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Tem teatro, no futuro?

Aconteceu uma olimpíada cênica aqui no Rio de Janeiro. Foi a maratona teatral para a definição dos finalistas do Prêmio APTR/2020. Ainda este mês, surgirão os finalistas, os resultados finais e acontecerá a premiação festiva. Ao lado dos êxitos e aclamações, existem outros saldos da experiência, resultados para pensar depois da corrida, algo bem além dos resultados objetivos do prêmio.

O primeiro ponto que se deve destacar, diante de um volume de mais do que uma centena e meia de peças em formato teatron, quer dizer, teatro não presencial, é a certeza de que o teatro sobrevive. Podemos todos dormir tranquilos, a arte prossegue.

Afinal, não foi a primeira vez na História, desde a sua criação grega, que o palco se viu em confronto com a peste. Como em todas as outras vezes, o teatro não vai acabar. E agora, sem dúvida, a sobrevivência foi anunciada de forma inédita, pois  a arte se manteve viva durante o ato da pandemia.

Existe uma forma nova de vida social, virtual, e o teatro se aclimatou à coisa, uma situação que vai mudar vários aspectos da teatralidade. A humanidade avança para um outro lugar  de existência – é preciso incorporar esta constatação ao ritmo cotidiano geral. Se a covid 19 impôs a distância, o isolamento, a desinfecção permanente, o seu enfrentamento alargou as formas de contato e de presença à distância.

Assim, curiosamente, o teatro passou a ser ao mesmo tempo aldeão e universal – ele conquistou o dom de acontecer aqui e agora, acolá, além e depois. Ele pode continuar a tratar dos problemas sob um recorte localizado, apenas um ponto da vasta superfície do globo, mas este recorte, local, pode ser mostrado, simultaneamente até, ao vivo ou gravado, para todo o mundo.

É verdade que as grandes obras de contracena coletiva, os textos complexos, tradicionais, concebidos para grandes elencos, não assinaram presença no teatro brasileiro da pandemia. Tais montagens existiram, existem e puderam ser vistas, inclusive como filmagens históricas. Por aqui, surgiram até grandes elencos multiculturais, mas em obras corais de um tipo novo – será importante estudá-las.

Quanto às obras de grande envergadura teatral, tradicionais, se no teatro brasileiro elas não são abundantes, nos teatros europeus e no norte-americano o acervo é extenso, inclui um grande patrimônio anterior à pandemia. Foram incontáveis as oportunidades para conferir este tesouro, ainda acessível. Mas, em compensação, apesar da pequena fortuna nacional de gravações históricas, a produção da atualidade, de peças do confinamento, tem sido numerosa. Como definini-las?

A contemplação de tantas obras, tão variadas, permitiu situar um oceano de desafios técnicos e artesanais. Desde a qualidade das imagens, derivada do tipo de equipamento ou do grau de domínio técnico,  até a articulação da linguagem – mais ou menos hesitante ou mais ou menos singela, se pode vislumbrar um imenso campo de debates. A forma da contracena, coletiva ou monologal, também precisa ser pensada.

Quer dizer, o tema é vasto. É preciso ver os trabalhos, falar a respeito, formular um saber coletivo, de coxia, se é que ainda existe coxia nesta nova formatação. Além deste lugar técnico e poético, o olhar para esta grande vitrine trouxe uma nova certeza, bem revolucionária.

Ela sacudiu com vigor as noções de pertencimento, diálogo e nacionalidade. Um novo teatro brasileiro surge agora para as plateias, sob uma dimensão inédita na História. De Manaus a Porto Alegre, uma nova cena se impõe.

Logicamente a situação é ainda mais ampla, o fato ultrapassa a questão nacional. Neste novo teatro, as fronteiras geográficas podem ser implodidas, até a barreira do idioma pode ser contornada com a adoção de legendas. Para o público de teatro, está nos ares todo o teatro do mundo. 

Uma pergunta incomoda e deve ser visitada com urgência – este teatron, portanto marcado por uma distância-na-presença, consegue brindar com os gêneros tradicionais? Sem o fluxo imediato de energia da plateia, é possível fazer comédia, tragédia? Ou  ele é uma forma resfriada, em que só se pode recorrer ao drama e seus derivados, e  às narrações, aos documentários e jogos?

