Hino ao amor
Não sei se você sabe o que é, se já sentiu, se já foi emaranhado nesta inebriante qualidade de ser. Espero que sim. Espero que tenha sentido a cabeça voltear, sinos delicados soarem como se fossem dos céus, coração disparado, mãos trêmulas e absoluta mendicância no olhar. Os lábios hesitantes loucos para soltar as palavras mágicas: eu te amo.
Ah, você poderia dançar na calçada, chutar as poças d’água da chuva, rir da cara séria dos outros, ver passarinhos verdes voando alegres pelo ar. Você estaria em paz consigo, nenhuma cobrança, nenhuma reclamação, nenhum rancor – você estaria em estado de amor.
Um simples alguém inesperado, sabe-se lá por conta de qual qualidade especial, acordou um dilúvio de sensações em você. Lâmina cortante invisível, a pessoa vai sem cerimônia transformando a sua vida, reescrevendo os seus dias, como se não houvesse mais nada ao redor.
Uma bolha etérea de bem sonhar envolve a sua existência, se torna o seu lugar de viver. A física e a geografia se reinventam, pois se forma ao seu redor um espaço-luz de sorriso, bem aventurança, algo não descrito nos compêndios, não pensado pelos mesquinhos contadores de grãos do real. Às favas com os doutos. A Terra é azul, você se lembra, e percebe que é neste inefável azul que agora-para-sempre você mora. Ah, você suspira, é apaixonante ficar bem em si…
Tudo fica mais bonito, tudo se renova, tudo pode surgir como inspiração e não há motivo para deixar o lado aborrecido, cansado, apodrecido do mundo vir dar ordens para você. Andar nas ruas é um convite à dança interior do pensamento. O ar se torna leve, é mais do que ar, talvez seja o fluxo infinito de vida descrito por alguns sábios eternos.
O amor faz de você, não importa a sua idade, um adolescente, alguém que ama a vida e deseja mergulhar nos seus desafios. A dor, a decepção e a descrença se afastam, como se por milagre, a inocência primeira faz as honras da sua alma e você, assim transformado, pode brindar a delícia de existir com uma taça de hidromel, como se fosse um deus despreocupado, um daqueles do início da história humana. Naqueles tempos a vida não era tão complicada, convenhamos, os deuses tinham direito a um vidão.
Sim, o tema é velho como a espécie, universal como a necessidade de ter no peito um coração. Ocupou filósofos, poetas, artistas de todos os matizes da arte. Levou ao Olimpo ricos e pobres, poderosos e desvalidos. Quem amou uma vez nunca mais esquece. E amou, ficou freguês – afinal, quem não quer amar?
Pois você que está por aí tristinho, chutando latas na calçada, mais murcho do que vira-lata sob a chuva chata de verão, sem entender por quê razão o amor sumiu da sua perspectiva de vida, anime-se. Vou te contar um segredo – grátis – que vai mudar os seus dias para sempre. O vira-lata vai virar um clone do Gene Kelly e vai fazer da mesma chuva aborrecida uma festa de cinema. Prepare-se para dançar para o mundo, leve como um Carlinhos de Jesus, tirar a vida para dançar.
O segredo precioso é muito simples: existe uma arte velha como a civilização ocidental cujo sentido maior, verdadeiro e profundo, é levar os humanos a viver em estado de amor. Sim, esta arte possui um espanador de almas, um espanta bolor dos ânimos, uma esponja de arrear cantos limosos, uma vassoura de zunir esquisitices existenciais, uma máquina de triturar medos obsoletos – ferramentas infalíveis para instaurar o amor.
Sim, você bem sabe que o amor, ele é, primeiro, amor de si – se você não se amar com fé, não será capaz de amar a ninguém de verdade e estará condenado a atravessar a vida como um arremedo azedo de picolé de limão. Portanto, não espere mais, ame-se – quer dizer, vá ao teatro. Sim, o teatro.
Em cena, o desfile das formas atuais de ser, sentir e pensar fará uma revolução dentro de você. Relaxe, deixe acontecer. Inspire, respire profundamente. Saiba que a mudança de si forja o espaço essencial para que, de repente, sem mais nem menos, jorre no seu interior um fluxo inefável de belos sentimentos, visões arrebatadoras do outro e, o melhor de tudo, um deslumbramento imprevisível por alguém que está bem ali, também em êxtase, esperando por você.
Ok, já sei, você vai dizer que tem ido ao teatro, vez por outra, e que nada disto aconteceu. Ao contrário, até – reza o figurino de sua amiga Iolanda, amante devastada do tal do teatro, que certas peças provocam incontrolável sentimento de raiva, ódio mesmo, e até – Dionyso que nos perdoe a fala tão rude – um impulso irracional para matar os atores todos e acabar com o suplício com muito sangue, reedição de peça de terror, amor nenhum.
Acontece que existem dois frequentadores de teatro diferentes. Os teatroadicts – viciados inveterados em teatro que, por obrigação ou por vício mesmo, veem tudo o que passa ou quase tudo, sem filtro. Mas há os teatrolovers – aqueles iniciados no grande segredo da cena, amantes à moda mais nobre, que sabem onde está o mel, o néctar, descobriram a chave mágica que move a cena e faz com que ela doe ao mundo o melhor de si – o amor.
Portanto, se você anda atrás dos palpites de Iolanda, lamento – desde sempre ela é teatroadict e o projeto dela é reclamar. Quer dizer – odiar. Trata-se, simplesmente, do movimento antagônico ao amor e nunca, nesta pegada, você irá chegar ao fluxo maior de louvor à vida e ao ser.
