanto?, na certa algum curioso desejará saber. Pois o primeiro ponto é o asfalto. Nunca vi um prefeito tão desleixado com o revestimento das ruas como este sr. Crivella. Bom, a favor dele, que se diga que o desleixo dele não é só com o asfalto podre que ele inventou.
Penso que nós, cidadãos, devemos nos unir imediatamente e proibir os prefeitos de andar de helicóptero e de morar na Barra. Tudo indica que são duas formas violentas de alienação das autoridades. Prefeito que é prefeito, tem que morar em Botafogo ou coisa que o valha. No meio do ouriço.
Se a coisa continuar neste pé, em breve teremos pistas de rally em vez de ruas. Claro, não se pode cometer injustiça – as calçadas do Crivella também correm o risco de virar pistas de obstáculos ou pistas de virar pé. Não sei se ele firmou convênio com algum centro famoso de ortopedia, mas acabaremos forçados a exigir um vale-gesso para acompanhar o título de eleitor.
Imagine a dificuldade: administrar a máscara, lembrar do álcool gel, vigiar os perigosos humanos circulantes ao redor, quicar no asfalto para atravessar ruas e cuidar para não tombar nas crateras das calçadas! Um passo em falso e lá se vai todo o cuidado, pois certamente o carioca caído precisará de mãos, acompanhadas de temíveis bafos, para se reerguer. E pode acabar numa clínica… sob um estranho convênio, ortopedia e covid!
Finalmente, a terceira condição da nova urbe que me desconcertou foi a tristeza. Por favor, me falem, se eu estiver errada. Mas, nos lugares em que eu fui, Botafogo, Largo do Machado, Leblon e Barra, fui assaltada por uma nuvem de tristeza medonha, uma espécie de banzo digno das piores catacumbas do mundo. Senti o carioca no desalento, sem esperança.
O que aconteceu com o Rio? O que está acontecendo com a cidade? Alguém tem uma visão diferente, antagônica? Em caso afirmativo, por favor divulgue o seu saber, pois uma coisa que não se pode, de forma alguma, permitir, é o entristecer desta bela cidade.
Estamos falidos faz tempo. Teremos que viver de turismo sim – não poderemos contar com outras opções. Então, precisamos de ruas decentes, calçadas civilizadas e uma alegria humana honesta. Precisamos honrar a vocação, a história, a alma do Rio.
Na realidade, a cidade precisa de pouco. Precisa de ter administradores dignos desta função, gente honesta e amorosa, capaz de entender a vocação e as necessidades da cidade. Gente, chega de enganação, carioquemos, antes que seja tarde demais.
Dizem que a vacina está chegando, a onda sombria vai passar, o sol vai brilhar e alegrar os corações. Falta lutar para que a cidade nos alegre, desperte a vontade de flanar por suas ruas, flertar com sua alma, vagar em busca dos seus encantos.
A hora é para começar um movimento Rio eu te amo com força total. Quem for carioca de verdade, que entre no cordão, se prepare para a folia. Para começar, algo para conferir: em breve teremos teatros ao ar livre, bloco que ameaça arrastar a multidão e parece será encabeçado pelo Teatro Prudential.
Enquanto não vem, uma curiosidade – São Paulo anda fervendo e online. Quer dizer, dá para avaliar bastante a inquieta cena paulista, sem ponte aérea, sem avião e sem enfrentar as torturantes ruas do prefeito daqui. A lista é memorável, tem fôlego de bandeirante. Vou ficar em dois exemplos.
Em final de carreira, há o curioso espetáculo Ninho. Em início de função, há uma programação digna do frenesi da paulicéia desvairada no Teatro Porto Seguro.
Procure saber: parece que o teatron veio para ficar, mas logo logo a chance de curtir o que anda em pauta em São Paulo poderá se esfumar, se perder na garoa, imagine! Quem sabe? Torçamos, torcemos. A locomotiva paulista poderá esbarrar com um retorno glorioso, uma atração irresistível, o charme encantador das ruas do Rio.
