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Amor eterno amor

Sim, você já amou. Não? Ah, não diga. Quem sabe até você nasceu sob uma benção especial e ama ainda. Muito. Transpira aquele sentimento único, envolvente, capaz de fazer a pessoa flutuar pela vida como se vivesse embalada numa nuvem do mais delicado algodão. Gostou da ideia? Melhor do que o seu atual  covidnamento – ops, seu isolamento por covid? Então, criatura, venha para o teatro, a arte por excelência de amar o semelhante.

O caminho é bem árduo – talvez subir trilhas nas pedreiras do Rio e namorar a cidade lá embaixo demande menos esforço. Mas, pense bem: mesmo que você siga a pista Cláudio Coutinho, trilhe a suave subida montanhosa do Corcovado e atinja sem dano o cocuruto do morro, terá depois que voltar ao trânsito, gasolina, gente estressada. E nunca poderá subir pelo caminho romântico da Praia Vermelha a qualquer hora, quando quiser.

Já no amor ao teatro, que diferença – é um amante à moda eterna, sempre disposto a receber o seu corpo e o seu coração. Pode ser no teatro, no caso mais certinho e convencional. Mas pode ser um encontro secreto, à la corona, até na sua cama quentinha, graças aos livros, iPhone, iPad, pc e todos os apetrechos mais, modernos, bons para viabilizar o encontro de almas ardentes que se buscam.

Ah, não venha me dizer que isto não é teatro, aquilo não é teatro, acolá não e não, teatro só é presença, cena, poeira de cortina e tablado, suor de ator. Atualize-se. Confira primeiro estes encontros vadios transgressores, contrários à velha tradição histriônica, propostas súbitas de um tempo outro. Primeiro, vibre na tela. Depois, fale.

Sim, confira. E serei bem franca. Talvez até cruel. Perdoe-me por se sentir traído. Porém, se você não gostar de nada, nada mesmo, nada online, nada virtual, nada do novo evanescente, nada de live, livros e quetais, peço desculpas, mas você não gosta de teatro. Portanto, não ama, não é capaz de amar. É um ser impermeável, de plástico ou de papel, quem sabe?

Isto não é nenhum crime, veja bem. Pessoalmente, não conheço gente assim. No entanto, já me disseram que o mundo está cheio deste povo. Parece que em Brasília existem até algumas hordas numerosas, capazes de fazer fila para desamar. Ou desteatralizar. Posso lhe assegurar: são sinônimos. Você não precisa se juntar a eles, mas pode tentar buscar uma cura para este mal, pois ele irá prejudicar muito a sua vida. De que vale uma vida sem amor?

Algumas lições são bem fáceis. Impressionados com o poder assustador dos desamantes – sim, eles podem ser chamados assim – os amantes criaram métodos espetaculares (claro, espetaculares) de reforço da paixão. Ou de conversão. Ou de cura da lei do desamor. Está nascendo um caminho teatral brasileiro próprio para isto. Uma enfermaria romântica de qualidade. Em breve, com sentimento tão intenso em cartaz, o caminho renderá enormes dissertações, teses e pesquisas acadêmicas.

Basicamente, tudo indica que nasceu aqui um pensamento mestiço – um pensamento teatral mestiço. A definição pensamento mestiço é de um francês, Serge Gruzinski, e foi forjada para dar conta da existência da colcha de retalhos contraditórios que nos define por aqui, abaixo do Equador e na latinoamericanidad. Pois bem: o teatro brasileiro, exercício pleno e constante de amor à vida, encontrou a sua verdade e pode apontar, para quem sentir o chamado do amor, o caminho da salvação.

Diz o francês que no coração da metamorfose e da precariedade se abriga a verdadeira continuidade das coisas. Eu digo que arranjamos um jeito de combinar arroubos individuais com necessidades e desejos coletivos. Inventamos uma forma para embolar com jeito tradição e invenção.

Se o candidato a amante se dispuser a ver a interessantíssima vídeo-aula do ator Alexandre Lino, O Artista Empreendedor, poderá constatar como ele aponta, sem hesitação qualquer, a trilha para viver em lua de mel no teatro, graças à própria dedicação. O ator sintetiza com brilhantismo este pouco mais de dois séculos teatrais desfrutados aqui.

Mas sintetiza não como história cronológica ou estética, ou de fatos e feitos. Ele sintetiza como sabedoria coletiva construída com sangue-suor-e-lágrimas por sucessivas gerações. Ou seja, como uma história de amor cego e descabelado sempre presente, sempre em pauta, norteando os gestos do dia a dia e da vida. Confira, está no IGTV.

Neste primeiro encontro, estaria a formação base. Mas importa prosseguir. Um outro programa aponta como o amor ao palco foi tão forte, foi tão violento, recentemente, a ponto de mudar o mapa do Brasil. Sim, senhores, o amor move terras e montanhas e fez o Brasil se curvar diante de Minas Gerais, honrando o conhecido estribilho da velha canção popular, quem te conhece não te esquece jamais.