Mas não se desespere, não desanime, nunca é tarde para amar, o amor sempre espera as ovelhas extraviadas. Existem soluções para almas perdidas como você, ansiosas para mergulhar num mundo de absoluta luz. Os desgarrados precisam aprender a ver onde o teatro está, o legítimo, o teatroamor. Pois nem tudo o que anda pelos palcos é teatro, saiba bem.
Por vezes, cidadãos tontos, charlatões mal intencionados ou mesmo incautos de boa fé ocupam a cena sem ter o quê passar ou dizer, movidos apenas por vaidade, pretensão, ambição, meros equívocos. Nestes casos, o desastre, para você que só quer amar, é certo. Você vai sair do teatro com o coração pesado, carregado de nuvens, a cabeça turva e o bolso leve. De amor, nada. Corre o risco de virar teatroadict, mais uma Iolanda. Acertou, amigo, este é o teatro deles.
Porém, não desanime. Existem templos de culto ao teatro em que a ordem do dia é o mais refinado amor. Nestes casos, dificilmente você será surpreendido por uma armadilha do vício. A tônica será sempre o culto maior da arte, com uma torrente benfazeja de criação poética hábil para tirar a sua pessoa sofrida do inferno cotidiano e lançar a sua alma no requinte total do amor. O altar lhe espera, mas é um altar de luz de verdade, nenhum sacrifício, ninguém vai cortar a sua cabeça.
Um exemplo? Ah, experimente ir ao Teatro PetraGold. Ao que tudo indica, o critério para entrar em cartaz ali é medido por algum amorímetro perdido – um instrumento raro, sábio, pouco conhecido em nossos tempos áridos, destinado a medir a força do amor em jogo em determinada criação ou atmosfera. Eles são infalíveis, os medidores e a ferramenta, oferecem a fina flor da criação em arte. Vá até lá conferir.
Talvez algo especial esteja em esboço por lá, quem sabe a criação de uma equipe teatral estável, uma companhia permanente com um projeto teatral nítido, bem estruturado, repertório de categoria, atento ao cânone e ao tempo em que se vive. Um pé na tradição, um pé no presente, cabeça e coração só no amor. Isto quer dizer, amor ao teatro na veia, sem hesitação.
Existem outros templos do amor na cidade, não vou negar. Alguns até nasceram com esta vocação bem clara, inscrita nas testas e nas estrelas. Mas o caso do PetraGold comove, pois aquele ponto teatral fervilhante esteve para ser apagado do mapa da cidade e retornou como caso de amor explícito. Tem teatro a toda hora, para todos os gostos, tudo na profundidade do teatroamor. Não é pouco.
Dizem que o carnaval, que, aliás, está chegando aqui no fim da semana, cumpre a tarefa de libertar os seres humanos dos grilhões sociais cotidianos, redutores da sensibilidade. Pode ter sido, mas, hoje, não é mais verdade, o carnaval integrou-se à mecânica industrial e virou um pula-pula para vender cerveja, sem qualquer demérito para os pula-pulas ou para as cervejas. Amor, aí, não há.
Então, vejamos bem – você já está iniciado nos sagrados e secretos princípios do amor, já sabe refutar ilusões traiçoeiras, já pode mergulhar de cabeça neste sentimento fenomenal. Pois tire a sua melhor roupa de festa do armário, dê uma ajeitada no seu look para ressaltar o tom romântico da sua alma, capriche no perfume e abra o seu melhor sorriso. Pronto – vá ao teatro descobrir como o teatro, há milênios, impregna com amor à vida o coração do mundo. Depois, siga por aí amando, livre, de bem consigo, cantando pela rua, faça sol ou faça chuva, pois assim é o amor.
Para José Carlos Oliveira (1934-1986) – por “Quem ama é assim”
Serviço:
Teatro PetraGold – em cartaz:
ESPETACULO | PERIODO | ELENCO | DIA /HORARIO |
CRIMES DELICADOS | 18/01 A 16/02 | Daniel Dantas, André Junqueira e Well Aguiar | Sab e dom 17h |
FOLCLOREANDO | 11/01A 16/02 | Sab e dom 11h | |
O MARIDO DO DANIEL | 08/01 A 20/02 | Alexandre Lino, Bruno Cabrerizo, Ciro Sales, Dedina Bernadelli | Qua e Qui 20h |
O MARIDO DO DANIEL – cont | 12/03 A 09/04 | Qui 20h | |
A VIDA PASSOU POR AQUI | 07/01 A 18/02 | Claudia Mauro e Édio Nunes | Ter 20h |
TOM NA FAZENDA | 01 A 16/02 | Armando Babaioff, Soraya Ravenle, Gustavo Vaz e Camila Nhary | Sex, Sab e dom 19 30h |
A ALMA IMORAL | 28/02 A 01/03 | Clarice Niskier | Sex, Sab 20h e dom 19h |
ESPERANÇA | 05/03 A 26/04 | Clarice Niskier | Sex, Sab e dom 20h |
IELDA, UMA COMEDIA DRAMATICA | 04/03 A 08/04 | Qua 20h | |
LEOPOLDINA, INDEPENDENCIA OU MORTE | 07 A 29/03 | Sara Antunes e Plinio Soares | Sab e dom 17h |
FRANQUISTINHO | 04/03 A 31/05 | Sab e dom 11h |