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Santo de casa é que faz milagre

Responda rápido: qual é o seu santo padroeiro? Não minta. Não adianta tentar sair pela tangente. Não dá para escapar. Nem pense em sonhar dizer, com ar superior: sou ateu, agnóstico ou algo que o valha.

Desculpe a franqueza, mas se você é brasileiro e está vivo, lendo estas linhas, você tem um santo protetor para chamar de seu. Um santo forte. Carioca, então, não tem santo, tem andor. Ou altar. Portanto, deixe de ser ingrato e vá lá, converse com o seu padroeiro, pergunte o nome dele, se você ainda teima em ignorá-lo.

Insisto por uma razão simples – esta é a semana de São Sebastião. Não, não sou devota dele, o meu caso é com São Jorge.  Mas, na situação atual do Rio, vamos combinar, todos os louvores são benvindos. E, afinal, São Jorge me perdoe, mas São Sebastião e Santo Antônio sentaram praça aqui na cidade. Antes do menino do Rio, foram os soldados do Rio.

São histórias conhecidas – se você é carioca autêntico, curtido em sol, mar e paisagem, você conhece. Vou pedir licença, como se lançasse um gole para os santos, para repetir histórias tão conhecidas por uma razão simples – podemos ter leitores desprovidos de intimidade com as lendas da mui bela e leal cidade… Vamos ficar apenas com S. Sebastião, deixemos Santo Antônio para outro texto.

Todos sabemos que o Rio começou como um paraíso indígena – infelizmente, os ocupantes seguintes agiram de tal modo que nenhum vestígio retumbante desta tal terra indígena encantada sobrou. Até os sambaquis e cemitérios indígenas foram revolvidos a trator, foram contabilizados como depósitos de cal.

A primeira ocupação branca da região, da qual também não restam traços, foi francesa – ulalá. E os franceses, se vitoriosos, talvez tivessem promovido uma ocupação bem curiosa, pois tentaram fazer uma colônia protestante. Quer dizer, fugitivos das perseguições religiosas, organizariam talvez uma colônia de povoamento e não de exploração… Bem, mas eles perderam.

 Apesar da aliança com os tamoios, os franceses foram derrotados pelos portugueses, autointitulados como donos das terras, neste caso, índios incluídos. Para os críticos sintonizados com o além, a explicação é batata: os franceses perderam por não terem santos de devoção. E mais, fizeram aliança com canibais pagãos – os portugueses batizavam os índios…

Assim, ganharam a luta os seguidores de S. Sebastião e de D. Sebastião. Sim, há um intrincado jogo místico ao redor do tema – vale prestar atenção. D. Sebastião era o futuro rei de Portugal, foi infante tardio muito esperado, nascido justamente no dia 20 de janeiro de 1554. Portanto, quando os franceses chegaram ao Rio, em 1555, ele era o futuro.

Não foi fácil vencer os franceses. Os portugueses precisaram unir muitas forças, pedir reforços à rainha regente. Contaram com o apoio dos jesuítas lá de São Paulo, Nóbrega e Anchieta, e dos índios temiminós, liderados por Araribóia, uma comunidade que se cristianizou e fundou Niterói, recompensa após a vitória.

No entanto, ainda era pouco, os franceses eram bravos guerreiros e estavam estrategicamente muito bem posicionados. Seria fundamental ter uma ajuda extra. Pois aí é que entra a força do santo protetor. Segundo a lenda, na árdua Batalha das Canoas, travada em julho de 1566, os portugueses estavam perdendo, por causa da superioridade numérica do inimigo.

De repente, numa canoa portuguesa, um barril de pólvora explodiu e no meio do fumaceiro um forte guerreiro surgiu, lutando. A visão, narrada pelos jesuítas e confirmada por Araribóia, pulou de canoa em canoa devastando os inimigos atônitos e acendendo o ânimo dos portugueses. A batalha foi ganha graças ao reforço inesperado, a presença de São Sebastião.