O caso, aqui, é mais um casamento, se considerarmos o mergulho nas ideias de Lino como um namoro avançado. Casamento mineiro, com Eduardo Moreira, fundador do Grupo Galpão de Teatro, um coletivo histórico de uma força impressionante, autor da proeza de mexer o eixo teatral do país, outrora polarizado entre Rio e São Paulo. Eles mexeram no mapa teatral histórico…

O Galpão, um grupo do interior, usando, em parte, como ponto de partida, o alfabeto e o tom de prosa de sua terra, maravilhou a terra brasilis. Veio, abalou e se instalou, chegou para ficar, se transformou numa das mais importantes instituições teatrais nacionais.

De certa maneira, Lino e Moreira sintonizam na mesma frequência. Os dois apaixonados são homens de teatro – são atores, autores, diretores, produtores e com facilidade podem ser vistos com a vassoura na mão, se a necessidade do momento for varrer o ninho de amor. Com eles, não tem tempo quente, só tempo de ferveção.

A conversa com o mineiro, aliás, acontecerá nesta terça 22, às 16h30, na Plataforma ZOOM, num evento assinado por uma casa de pura paixão teatral, a Escola de Teatro da UFBA. Trata-se do Projeto de Extensão Relatos e Experiências, iniciativa que traduz bem a potência amorosa da inquieta Deolinda Vilhena, empresária empreendedora notável e professora da casa.

Mas se você pensa que São Paulo vai deixar você ficar assim, elas por elas, com o coração desligado da garoa, está muito enganado. Há um templo amoroso naquelas terras também propenso a destacar a importância de agir em grupo, como fazem os mineiros. É o Grupo Tapa, em atividade desde 1979, uma das mais contundentes provas brasileiras desta condição.

Quer dizer, no nosso pensamento teatral mestiço, o primeiro valor é a garra do indivíduo, o seu desejo de amar e de se jogar. A seguir, vem a certeza de que em grupo, somos mais fortes. E fortaleza, neste caso, tem a ver com um amor histórico descarado: o Tapa estuda história sem parar. E outras cositas mais, pois ator que é ator ama estudar tudo ao redor, para o amor ter força plena, ter realidade.

Nesta quinta, 24, por exemplo, o grupo começará online um  módulo de estudos. O tema, Realismo/Naturalismo, será  tratado por dois notáveis veteranos da casa, Brian Penido Ross e Guilherme Sant’Anna. São atores capazes de dobrar corações de pedra, já assinaram criações poéticas dignas daqueles álbuns preciosos inventados para imortalizar os grandes momentos de amor.

Agora, eles assinarão doze encontros virtuais ousados, com estudos e exercícios cênicos ao redor de textos teatrais obrigatórios na vida de quem ama o palco: A Dança Final, Quando as Máquinas Param, Dois Perdidos Numa Noite Suja, Navalha na Carne e Abajur Lilás. Quer dizer,amor consagrado em letra, papel e refinado tom de imortalidade.

Finalmente, não dá para falar de amor no Brasil sem passar pelo problema grave do nosso ser canibal original. Apesar da nossa capa enganosa (teatral) de gentileza, somos perigosos devoradores e com certeza o tema está bem no miolo do pensamento mestiço. O francês Serge Gruzinski recorreu justamente a Macunaíma para desenvolver o estudo do nosso jeito de ser.

E portanto nós não poderíamos, claro, deixar de falar nos franceses, em especial aqui no Rio, quando o caso é teatro e amor. Os franceses foram o nosso primeiro grande amor secreto, nosso mais formidável adultério colonial, e, apesar dos portugueses vigilantes por vezes tratados a garrafadas, no século XIX, foi francês o colo universal que nos abrigou.

Assim, para ir mais longe neste mergulho no pleno amor, nada melhor do que a velha e boa França, o sempre delicioso encontro com o Théâtre du Soleil. Nesta terça, começam as inscrições para o Seminário Internacional Sob a Luz do Soleil, evento de longa duração, com inúmeras atividades, programadas para o período de 22/09 a 10/10.

Vale visitar o site e decidir qual a inclinação do seu coração. E atentar para um detalhe muito importante – o francês sob o foco é um grupo, um coletivo, uma entidade paralela à dinâmica do puro jogo comercial de mercado.

Sim, teatro é amor. O palco – mesmo quando finge indiferença e quarta parede – está sempre em estado de cópula com a plateia. Há sempre um comércio afetivo dentro do teatro. Tudo o que a cena deseja é amar. E os nossos maiores professores de amor, por aqui, foram os franceses, os grandes inventores do charme da Rua do Ouvidor.

