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Teatro, teu nome é… mulher!

Queria escrever uma coluna feminina e feminista, mulher do princípio ao fim. Sonho antigo. Uma coluna forte, impregnada daquela garra cotidiana, capaz de garantir a sobrevivência da vida dentro de uma casa, do fogão ao leito, empurrar a força da vida num país. Lembrei de Marília Pêra, esfuziante como representação da figura da mulher, na excelente montagem Brincando Em Cima Daquilo, texto de Franca Rame e Dario Fo.

Mas, sinceramente, não sei se existe texto feminino – a discussão vem de longe, saltita do teatro para a literatura. Claro, o verbo saltitar pulou da cabeça para a página por pura provocação. Pois, em alguns momentos, eu penso que… refutar a hipótese de uma escrita feminina é ato político de silenciamento. Então, vale defender a existência, por agora, do texto feminino.

Por isto, luto pela ideia de que o debate deve ir adiante: não adianta nada argumentar certas coisas diante do papel e das letras apenas. Melhor seria ver as falas, os dizeres, as palavras volteando em pleno ar da vida.  Sim, coisas concretas. E lamento mais uma vez a inexistência no Rio de Janeiro de um teatro da mulher. Um lugar de fala na mais completa extensão da expressão.

Precisamos muito de uma casa de teatro feminina no Rio. Poderia ser um projeto da Prefeitura. Penso que um prédio como o Automóvel Club, na Lapa, poderia interessar a alguma grande empresa ou banco para a construção de um ninho feminino, algo que seria um centro cultural/escola de vida fenomenal – Magalu, Casa e Vídeo, Itaú, Santander poderiam se candidatar.

Ficaria lindo, ali, um centro cultural da mulher. Com teatro, centro de convivência, setor de cursos e aulas, incubadora para empreendedorismo, banco da mulher, seguradora da mulher, galeria, biblioteca – tantas coisas eficientes para acelerar esta mudança do mundo que já está acontecendo. E que, aqui neste país, precisa andar mais rápido: temos pressa.

Afinal, as mulheres mandam e governam a vida cotidiana aqui, elas só não têm o poder. E com frequência não têm liberdade, não têm reconhecimento de autoridade, são massacradas. Fatos objetivos inaceitáveis preenchem os noticiários, eles tornam a vida das mulheres muito difícil. Precisamos traçar os caminhos necessários para que as nossas jornadas sejam um pouco menos sofridas e trabalhosas.

Algumas iniciativas já existem, é urgente ampliar o leque de opções. Seria divino, então, contar com um espaço de cultura e diversão orientado para o gênero – não por preconceito ou qualquer espírito de revanche, mas como oxigênio, lugar de respiração – em uma palavra, liberdade. Liberdade de ser.

Uma das pautas urgentes é a sororidade – a capacidade de encontro, de irmandade, de exercício pleno da identidade. Afinal, esta arte de se encontrar com os semelhantes existe como uma prática masculina antiga, importa reconhecer.

No caso feminino, ainda sob névoas sinistras de opressão, o pacto de irmãs pode ser decisivo para a redução da violência e para a emancipação de mulheres sujeitas a práticas abusivas. Sem falar no impulso ao crescimento daquelas que já se tornaram senhoras dos seus narizes…

Já existem várias organizações internacionais de troca, diálogo, apoio, reconhecimento. Na área da cultura e do teatro, há uma cadeia de iniciativas, redes, eventos internacionais.

No Brasil, algumas tramas localizadas estão esboçadas; coletivos para a vida profissional e financeira se tornam ferramentas de extrema utilidade. A conquista da senhoria de si e da própria vida passa por ter independência econômica. Trabalho e renda são fundamentais.

Na área do teatro, existe a possibilidade de um movimento se tornar uma força política feminina importante. A partir da administração Antonio Gilberto no Teatro Municipal Maria Clara Machado, do Planetário, surgiu o Mulheres em Cena, uma programação teatral feminina anual, justamente para os meses de março.