SERVIÇO E FICHAS TÉCNICAS
Foto: Débora Falabella, divulgação, Cara Palavra.
Ninho
Encenado no Viga Espaço Cênico é transmitido via streaming pelo YouTube com sessões às 20h30 até 8 de outubro.
Ficha técnica:
Texto: Marc Garcia Coté.
Tradução: Janaína Suaudeau.
Colaboração tradução: Bruno Guida.
Direção: Bruno Guida.
Atuação: Janaína Suaudeau.
Música Original: Marcelo Pellegrini.
Cenário e Adereços: Marcela Donato.
Desenho de Luz: Anna Turra.
Figurino e visagismo: Daniel Infantini.
Maquiagem: Louise Hélène.
Assistente de Direção: Victor Abrahão.
Produção Musical: Surdina.
Canções Adicionais: Blue Moon (R. Rodgers/L. Hart) – The Mavericks e Don’t Give Up On Me (D. Penn, C. Whitsett, H. Lindsey) – Solomon Burke.
Vídeo e Transmissão ao vivo: Miguel Salvatore.
Produção Executiva: Leticia Gonzalez.
Operador de Luz: Marcel Rodrigues.
Intérprete de Libras: Celina Vaz.
Comunicação e Mídias Sociais: Jessica Rodrigues e Barbara Berta.
Assessoria de Imprensa: Adriana Balsanelli.
Assistente de comunicação: Bianca Bertolotto.
Design gráfico: Lucas Sancho.
Fotos: Lígia Jardim.
Serviço:
Até 8 de outubro com sessões às 20h30
Duração: 40 minutos
Classificação etária: 16 anos
Ingresso: Grátis.
Retirada dos ingressos em:
https://www.sympla.com.br/contornoproducoes
No Teatro Porto Seguro
Programação digital: comédia, música, poesia e experimento social
A programação digital é norteada pela interatividade e inovação com espetáculos que serão apresentados via streaming.
Os Parlapatões
Festival de Peças de Um Minuto – On Line Live Ao Vivo Tudo Isso e Muito Mais
Dias 17 e 18 de outubro.
Resultado de um concurso promovido pelo grupo, envolvendo autores de todo o país, com pequenos textos para encenações relâmpagos.
Elenco: 12 artistas dos Parlapatões e convidados.
Direção: Barbara Paz, Mauro Batista Vedia, Nelson Baskerville e Pedro Granato
Direção artística: Camila Turim
Direção geral: Hugo Possolo.
Cara Palavra
Com Débora Falabella, Andreia Horta, Mariana Ximenes e Bianca Comparato.
Temporada on-line de 24 outubro a 15 novembro.
Direção: Pedro Brício
ExReality – Onde Tudo Pode Acontecer
Nova obra da ExCompanhia de Teatro.
Experiência em um formato único, integra realidade e ficção, com a participação ativa do público na internet.
Estreia em duas sessões, dia 6 de novembro e dia 27 de novembro.
Duração: cada sessão – nove dias.
Todos os dias, às 21h30: apresentações ao vivo, na plataforma da atração.
Criação, direção e dramaturgia: Gustavo Vaz, Bernardo Galegale e Gabriel Spinosa.
Elenco: Bárbara Salomé, Johnnas Oliva e Thiago Andreuccetti.
Apresentador: Daniel Warren.
Participação especial: Ivy Donato, José Sampaio, Juliana Pina.
Temporada 1: De 6 a 14 de novembro.
Temporada 2: De 27 de novembro a 6 de dezembro.
Entradas diárias ao vivo às 21h30.
Ingressos: A partir de R$20.
Classificação: 16 anos.
(Parte do valor destinado para campanhas de auxílio aos diversos profissionais das artes cênicas)
Vendas: a partir de 30 de outubro, pelo site www.teatroportoseguro.com.br.
Assessoria de imprensa Porto Seguro
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