De toda forma, uma coisa é certa. Esta arte renovada – se não exatamente nova – aponta para a necessidade de um homem novo. De que adianta conquistar este painel espetacular da vida, adquirir o direito de contemplar esta janela majestosa inédita, se o olhar de quem mira a cena é turvo, curto, nublado?

A pergunta a respeito da qualidade do humano, da densidade do olhar para o próximo, da relação com o outro parece se tornar urgente. Algumas peças sintonizadas com este abismo estão anunciadas. Vale a pena conferir.

Em cartaz desde o dia 6 de agosto, gratuita, Tormento, criação coletiva sob a direção de Eucir de Souza, revisita Entre Quatro Paredes, de Sartre. O tema é o confinamento, a obrigação de se reduzir a si e necessariamente deixar aflorar os subterrâneos interiores.

Se nesta montagem a indagação percorre os conceitos alinhados com a existência humana, ela encanta de saída ao propor um diálogo com a instituição teatral, a estante histórica, e conduzir a pergunta para o existencialismo, para o universo sartreano. A forma teatral, em largo sentido, convive bem aqui com o digital, um pretexto para a atualização do poder do palco.

Contudo, a janela aberta para o mundo – ou para o futuro – parece ser mais radical na proposta assinada pelo diretor Rodrigo Portella, um criador marcado por sua capacidade cirúrgica para recortar a poesia da alma humana. Trata-se da instalação intercênica – e este nome já é um desafio – Meu filho só anda um pouco mais lento, peça do croata Ivor Martinić. A radical viagem criativa estará muito adequadamente abrigada no Oi Futuro.

O caso sob o foco é próspero – em debate, está o que é ou não é o teatro, o que é o familiar ou o remoto, e, claro, como pensar, como conceber o que é, afinal, o ser humano. Aqui a definição de teatro oscila perigosamente – as cenas foram gravadas, são projetadas em estilhaços no espaço que o público, sob as normas de segurança sanitária as mais restritas, deve percorrer.

Cada espectador terá, portanto, a sua própria versão da história, tecida por sua presença. Os atores não estarão ao vivo. Duas galerias estarão ocupadas, sob dinâmicas complementares. Numa, retratos animados dos personagens estarão projetados, na outra, um labirinto de paredes translúcidas abrigará em 24 telas os estilhaços gravados da trama. Ao todo, serão 625 combinações possíveis para acompanhar a história.

O ponto de partida é uma trama de família de aparência simples – uma mãe (Simone Mazzer) prepara a festa de aniversário de 25 anos do filho (Felipe Frazão). Ele é vítima de uma doença degenerativa e se tornou cadeirante, situação que a mãe precisa aceitar, enredada numa teia familiar complexa, em que não falta humor e poesia.

Dá para cogitar o tamanho do desafio para o conceito de teatro no nosso tempo. Como no teatro das mansões, medievais, nesta proposta o público é que se move, com inteira liberdade, entre os fragmentos expostos. Diante dos seus olhos, contudo, há não uma história santa de sabor coletivo, mas sim um drama objetivo, de sabor contemporâneo, entremeado nos fiapos lançados ao ar pela encenação.

Conforme o desejo de boa parte da dramaturgia atual, diante do familiar, entre o riso leve e discretas pontadas de dor, a cena acompanhará o espectador após a sessão. Ela seguirá com ele, íntima, como se a representação não quisesse ser apenas uma noite de teatro, mas uma companheira para pensar a própria vida e transformar o ser.

Ou para pensar o teatro, transformado em abraço poético – talvez seja necessário retornar às definições de diversão, drama, mímese, representação, palco…, se quisermos chegar a alguma inteligência a respeito destas formas de agora, a respeito das formas deste trabalho. O que elas desejam?

Parece que a ambição maior é a de demonstrar que, depois da lição grega, nunca mais o teatro sairá de nossas vidas. Ele faz parte de nossa forma humana de ser. Assim, está claro: não haverá nem internet, nem gravação, nem tela e nem peste que o liquide. Pois a vida humana, para existir, não precisa só do exercíco físico de inspiração olímpica: precisa de exercícios para a alma.