Em 2020, o III Mulheres Em Cena não estreou: foi bloqueado pela pandemia. O grupo de autoras, encenadoras, atrizes, produtoras, mulheres profissionais de teatro, continuou em contato e definiu um canal de diálogo online de sucesso. A vontade de fazer, de levar a temática para a cena, se expandiu. O movimento precisa, no momento, de uma casa para abrigar a imensa energia reunida.

Um teatro de mulheres seria um palco para peças, mas também para debates, cursos, oficinas, encontros, modalidades múltiplas de criação. A potência transformadora da iniciativa é vertiginosa: o ponto de partida teria de ser a existência de uma creche, pois não se pode falar em mulher sem falar em criança.

A fortuna temática em jogo, portanto, possui uma dimensão enorme. Envolve a existência civil, cotidiana, e o perfil artístico das mulheres. Isto significa, em termos gerais, viabilizar a realidade de trabalho – por isto, a creche. E o trabalho vai da criação de textos à sua encenação, passando por todas as etapas implícitas, dos ensaios e da produção, bem como pela formação e especialização.

Isto sem falar na variedade de tons e semitons envolvidos no olhar para o feminino. A multiplicidade de histórias de vida, a complexidade das tramas de afeto, a longa história de lutas e de realidades importantes para o universo das mulheres trazem um mar sem fim de desafios e de convites à criação.

Esta semana, por exemplo, a curiosidade acerca do feminino pode ser contemplada com uma bela oferta de espetáculos teatrais, oferta ampliada durante a pandemia graças à benção de contar com teatro online, teatron. Dá para ver teatro de todo o país e de várias partes do mundo.

Em São Paulo e no Rio, três produções merecem destaque. A primeira alcança um impacto político precioso – recupera a história de vida da guerrilheira Maria Auxiliadora Lara Barcelos, a Dora, uma jovem estudante que ingressou na luta armada contra a ditadura militar aos 23 anos.

A história da jovem é muito pouco conhecida. O resgate acontece por iniciativa da atriz Sara Antunes, criadora do espetáculo digital que estará em cartaz até o dia 4 de abril. Dora viveu uma vida dilacerada – além do desafio da guerrilha, ela foi presa, violentamente torturada, exilada e acabou cometendo o suicídio, aos 31 anos, na Alemanha.

O projeto, contemplado pela 11º edição do Prêmio Zé Renato de Teatro, da Cidade de São Paulo, da Secretaria Municipal da Cultura, deve ser definido como autoral no sentido maior da palavra. Da criação à atuação, passando pela direção de arte e pelo figurino, ele é assinado por Sara Antunes; envolve, portanto, uma extensa rede de criação feminina.

A cena se apresenta como fluxo de fatos, vivências, relatos, documentos. Projeções, jogos de luz e de cor, imagens fixas e a participação especial de Angela Bicalho, mãe da atriz, se combinam para sugerir ao espectador a espessura da História. O desejo é exatamente o de lidar com a presença da História e da memória, uma urgência no país.

Esta linha de trabalho, por sinal, marca a trajetória de Sara Antunes. A sua fortuna artística conta com excelentes espetáculos desta temperatura, uma pauta de encontro entre os estudos históricos e as formas de representação das mulheres – vale lembrar de Hysteria, Hygiene, Negrinha, Guerrilheiras ou Para a Terra Não há Desaparecidos e Leopoldina, Independência e Morte.

Uma outra intervenção teatral feminina muito curiosa aparece em Palavras de Mulheres, um espetáculo interativo inteiramente criado para o formato digital, idealizado por Mario Camelo.  Viabilizado pela Lei Aldir Blanc, o trabalho traz a marca do presente graças ao formato de elaboração, no qual as atrizes participaram com suas histórias e sua criatividade.

Assim, diante de uma história do teatro amplamente dominada pela voz masculina ao longo do tempo, da dramaturgia ao desempenho de papéis, as atrizes Aurora Eyer, Jessica Madonna, Jullie, Maria Adélia e Maria Lucas trouxeram versões pessoais de grandes personagens, tais como Medeia, Lilith, Medusa e Ismênia.

A partir de uma série de encontros, lideradas pela diretora Nina Costa Reis e pela dramaturga Carolina Lavigne, elas assinaram a construção de personagens mesclados com suas vivências. Nas apresentações, o público é convidado a descobrir os sentimentos revelados em cena, graças ao formato interativo viabilizado pelo Zoom.