Neste sentido, o nosso pensamento mestiço, moreno casado com a França, miseravelmente morto de amor e precisando sobreviver, tem a obrigação de gerar um teatro local, bem nosso. Ou, como explica com muita clareza Alexandre Lino, um teatro que se mova sozinho, por suas pernas e saiba jorrar amor para garantir a sua sobrevivência. Amemos, pois: tudo o que mais precisamos agora é de teatro.

Serviço:

Foto: Divulgação – Le Théâtre du Soleil,  Etienne Lemasson/Le Théâtre du Soleil – Reprodução

Projeto de Extensão da Escola de Teatro da UFBA, Relatos e Experiências

Seminário A Cadeia produtiva do espetáculo teatral contada e cantada por quem o faz

Entrevista: Eduardo Moreira, do Grupo Galpão de Teatro

 terça-feira dia 22 de setembro, às 16h30 na Plataforma ZOOM.

Acesso exclusivamente até às 16h50

Inscrição: 

https://us02web.zoom.us/meeting/register/tZIqduutrzIiHdcXCt_OYB5nXwq4KZD8pKNy

Grupo Tapa

Encontros online – estudos e exercícios cênicos
Orientadores: Brian Penido Ross & Guilherme Sant’Anna.
Horário: às quintas das 10h às 13h.

12 encontros online entre 24/09  e 10/12.

Valor: R$ 730 à vista com desconto, ou 3 x R$255

Seminário Internacional Sob a Luz do Soleil

28 de setembro a 03 de outubro de 2020

Realização via plataforma ZOOM, transmissão no Youtube

Parceria dos Programas de Pós-Graduação em Artes da Cena das universidades públicas UNIRIO, UFRJ e UFBA, associados com a FACULDADE CESGRANRIO e AURORA – Polo de Pesquisa Teatral.

PROGRAMAÇÃO

SEGUNDA, 28 DE SETEMBRO

CONFERÊNCIA DE ABERTURA / 10h às 13h (Brasil)

Théâtre du Soleil: Os primeiros cinquenta e cinco anos – Béatrice Picon-Vallin / CNRS- Paris (mediação Ana Achcar / PPGAC-UNIRIO)

Fórum Cine Soleil / 15h às 16h30 (Brasil)

FILMES DE TEATRO

“1789 – La révolution doit s’arrêter à la perfection du bonheur”/ 1974 – 194 min

“Tambours sur la digue” /2002 – 137 min

TERÇA, 29 DE SETEMBRO

Mesa I / Do Théâtre du Soleil à ARTA / 10h às 13h (Brasil) – Jean-François Dusigne e Lucia Bensasson / Université Paris 8 – Vincennes-Saint-Denis e ARTA – (mediação Deolinda Vilhena / PPGAC-UFBA)

Fórum Cine Soleil / 15h às 16h30 (Brasil)

FICÇÃO

“Molière” / 1978 – 244 min

QUARTA, 30 DE SETEMBRO

Mesa II / Montagem, intermidialidade e memória em filmes de teatro / 10h às 13h (Brasil)

Catherine Vilpoux / diretora do L’Aventure du Théâtre du Soleil e editora dos filmes da trupe e Julia Carrera / doutoranda PPGAC-UNIRIO. (mediação Vanessa Teixeira de Oliveira / PPGAC-UNIRIO)

Fórum Cine Soleil / 15h às 16h30 (Brasil)

CINEFICAÇÃO E INTERMIDIALIDADE NA CENA

“Les Naufragés du Fol Espoir” / 2013 – 360 min

QUINTA, 01 DE OUTUBRO

Fórum Cine Soleil / 10h às 11h30 (Brasil)

DOCUMENTÁRIOS

“Au Soleil Même La Nuit” / 1996 – 189 min

“L’Aventure du Théâtre du Soleil” / 2009 – 78 min

Fórum Cine Soleil / 15h às 16h30 (Brasil)

PEDAGOGIAS

“Un Soleil à Kaboul… ou plutôt deux” / 2007 – 75 min

“Un Cercle de Connaisseurs” / 2008 – 62 min  

SEXTA, 02 DE OUTUBRO

Mesa III / O Soleil e o multiculturalismo: As Escolas Nômades e As Comadres / 10h às 13h (Brasil)

Hélène Cinque / Théâtre du Soleil e Carmen Romero / Fundación Teatral a Mil – Chili e Ana Achcar / PPGAC-UNIRIO

(mediação Eduardo Vaccari – FACULDADE CESGRANRIO/ FEBF-UERJ)

CONFERÊNCIA DE ENCERRAMENTO

Cinema e Etnografia / 14h às 17h (Brasil) – Éric Darmon / Diretor

(mediação Gabriela Lírio / PPGAC-ECO/UFRJ)

SÁBADO, 03 DE OUTUBRO

LANÇAMENTO DE PUBLICAÇÕES / 10h às 11h30(Brasil)

ENCONTRO AS COMADRES / 16h às 19h (Brasil)