E os franceses persistiram. A luta continuou, até 1567. Finalmente, no dia 20 de janeiro de 1567, na Batalha de Uruçu-Mirim (o atual Flamengo), os portugueses levaram a melhor. Justamente no dia do santo padroeiro!…

Vale destacar algumas curiosidades interessantes. Para uma cidade solar e praieira como o Rio de Janeiro, parece perfeito um padroeiro representado tradicionalmente com pouca roupa, pois sempre aparece figurado no seu martírio, imposto por causa de suas ideias, sua fé.

Ao mesmo tempo, o Rio nasceu como uma espécie rara de cidade real – quer dizer, do rei, fundada por ordem direta da coroa, num período ainda sob a vigência das capitanias hereditárias. Diante do fracasso do donatário daqui, o poder nasceu na cidade como realidade absoluta, distante. Portanto, o martírio dos cidadãos era bem mais considerável do que aquele em vigor nas cidades cujo governo cabia às famílias donatárias, locais. Sempre é mais fácil conversar com um vizinho.

Convivemos com um velho colorido autoritário do poder, somos íntimos. No Rio, a planta daninha nasceu com a cidade. De toda forma, no conjunto do país, superada a vida de aldeia, o poder sempre foi uma instância bastante inacessível para a maioria. No Rio, agravou-se o quadro, a cidade virou capital.

Mesmo hoje, sob urnas, voto universal e jogo em principio democrático, o poder passa longe. Talvez esta condição explique algo da irreverência do carioca. Assim como o seu padroeiro não hesitou para sustentar as suas ideias diante da opressão, o carioca teria criado uma forma de ser, humorada e irreverente, para conviver com poderes opressores.

Portanto, prosseguimos. Não sei se o seu santo é São Sebastião. Mas, convenhamos, sempre cabe mais um, quando o assunto é garantir a proteção da vida. Aproveite a semana, o seu amor pelo Rio e adote São Sebastião. Talvez tenhamos missa online nos Capuchinhos – vale conferir. Segundo a tradição, a igreja e os seus rituais são meios certeiros para atrair sorte.

O caso é de renovação e reforço da fé: cuidar dos poderes elevados verdadeiramente distantes. Mas isto se faz com um olho na vida – é também para revitalização do corpo e da palavra. Aproveite, então, a dica do padroeiro tão corpóreo e vá um pouco mais além, cuide do seu corpo e do seu verbo.

Exorcize a força de D. Sebastião no astral da cidade – afinal, o rei tão desejado assumiu a coroa, se engajou nas lides militares, não fez herdeiro e sumiu na batalha de Alcácer Quibir, em 1578, sem deixar rastros. Nem há notícia de seu destino, nem o seu corpo apareceu. Preocupante, não acha?

Fazer o quê? Já que a pandemia persiste, não estamos em São Paulo, não sabemos ao certo quando teremos vacina, exercite-se. A classe teatral e os pesquisadores das artes do corpo estão a mil, na internet, com ofertas maravilhosas para quem quiser, com ou sem santo, se transformar numa fortaleza.

Exemplos? Há desde o irresistível Ivaldo Bertazzo, com aulas energéticas renovadoras, até a proposta bastante inovadora da artista e pesquisadora de dança Aline Bernardi. Ela está organizando o  Laboratório Corpo Palavra – Coreografias e dramaturgias cartográficas. As inscrições gratuitas estão  abertas até sexta-feira.

Neste caso, a pauta ilumina um projeto bastante inovador. E libertador. Durante sete semanas, a coreógrafa, bailarina e professora vai ministrar um curso virtual de formação e de criação artística cujo principal objetivo é investigar a relação entre corpo e palavra.

As aulas começarão no dia 25 de janeiro e contarão com a presença de convidados e especialistas na área. Para o encerramento, em março, será organizada uma mostra artística.

Algumas perguntas instigantes integrarão o motor da experiência, perguntas que indagam a respeito dos limites do fazer teatral e artístico, perguntas que dizem muito da densidade das pessoas hoje.

Qual a implicação do corpo no ato de escrever? É possível escrever enquanto nos movemos? Quais são os afetos percebidos entre razão e sensibilidade? Como a poesia do corpo pode interferir no ato criativo? No pano de fundo, o território das perguntas reverbera: é a imensa poesia inerente ao ato e ao fato de ser humano.