O projeto tem um contorno amplo, com muitas atividades na programação. Um arco de celebração do feminino se configura, pois a iniciativa abrange desde a difusão de dramaturgia feminina, até encontros e debates.

Também de São Paulo uma força primordial feminina do teatro brasileiro se impõe: Clara Carvalho, atriz notável, dirige Aviso Prévio, de Consuelo de Castro (1946-2016), autora cuja presença na cena brasileira deveria ser uma constante.

A nova montagem apresenta o casal da cena, um par na iminência da separação, vivido pelos atores Fernanda Couto e Kiko Vianello, casados na vida real. Estão juntos em cena pela primeira vez. A montagem de estreia do texto, em 1987, contou com Nicette Bruno (1933-2020) e Paulo Goulart (1933-2014 ) – fato que turbina mais ainda a importância do trabalho.

A peça sinaliza um momento importante de virada na carreira de Consuelo de Castro, o rompimento com a escrita realista. A dramaturgia, toda fragmentada, lança em cena as múltiplas faces de Ela e Oz.

O jogo cerrado traz, assim, um sabor irresistível para este tempo de isolamento social, em que se tornou um grande desafio conviver e suportar as insatisfações. Não será difícil perceber situações familiares, reconhecer fatos próximos e acontecimentos atuais.

A carga de enfrentamento humano e afetivo se destaca em virtude do cenário minimalista, de tom onírico, uma sugestão discreta do real, artifício favorável à ampliação do foco na cena e nos diálogos. É, no dizer da diretora, teatro essencial, ator e texto no seu ponto de encontro mais denso.

Há ainda uma inovação curiosa – o espetáculo, cuja estreia aconteceu no dia 5 de março, no Viga Espaço Cênico, em São Paulo, terá dupla existência, real e virtual, teatro e teatron. A marca aponta o futuro e deve figurar em destaque. Para quem é carioca e admira a densidade paulista, é um prêmio.

E assim a semana aparece povoada por eloquentes exemplos da arte das mulheres da cena. Mas vale a ressalva: a pequena lista é um recorte discreto das ofertas de teatro na semana, pródiga em propostas de valorização do feminino. Não se trata de coincidência, nem de celebração do 8 de março, não se iludam: a força feminina é um dos maiores acontecimentos da atualidade.

Ela não acontece como discriminação, apagamento de outros vetores, recusa, machofobia ou qualquer outro rótulo assemelhável. As mulheres estão ganhando chão, namorando o mundo, participando da definição da realidade. Por isto, vai se tornando difícil fazer uma coluna feminina, simplesmente mulher, pois mulher, hoje é o que há. Em breve, se Deus quiser, não será necessário ter mais cotas ou legislação protetiva: da vida, seremos infinitas companheiras, num absoluto e indissolúvel caso de amor.

FOTO DA PÁGINA: AVISO PRÉVIO, Fotografia Heloisa Bortz.

DORA

Ficha técnica:

Direção, texto e atuação: Sara Antunes.

 Concepção audiovisual: Henrique Landulfo e Sara Antunes.

 Direção de fotografia e assistência de direção: Henrique Landulfo.

 Produção: Jessica Leite.

 Direção de arte e figurino: Sara Antunes.

 Luz: Wagner Antônio.

 Desenho sonoro: Edson Secco.

 Participação: Angela Bicalho.

 Transmissão: Marcel Alani.

 Assessoria de imprensa: Adriana Balsanelli.

Serviço:

DORA

Temporada on-line: De 6 de março a 4 de abril – Sábados e domingos, às 20h.

Duração: 40 minutos.

Classificação etária: 16 anos.