T O R M E N T O
SERVIÇO:
ESTREIA: dia 06 de agosto (6ªf), às 21h
RETIRE SEU INGRESSO GRATUITAMENTE EM https://www.sympla.com.br/eventos?s=tormento&tab=eventos

FICHA TÉCNICA:
Dramaturgia: criação coletiva
Direção: Eucir de Souza  
Diretor Visual: André Grynwask
Elenco: Fernanda Viacava, Marcio Mariante e Rosana Stavis
Participação especial (voz): Eucir de Souza
Cenário: Eucir de Souza
Figurino e Maquiagem: Rosana Stavis
Luz: Marcio Mariante
Produção: Eneida de Souza  
Administração Financeira: Eneida de Souza
Coordenação Geral e Execução do Projeto: Clotilde Produções Artísticas Ltda ME
Assessoria de Imprensa: JSPontes Comunicação – João Pontes e Stella Stephany
 
MEU FILHO SÓ ANDA UM POUCO MAIS LENTO
SERVIÇO:
Abertura para convidados: dia 11 de Agosto de 2021, a partir das 12h.
Visitação: de 12 de Agosto a 10 de Outubro
Local: OI FUTURO
Endereço: Rua Dois de Dezembro, 63, Flamengo/RJ
tel.: 21 31313060
ENTRADA GRATUITA MEDIANTE AGENDAMENTO NO SITE:
https://oifuturo.org.br/agendamentocentrocultural/
Classificação indicativa: 14 anos

FICHA TÉCNICA
Idealização, roteiro e direção geral: Rodrigo Portella
A partir da peça homônima de Ivor Martinić
Interlocução artística: Julia Deccache
Fotografia e montagem: Pedro Murad
Coordenação geral do projeto: Cláudia Marques
Fotos: divulgação  
Elenco / personagem:
Simone Mazzer – Mia
Felipe Frazão – Branko
Elisa Lucinda – Rita
Maria Esmeralda Forte – Ana
Camila Moura – Doris
Verônica Rocha – Sara
Antônio Pitanga – Oliver
Enrique Diaz – Michael
Leandro Santanna – Roberto
Hipólyto – Tim  
Tradução Croata para Espanhol: Nikolina Židek
Espanhol para Português: Celso Curi  
Direção de arte: Julia Deccache
Trilha sonora original: Frederico Puppi
Colaboração para trilha sonora: Marcelo H
Música “Let’s die together”: composição de Milla Fernandez e Federico Puppi
Som direto e mixagem: Tiago Picado
Figurino: Valéria Stefan
Visagismo e maquiagem: Diego Nardes
Iluminação: Leandro Barreto
Direção de fotografia aérea: Roberto Tascheri  
Assistente de direção: Anaxi Altamiranda
Assistente de câmera: Felipe Carvalho
Assistente de edição: Luiza Castagna
Assistente de iluminação: Wesley Torquato
Assistente de figurino: Mariana Fernandes
Assistente de visagismo e cabeleireiro: Lucas Souza
Camareira: Maria Helena Ferreira  
Assessoria de imprensa: JSPontes Comunicação – João Pontes e Stella Stephany
Projeto gráfico: Felipe Braga
Fotos e vídeos / still: Daniel Barboza e Anaxi Studio
Redes sociais: Breno Motta
Tráfego de redes sociais: Gabriela Saboya e Rodrigo Gonzaga   Coordenação técnica (galerias): Hugo da Matta e José Luiz Junior Cenotécnico: André Sales
Contrarregra: Marcio Gomes
Pintura de arte: Carla Ferraz
Equipe de montagem cenário: Jayro Botelho, Renato Darin e Juliana Moreira  
Produtor executivo: Rafael Lydio
Produção de set: Rogério Garcia
Transporte: Fernanda Prates
Alimentação: Cezarin Sabor e Saúde
Coordenação administrativa/prestação de contas: Fomenta Consultoria Direção de produção: Claudia Marques
Realização: Fábrica de Eventos