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Responda de estalo, no impulso, sem olhar no dicionário: qual o sinônimo mais-do-que-perfeito de “verão”? Qualquer ser antenado com a pura vontade de viver responde rápido, sem hesitar: férias! Se o raciocínio for aceito, é preciso saudar a inteligência histórica do teatro. Pois a associação íntima entre os dois estados do viver é uma prática de séculos no teatro. Até mesmo no caso brasileiro…

Desde o século XIX, uma velha tradição prescrevia aqui, para o teatro, o recolhimento no verão – no Rio de Janeiro, as famílias abastadas fugiam do calor e se abrigavam em Teresópolis ou Petrópolis. Com as epidemias de febre e o calorão, os teatros deviam se tornar lugares pouco desejados… O ar-condicionado ainda não existia, os banhos de mar eram medicinais, os seres eram prisioneiros do calorão.

Charge de jornal sob o nascente banho de mar carioca em 1868 (Semana Ilustrada, Hemeroteca Digital, BN.)

As companhias, contudo, não paravam de trabalhar, elas partiam em viagem pelo país. O verão era a época do mambembe. Existiram no Brasil dois roteiros mambembes – o litoral e o sertão. Em geral, as peças saíam do Rio e despencavam pelo país sem muita preocupação com a qualidade. Mas as rotas do sertão eram, com certeza, as mais “derrubadas” – os espetáculos se ajeitavam da forma como pudessem ser… quer dizer, de qualquer maneira.

No nosso tempo, submersos no calorão, apostamos no ar-condicionado para mudar os hábitos. O Rio de Janeiro pôde se tornar uma cidade teatral, até mesmo no verão. Não se tem mais uma ideia precisa a respeito do início e do fim da temporada, que deixou de ser sazonal. 

Agora mesmo, sob o tórrido sol de fevereiro e os anúncios retumbantes do carnaval, várias peças serão lançadas – em parte, elas cogitam beneficiar-se dos turistas em visita à cidade e do restinho das férias escolares. Há, assim, peça para todas as tribos – ainda que boa parte do teatro infantil continue na torcida por fins de semana de muita chuva. È uma outra tradição carioca. Nestes casos, os pais não podem levar as crianças para as praias e elegem o teatro como diversão familiar…

Uma prática antiga, entretanto, não mudou: a visita ao Rio, no verão, de espetáculos de outros estados, muito embora ela não apresente mais o fluxo intenso de outros tempos. A vida na cidade maravilhosa é cara e, para viajar, é fundamental contar com apoios de produção expressivos. 

Para esta semana, a cidade pode festejar com muita alegria a presença de um dos grupos teatrais mais admiráveis do país, o grupo Magiluth, do Recife (PE). A rigor, o conjunto diz muito a respeito do teatro brasileiro da atualidade, pois nasceu em 2004, na Universidade Federal de Pernambuco. O berço aponta para um “lugar de palco” diferenciado, recente, no qual a intimidade com a linguagem teatral nasce da academia, compromissada com a pesquisa e com práticas de invenção. Ao todo, já são 11 espetáculos assinados pelo grupo.

Para a mostra no Rio, no Mezanino do SESC Copacabana, o Magiluth apresentará, em temporada relâmpago, Miró – Estudo nº 2, espetáculo dedicado ao estudo da vida e da obra do poeta nordestino Miró da Muribeca. A contemplação da obra do poeta popular, dedicada à periferia e à rua, criada por um homem negro, foi estruturada para discutir a construção de personagem, quer dizer, há a passagem do chão da rua para a elevação da cátedra. Logicamente, há um cadinho complexo de substâncias; sob o foco estão não só a identidade e a criatividade do poeta, mas o cotidiano da população subalternizada.

Foto de cena, divulgação, Renato Domingos.

O grupo é formado pelos atores Bruno Parmera, Erivaldo Oliveira e Giordano Castro, também responsáveis pela pesquisa, pela dramaturgia e pela direção. Atualmente com uma sede para o funcionamento do grupo – condição fundamental para a qualidade de produção dos coletivos – o Magiluth está no segundo trabalho de pesquisa ao redor de poetas. Em 2022, o foco recaiu sobre João Cabral de Melo Neto, com a apresentação de Estudo n°1: Morte e vida. 

O processo de trabalho atual do grupo obedece a um cálculo de pesquisa bastante amplo, preocupado com a exploração do hibridismo de linguagem. A cena é desenhada em conexão com a potencialidade do audiovisual – quer dizer, as possibilidades de mistura do teatro com o cinema.Acrescente-se mais um patamar de exercício de linguagem – os recursos tecnológicos manipulados em cena – para que se possa apreender o perfil teatral da equipe. 

A pesquisa de linguagem, vital para o trabalho, insinua a produção de uma cena poética curiosa, capaz de fazer uma ponte entre realidades de extrema diversidade – a simples palavra da rua, o fluxo criativo livre de um poeta popular inspirado, o aparato intelectual  de um teatro de universidade, a parafernália tecnológica acionada pelo século e amada pelo espectador contemporâneo… Afinal, parece que temos um convite para uma singular invenção teatral em honra ao tempo: a presença de uma potência elevada de invenção oferecida pelo hoje, sob o escaldante sol do verão.

Foto de cena, divulgação, Renato Domingos.

SERVIÇO:

“MIRÓ: ESTUDO N°2”

Temporada: 06 a 16 de fevereiro de 2025

Horário: Quinta-feira a domingo, 20h30 

Ingressos: R$ 8 (associado do Sesc), R$ 15 (meia-entrada), R$ 30 (inteira)

Local: Sesc Copacabana – Mezanino 

Endereço: Rua Domingos Ferreira, 160 – Copacabana

Bilheteria – Horário de funcionamento: Terça a sexta-feira – de 9h às 20h; Sábados, domingos e feriados – das 14h às 20h

Tel.: (21) 3180-5226

Duração: 75 minutos 

Classificação Indicativa: 16 anos

Instagram: @magiluth

FICHA TÉCNICA:

Direção: Grupo Magiluth

Dramaturgia: Grupo Magiluth

Atores: Bruno Parmera, Erivaldo Oliveira e Giordano Castro

Stand in: Mário Sergio Cabral e Lucas Torres

Fotografia: Ashlley Melo   

Design Gráfico: Bruno Parmera

Design de Luz: Wagner Antônio

Assistência Luz: Dimi Luppi

Assessoria de Imprensa: Marrom Glacê Comunicação 

Colaboração: Anna Carolina Nogueira, Giovana Soar, Grace Passô, Kenia Dias, Luiz Fernando Marques, Miguel Mendes

Realização: Grupo Magiluth