Ingressos: Grátis – Reservas pelo Sympla.com.br

Assessoria de Imprensa: Adriana Balsanelli

PALAVRAS DE MULHERES

Ficha técnica:

Direção: Nina da Costa Reis

Dramaturgia: Carolina Lavigne

Elenco: Aurora Eyer, Jessica Madonna, Jullie, Maria Adélia e Maria Lucas

Idealização e Direção de Produção: Mario Camelo

Produção: Hildo de Assis

Redes Sociais: Maísa Capobiango

Design: Nath Moraes

Curadoria estética e cenográfica: Bidi Budjnowski

Assessoria de Imprensa: Prisma Colab

Vídeo: Isabella Raposo

Operador de Zoom: Pedro Lima/Avec Filmes

Direção musical e músicas originais: Claudia Elizeu e O Limce

Curadoria de textos virtuais e apoio: Philos

Agradecimentos: Andréa Bak, Andréa Pachá, Aretha Sadick e Cissa Guimarães

Governo Federal, Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa do Rio de Janeiro, através da Lei Aldir Blanc.

Serviço:

PALAVRAS DE MULHER

Estreia: 4 de março de 2021

Temporada: De 4 a 19 de março de 2021.

Horários: quintas e sextas, às 21h.

Duração: 55 minutos

Classificação: 12 anos

Ingressos: Preços de R$10 a R$200.

Vendas on-line: pelo site da SYmpla ou em https://linktr.ee/palavrasdemulheres

ATIVIDADES PARALELAS:

Workshop de direção com Nina da Costa Reis

Quando: 23 de março – terça

Horário: 19h

Gratuito

Inscrições via Sympla ou: https://bit.ly/WorkshopDirecao

Bate-papo com equipe e elenco:

Quando: 11 de março – quinta

Horário: após o espetáculo, das 22h às 23h.

Gratuito.

*** Metade dos valores será destinado à organização Ainá Mulher, que conecta mulheres com oportunidades de saírem de relacionamentos abusivos.

*** Leituras semanais de textos curadas pela editora Philos no Instagram do espetáculo: www.instagram.com/palavras.de.mulheres

 AVISO PRÉVIO

Ficha técnica:

Texto: Consuelo de Castro.

Direção Geral: Clara Carvalho.

Assistência de Direção: Suzana Muniz.

Elenco: Fernanda Couto e Kiko Vianello.

Cenário: Amanda Vieira e Marichilene Artisevskis.

Figurino: Marichilene Artisevskis.

Visagismo: Equipe Studio W Higienopolis

Make up: Suely Rodrigues

Cabelo: Claudia Santo.

Manicure: Mary Santos

Trilha Sonora: Ricardo Severo

Desenho de Luz: Fran Barros

Direção de Produção: Henrique Benjamin.

Produção Executiva: Fábio Hilst.

Assistente de Produção: Kiko Rieser.

Mídias Digitais: Ton Prado e Cubo Entretenimento. Administrativo: Emília Breda.

Assessoria Jurídica: Murillo Osneti.

Contabilidade: CMS Contábil.

Secretária: Louise Helene.

Assessoria de Imprensa: Adriana Balsanelli.

Fotografia: Heloisa Bortz.

Câmeras: Lucas Kloppel, Natália Nogueira e Fernando Fiurst. Edição: Fernando Fiurst.

Direção de Fotografia: Hugo Kloppel.

Design Gráfico e Vídeos: Ton Prado.

Operador de Luz: Fran Barros.

Operador de Som: Rafael Thomazini.

Contrarregra e Direção de Palco: Lucas Andrade.

Tradução libras: Karina Zonzini.

Camareira: Judith Rosa.

Costureira: Judite Gerônimo de Lima.

Serviço:

AVISO PRÉVIO

 Estreia 5 de março, sexta-feira, às 20h.

Temporada presencial: de 5 a 28 de março. Sextas e Sábados às 20h. Domingo às 19h.

Ingressos: Grátis – retirada com 1 hora de antecedência.

Capacidade: 36 lugares – Protocolo Covid 19.

Apresentações on-line: Dias 16, 17, 18, 23, 24 e 25 de março. Terça a quinta-feira às 20h.

Ingresso: R$20 em www.sympla.com.br

VIGA ESPAÇO CÊNICO – (Teatro Viga) – Rua Capote Valente. 1323 – Pinheiros.

Telefone: (11) 3801.1843.

Lotação: 36 lugares (Capacidade da plateia reduzida, conforme estabelecido pelo protocolo do Governo do Estado e da Prefeitura da capital).

Assessoria de Imprensa: Adriana Balsanelli