Talvez os santos não nos expliquem mais esta trama. Talvez, afinal, depois de tantos séculos, os afazeres dos céus estejam por lá mesmo, no terreno do inefável. E nós, aqui, poeiras de matéria, energia pesada, precisemos orar aos santos, saudar o além e… cuidar nós mesmos dos nossos corpos. Este seria o nosso altar, sem o qual nenhuma fé sobrevive. Pois a nossa missão começa bem ali, onde se esfumaça o poder dos santos. E este deve ser o nosso compromisso com eles…

Painel de azulejos da Igreja dos Capuchinhos, na Tijuca: uma visão da fundação da cidade, com a estátua do padroeiro.

 SERVIÇO:

O MÉTODO IVALDO BERTAZZO

Ivaldo Bertazzo trabalha desde os anos 1970 na educação do corpo e na transformação do gesto como manifestação da própria individualidade.

Viajou o mundo incorporando movimentos e a cultura gestual de diversos lugares ao seu trabalho.

Em 1976, criou a Escola Ivaldo Bertazzo e o Método Bertazzo de Reeducação do Movimento.

Hoje, atua diretamente com o público em geral, profissionais das áreas de saúde, educação, arte e do esporte.

Atendimento:

Laboratório Corpo Palavra – Coreografias e dramaturgias cartográficas

Ficha técnica

Direção Artística e Concepção: Aline Bernardi

Dramaturgia: Ligia Tourinho

Direção de Arte, Assistência de Direção e Ilustrações: Lia Petrelli

Direção de Produção: Aline Bernardi

Produção Executiva: Laura Addor

Assessoria de Imprensa: Racca Comunicação

Direção de Comunicação: Rachel Almeida

Podcast: Lia Petrelli

Direção de Fotografia e Montagem Audiovisual: Julio Stotz

Palestrantes: Hélia Borges, Ciane Fernandes, Sandra Benites, Maria Alice Poppe, Katya Gualter, Ana Kfouri e Ondjaki

Professores Convidados: Soraya Jorge, Ruth Torralba, Lidia Laranjeira, Ana Paula Bouzas e Pedro Sá Moraes

Projeto Gráfico: Emerson Ferreira e Nativu Design

Site: Pedro Sá Moraes

Fotos: Helena Cooper

Mediação do Lançamento Oficial: Richard Riguetti

Tradutores de Libras: Atanael Weber e Cíntia Santos

Patrocínio: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro/Secretaria Municipal de Cultura, Secretaria Especial de Cultura, Ministério do Turismo e do Governo Federal

Realização: Celeiro Moebius e Lab Corpo Palavra

Apoio Institucional: Centro Coreográfico da Cidade do Rio de Janeiro, Faculdade Angel Vianna, PPGPDAN/FAV, EEFD/UFRJ, PPGDan/UFRJ, Sindicato de Dança, ETEAB – Escola Técnica Estadual Adolpho Bloch

Parcerias: CIMA, ESLIPA, Nativu Design, Racca Comunicação, Zingareio, Clipes

Serviço:

Laboratório Corpo Palavra – Coreografias e dramaturgias cartográficas

Período de inscrições: de 13 a 22 de janeiro de 2021, no link

– 35 vagas, divididas da seguinte maneira: 3 vagas para mulheres; 3 vagas para pessoas negras, 3 vagas para indígenas, 3 vagas para lgbtqia+, 3 vagas para pessoas com deficiência, 5 vagas para estudantes de Ensino Médio e Técnico, 5 vagas para estudantes de graduação e pós-graduação em Artes e 10 vagas para ampla concorrência — 70% das vagas serão destinadas ao município do Rio de Janeiro e 30% destinadas ao Brasil e América Latina.

Divulgação dos selecionados e dos suplentes: 23 de janeiro de 2021.

Início do laboratório: 25 de janeiro de 202

Duração do projeto: de janeiro a março de 2021

Mostra artística: 17 a 20 de março

Redes Sociais do Projeto:

Youtube:  

Uma aula introdutória sobre o projeto pode ser vista no Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=9G89pDxvwqw&t=2s.

Facebook:

Instagram: @celeiromoebius

 Assessoria de imprensa  Racca Comunicação  Rachel Almeida

Para saber mais sobre a história do Rio de Janeiro:

Para saber mais sobre São Sebastião: